Acórdão nº 3091/08.2TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Refere-se a presente expropriação por utilidade pública, cuja fase judicial teve início em 19 de Setembro de 2008[1], à denominada “parcela nº 3” (trata-se esta de um prédio rústico com a área de 6.280 m2, sito na freguesia de S. João de Lourosa, concelho de Viseu[2]), cuja apropriação pelo Estado, através da entidade Expropriante, EP – Estradas de Portugal, S.A.

(doravante referida como Expropriante e, no contexto deste recurso, como Apelante), se destina à execução da obra pública identificada como SCUT Beiras Litoral e Alta – A 25-IP 5 – nó do IC 2-Viseu-Mangualde – sublanço da EN 2-Centro de Assistência e Manutenção de Viseu.

Neste procedimento expropriativo assumem a qualidade de Expropriados os proprietários dessa parcela, A… e mulher, M…(doravante referidos como Expropriados e Apelados).

Refere-se este recurso de apelação, interposto pela Expropriante a fls. 315/335 e recebido a fls. 337, à Sentença de fls. 305/314, que fixou em €149.087,20 o montante indemnizatório devido pela expropriação da parcela aqui em causa, sendo que o fez a culminar um recurso, dessa feita interposto pelos Expropriados (fls. 101/113), referido à decisão arbitral necessária de fls. 76/79[3].

1.1.

Com efeito – e percorreremos aqui o iter da expropriação até à chegada a esta instância –, foi a mencionada “parcela nº 3”, conjuntamente com outras e visando possibilitar a execução da mencionada obra, objecto de Declaração de Utilidade Pública (DUP) pelo Despacho nº 21.207-B/2005 (2ª série), do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações [publicado no Diário da República – II Série, nº 193, de 07/10/2005, pp. 14 476 – (4/5)].

Na sequência desta declaração, realizada que foi a vistoria ad perpetuam rei memoriam (consta ela de fls. 20/28) e inexistindo acordo entre os Expropriados e a Expropriante, foi fixado, no quadro da arbitragem necessária prevista no artigo 42º e seguintes do Código das Expropriações (CE), como se referiu, o valor de €7.930,00, sendo a propriedade da parcela adjudicada à Expropriante através do despacho de fls. 86.

1.2.

Notificados deste despacho, interpuseram os Expropriados o recurso de fls. 101/113 – referimo-nos ao recurso da decisão arbitral, dirigido ao Tribunal da Comarca da situação da parcela expropriada, previsto no artigo 52º, nº 1 do CE –, aí impugnando, desde logo, a classificação do solo em questão como “apto para outros fins” (se preferirmos, como não apto para construção), propondo, alternativamente e dentro deste pressuposto, como valor indemnizatório o que considere como base de cálculo do valor do terreno €30,00/m2[4].

Admitido este recurso (pelo despacho de fls. 134, constando a resposta da Expropriante de fls. 138/148), realizou-se a avaliação prevista no artigo 61º, nº 2 do CE (fls. 189/190 e relatório de fls. 194/208), tendo os peritos, por maioria, atribuído à parcela, classificando o solo como apto para construção, o valor de €149.087,20 (v. fls. 201). Relativamente a este entendimento, votou vencido o perito da entidade Expropriante (v. fls. 261/263), pugnando este último pela confirmação do laudo arbitral necessário.

1.3.

Alcançou-se, assim, a fase de julgamento do recurso, proferindo o Tribunal a Sentença de fls. 305/314 – que é, como antes se indicou, a decisão apelada.

Esta, confirmando a classificação do solo expropriado como apto para construção, fixou, seguindo o entendimento maioritário expresso na avaliação, o valor indemnizatório global em €149.087,20.

1.4.

Inconformada, interpôs a entidade Expropriante o presente recurso de apelação, motivando-o a fls. 315/335, aí formulando as seguintes conclusões: “[…] Os Expropriados/Apelados responderam a fls. 367/371, pugnando pela confirmação do entendimento do Tribunal.

II – Fundamentação 2.

Relatada a marcha do processo, importa apreciar o recurso.

Os factos a considerar nessa apreciação são os elencados no texto da Sentença – factos que a Apelante, aliás, não contesta –, sendo que – constata-o, desta feita, esta Relação –, inexistindo nesse rol deficiências, obscuridades, contradições ou incompletudes que inquinem a respectiva compreensão lógica [v. o artigo 712º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC)], há que considerar assentes tais factos, transcrevendo aqui o respectivo elenco, importado do texto da decisão apelada a fls. 307: “[…] 2.1.

Avançando na apreciação do recurso – do recurso de apelação que culminou a tramitação da expropriação na primeira instância induzida pela impugnação da decisão arbitral necessária –, importa ter presente que o âmbito objectivo do mesmo foi definido através das conclusões com as quais o Apelante rematou a respectiva motivação, como decorre dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC.

Sendo os factos a considerar os indicados, é em função das conclusões da Apelante, como se disse, que aqui isolaremos as duas interrogações (fundamentos) suscitadas(os) pelo recurso, a saber: (a) deve o solo da parcela expropriada ser classificado, tendo presente as suas características e localização, designadamente a afectação pelo PDM aplicável a “espaço agrícola” e a “espaço florestal”, como apto para construção, nos termos do nº 2 do artigo 25º do CE[5], aplicando-se-lhe o critério de cálculo da indemnização previsto no artigo 26º, nº 12 do CE, tendo presente, quanto a este (artigo 26º, nº 12), o teor do item 8 dos factos; (b) subsequentemente, pressupondo a integração da facti species deste nº 12, importará determinar se este, como sustenta a Apelante, viola o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Estas duas questões – como dissemos, ambas suscitadas pela Apelante na motivação e levadas às conclusões[6] – emergem como decisoriamente operantes em função da ratio decidendi da Sentença, sendo certo que esta aplicou efectivamente o artigo 26º, nº 12 do CE no cálculo da indemnização [disse que o fazia analogicamente (v. trecho sublinhado a fls. 312), asserção que adiante apreciaremos], acrescentando preencher o terreno expropriado os critérios previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 25º do CE (v. fls. 312), significando isto que, contrariamente ao propugnado pela Apelante, considerou-se a parcela expropriada como integrada por terreno detentor de capacidade edificativa – rectius, como terreno apto, à partida, para a construção.

2.1. (a) Discute-se aqui, pois, expressando a essência do recurso – e assim encetamos a abordagem da primeira questão enunciada no item anterior –, a natureza do terreno que integra a parcela expropriada, enquanto elemento-base operante na fixação de uma “justa indemnização”, por referência às duas categorias matriciais legais de classificação dos solos que subjazem ao nº 1 do artigo 25º do CE[7].

A introdução de tal discussão implica determinar se o terreno em causa, conforme entendeu a Sentença recorrida, secundando o sentido da avaliação maioritária realizada na fase de julgamento, constitui “solo apto para construção”, ou, como defende a Apelante/Expropriante, “solo apto para outros fins”, por não preenchimento dos critérios legais definidores da aptidão edificativa.

O Legislador, seguindo uma técnica que já vinha do anterior Código das Expropriações[8], no qual constituíra uma inovação relativamente ao Código de 1976[9], delimitou o conceito correspondente a cada um dos grupos de solos definindo-os pela positiva, no caso dos “solo[s] apto[s] para construção” (nº 2 do artigo 25º do CE), e delimitando pela negativa o respectivo universo, no caso dos “solo[s] apto[s] para outros fins” (nº 3 do mesmo artigo)[10].

Releva tal classificação como pressuposto da operação de cálculo do valor do solo expropriado (por referência, fundamentalmente, aos critérios gerais diferenciados contidos nos artigos 26º e 27º do CE), maxime para a aplicação prática do conceito de “justa indemnização”, nos termos em que esta é condicionalmente associada pelo texto constitucional – através do uso do advérbio de exclusão “só” – à ideia de requisição e expropriação por utilidade pública (artigo 62º, nº 2 da CRP)[11].

Existe, assim, um espaço argumentativo preambular, referido à caracterização do conceito de “justa indemnização”, que importa aqui percorrer, no quadro da dilucidação desta vertente do recurso.

2.1.1. (a) Interessa-nos concretizar o sentido do conceito operativo fundamental em torno do qual se constrói o poder do Estado de afectar ao domínio público, com base em lei e mediante indemnização, bens objecto de propriedade privada.

Importará caracterizar, enfim, como se disse, o conceito de “justa indemnização”.

Há que não esquecer – e seguimos as observações tecidas por Miguel Nogueira de Brito a respeito da caracterização do direito fundamental de propriedade privada –, que “[t]oda a norma que disciplina a expropriação deve ser entendida como uma norma restritiva do direito fundamental de propriedade […]. O direito a não ser privado da propriedade é o direito fundamental de propriedade consagrado no artigo 62º, nº 1 da [CRP]; a expropriação por utilidade pública e a requisição, previstas no nº 2 do mesmo artigo, são apenas casos de restrição daquele direito fundamental, não integrando o seu conceito”[12].

Embora diferenciados – rectius, referidos a realidades distintas – os conceitos de propriedade e de património apresentam uma relevante conexão em sede de expropriação, que os torna operativamente complementares. Esta questão é equacionada em termos gerais por Miguel Nogueira de Brito, nos seguintes termos: “[…] Qual é […] a conexão que se estabelece entre os conceitos de propriedade e de património? A resposta prende-se com o necessário reconhecimento de que a propriedade, na ordem económica actual, é sempre também património, porque é convertível em dinheiro […].”[13] E acrescenta o mesmo Autor, formulando uma resposta na base da distinção, relativamente à garantia constitucional da propriedade, entre as duas...

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