Acórdão nº 959/10.0TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.
Em 10 de Julho de 2010[1], A… (A. e Apelante neste recurso) demandou, na jurisdição comum (correspondente ao Tribunal Judicial da Guarda), o Juiz de Direito, L… (R. e aqui Apelado), pedindo a condenação deste a satisfazer-lhe a indemnização de um cêntimo (€0,01) e a cumulativa declaração, pelo Tribunal, “da ilegalidade da conduta do R.” consubstanciada na seguinte afirmação por este proferida, dirigindo-se à A., no decurso da inquirição desta como testemunha no âmbito de uma providência cautelar julgada pelo R. no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, no dia 12/03/2008: “se a minha mãe soubesse que tinha uma colega que não sabia calcular o volume da água, ia ficar muito triste”[2].
Funda a A. este pedido numa imputação delitual ao R. [artigo 483º do Código Civil (CC)], reportada esta a danos não patrimoniais[3], atribuindo à acção o valor de €5.000,01.
1.1.
Contestou o R. invocando – e cingimos o presente relato ao que na contestação apresenta interesse face ao tema deste recurso – a incompetência material dos tribunais comuns[4].
1.2.
No articulado de réplica (fls. 46/55) – e continuamos relatar, tão-só, o que apresenta relevância para este recurso – solicitou a A. que fossem mandados “riscar” na contestação do R. “[…] os pontos 25., 26., 27., 28. (no que diz respeito à referência ao mandatário dos requerentes da providência cautelar), 47., 48., 49., 52., 53., 54., 55. e 56 […], por referirem factos que nada têm a ver com a A., apenas testemunha nomeada e ouvida pelo tribunal, e por serem também ofensivos, no seu intrínseco desinteresse absoluto quanto à discussão da causa, para com o mandatário que aqui constituiu” (transcrição de fls. 54/55).
1.3.
Finda a fase dos articulados, apreciou o Tribunal, através da Sentença de fls. 57/62 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, a questão da competência material suscitada pelo R., proferindo a tal respeito a seguinte decisão: “[…] Em face de todo o exposto e ainda ao abrigo dos artigos 102º/1 e 105º/1, ambos do CPC, julgo o presente Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer o presente litígio, sendo competentes os Tribunais Administrativos, absolvendo-se o réu da instância.
[…]” [transcrição de fls. 61] Paralelamente, nessa mesma Sentença, apreciando desta feita a questão do valor da acção, inclui-se o seguinte trecho argumentativo e decisório: “[…] Pelas razões acima exaradas, o pedido de declaração da ilegalidade do acto imputado ao réu não assume autonomia processual, pelo que o valor da acção deve ser fixado em função da quantia em dinheiro concretamente peticionada pela autora, em conformidade com o disposto no art. 306º/1, do CPC, ou seja, um cêntimo.
Em face do exposto e em obediência ao estatuído no art. 315º/1 e 2, do CPC, atribuo à presente acção o valor de um cêntimo (€0,01).
[…]” [transcrição de fls. 61] 1.4.
Inconformada, interpôs a A. o presente recurso, adequadamente recebido a fls. 82[5], motivando-o a fls. 64/75, formulando em tal peça as conclusões que aqui se transcrevem: “[…] II – Fundamentação 2.
Relatado que está, sucintamente, o iter processual que conduziu a esta instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da presente apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante, a cuja transcrição se procedeu no item anterior, operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC).
Os “factos” a considerar aqui correspondem às diversas incidências processuais acima referidas, sendo que todas elas se mostram documentadas nos autos.
Trata-se, assim, de controlar – e este constitui o primeiro fundamento do recurso (a) – a competência material da jurisdição comum, no confronto com a jurisdição administrativa, face a uma acção com a configuração (pedido e causa de pedir) apresentada por esta, designadamente quanto à asserção, presente na decisão apelada, de estar em causa a situação prevista na alínea h) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Subsequentemente – e trata-se do segundo fundamento do recurso (b) –, haverá que apreciar a pretensão da Apelante de serem mandados riscar (no sentido de suprimidos do processo) amplos trechos do articulado de defesa do R. Enquanto fundamento do presente recurso, esta questão é configurada pela Apelante como nulidade da sentença por omissão de pronúncia (artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPC); esta questão foi suscitada – e correctamente suscitada, quanto ao tempo e à forma – na motivação do recurso (artigo 668º, nº 4 do CPC) e foi apreciada pelo Tribunal a quo – e bem – no despacho de admissão deste mesmo recurso (artigo 670º, nº 5 do CPC).
Finalmente – e constituirá este o terceiro e derradeiro fundamento do recurso (c) –, haverá que controlar o valor fixado à acção (€0,01) na instância precedente.
2.1. (a) Começando pela questão da competência material da jurisdição comum – a decisão apelada julgou verificada a excepção de incompetência material (absoluta) desta jurisdição no confronto com a jurisdição correspondente aos Tribunais administrativos, absolvendo o R. da instância –, começando, dizíamos, pela questão da competência material equacionada, anotaremos, preambularmente, que a competência de um tribunal (a parcela ou medida de jurisdição que cabe a cada tribunal, face aos diversos elementos definidores desta), “[…] não depende […] da legitimidade das partes nem da procedência da acção.
É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão”[6].
Ora, tendo isto presente, constatamos estar em causa nesta acção, o desencadear de uma situação de imputação delitual ao R., reportada a danos não patrimoniais (artigo 496º do CC), sustentando-se tal imputação, enquanto violação ilícita de um direito da A. (artigo 483º, nº 1 do CC), em factos – para sermos precisos, num determinado facto – praticados(o) pelo R., enquanto magistrado judicial, no decurso de uma diligência judicial por ele presidida, quando decorria o depoimento da aqui A., aí prestado na qualidade de testemunha[7]. O facto ilícito traduziu-se, portanto – pressupondo a alegação da A. –, numa frase, alegadamente dirigida pelo R. (enquanto juiz) à A. (enquanto testemunha), frase que a A. qualifica de desprimorosa e ofensiva da sua personalidade moral...
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