Acórdão nº 815/08.1TBAND-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | ISAÍAS PÁDUA |
Data da Resolução | 01 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1.
A...
, Lda, deduziu (em 9/4/2008) a presente oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, que contra si, para além de outra, moveu B....
Para o efeito, e em síntese, alegou o seguinte: Que os 3 cheques que servem de título executivo padecem de vício da vontade na sua emissão e na celebração do negócio subjacente.
Na verdade, os referidos cheques, e na sequência das relações comerciais que há muito vinham mantendo, foram por si emitidos e entregues à ordem da co-executada, C...
, Lda, com vista ao pagamento de um negócio de venda de 50.000 litros de vinho, que esta última ainda iria adquirir a uma terceira sociedade, a fornecer nas condições e termos por si melhor descritos na p.i..
Conforme o acordado, e com vista ao pagamento do preço desse vinho, a opoente entregou-lhe os referidos chegues pós-datando-os.
Acontece, porém, que a referida co-executada jamais lhe entregou o referido vinho, nem outro qualquer, e ao contrário daquilo que se havia comprometido, vindo a concluir ter sido astuciosamente induzida por aquela em erro para a celebração do dito negócio e emissão dos aludidos cheques, o que levou a que a sua vontade tivesse sido viciada.
Mais tarde, a referida co-executada veio a endossar os aludidos cheques ao aqui exequente, ao qual, após ter sido por ele contactado, a opoente veio a dar conhecimento daquelas vicissitudes relacionadas com dito negócio e que determinaram a emissão daqueles, pedindo-lhe ao mesmo tempo para lhe restituir tais cheques, ao que o mesmo se recusou (informando-a de que o dito endosso se ficou a dever ao facto daquela co-executada lhe dever dinheiro devido a um empréstimo que lhe fizera).
E foi, assim, e devido a tais vicissitudes, que a opoente, em 29/05/2008, procedeu à revogação dos referidos cheques.
Por outro lado, um dos cheques dado à execução não apresenta todos os requisitos para valer como título executivo, e desde logo por ter sido apresentado a pagamento já depois de ter expirado a data de validade do mesmo nele impressa.
Por outro lado ainda, o negócio que esteve subjacente ao referido endosso (um contrato de empréstimo) é nulo por vício de forma.
Invoca, por fim, a opoente a invalidade daquele endosso, porquanto o exequente ao receber tais cheques actuou de má fé e sempre com negligência grave, sabendo já então que as quantias neles tituladas não eram devidas à co-executadada endossante.
Pelo que, com base nos sobreditos fundamentos pediu a opoente, a extinção da execução contra si instaurada.
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Contestou o exequente, contraditando, no essencial, quer a versão factual aduzida pela opoente, quer as conclusões jurídicas que dela pretendeu extrair, pugnando, no final, pela improcedência da oposição.
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No despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, tendo-se dispensado a selecção da matéria de facto.
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Mais tarde, realizou-se o julgamento – com a gravação da audiência -, que terminou com a decisão sobre a matéria de facto (sem que tivesse sido objecto de qualquer reclamação).
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Seguiu-se a prolação da sentença que, a final, decidiu julgar improcedente a oposição, e determinar o prosseguimento da execução.
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Não se tendo conformado com tal sentença, a opoente dela apelou.
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Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, a opoente concluiu as mesmas nos seguintes termos: […] 8. O exequente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado.
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A srª juiz a quo pronunciou-se (fls. 181) pela inexistência da nulidade da sentença invocada pela apelante naquele seu recurso.
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Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
*** II- Fundamentação
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De facto.
Pelo tribunal da 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: […] *** B) De direito.
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Do objecto do recurso.
É sabido (entendimento que continua a manter-se com a actual reforma, aqui aplicável, introduzida ao CPC pelo DL nº 303/2007 de 24/8 - artºs 684, nº 3, e 685-A, nº 1) que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o seu objecto.
Ora, calcorreando as conclusões das alegações do presente recurso, verifica-se que as questões que importa aqui apreciar e decidir serão, essencialmente, as seguintes:
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Dada nulidade da sentença.
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Da validade, como título executivos, dos cheques dados à execução.
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Do vício de vontade ocorrido na relação jurídica subjacente à emissão dos cheques e da sua oponibilidade ao exequente.
*** 2.
Quanto à 1ª questão.
Invoca a opoente/apelante a nulidade da sentença, por violação do disposto na d) do nº 1 do artº 668 do CPC.
[…] *** 3.
Quanto à 2ª questão.
3.1. Da validade, como título executivos, dos cheques dados à execução.
3.1.1Como é sabido, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os seus limites (artº 45, nº 1, do CPC).
É também sabido que o título executivo e a causa de pedir, numa acção executiva, são conceitos necessariamente não coincidentes, costumando, todavia, ainda afirmar-se que, como pressuposto processual específico dessa acção, o título é, grosso modo, uma condição e suficiente da mesma.
É igualmente sabido que no campo dos títulos executivos vigora entre nós, e tal como decorre do artº 46 do CPC, o princípio da legalidade, segundo o qual só pode servir de base a um processo de execução documento a que seja legalmente atribuída força executiva.
É também sabido que, com a reforma processual de 1995, o elenco dos títulos executivos foi significativamente ampliado, passando a conferir-se força executiva aos documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável em face do título, ou a obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto determinado (cfr. al. c) do nº 1 do artº 46 do CPC).
Conforme decorre do relatório do preâmbulo do DL nº 329-A/95 de 12/12 (pioneiro da introdução de tal reforma), subjacente a tal ampliação do elenco dos títulos executivos esteve a ideia de “contribuir significativamente para a diminuição do número de acções declaratórias de condenação propostas (…)”.
Legislador que decidiu, assim, sacrificar o valor de uma maior segurança jurídica aos valores de maior eficácia e celeridade das relações jurídicas.
É sabido que os cheques se encontram entre os documentos (extrajudiciais) que a lei reveste ali força executiva. Desde logo, na sua função natural de documentos cartulares, ou seja, enquanto títulos de crédito de natureza cambiária, e podendo agora (naquilo que constitui entendimento claramente dominante da nossa doutrina e jurisprudência, embora com alguma vozes discordantes, e cuja problemática adiante analisaremos em pormenor se tal se vier a mostrar necessário para a resolução do caso em apreço) sê-lo ainda, em determinadas condições, enquanto documento particular ou quirógrafo (cfr. artº 46, nº 1 al. c) do CPC, e, por todos, o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 90” e in “A Acção Executiva, 5ª ed., Coimbra Editora, pág. 59”, e o cons. Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução, 2005, 8ª ed., Almedina, pág. 35”).
3.1.2 In casu servem de base à execução, contra a qual a co-executada/apelante deduziu oposição, três cheques, cuja validade (reconhecida na sentença de que se apelou), como títulos executivos, a última questiona, e desde logo na sua veste de títulos de crédito cambiários, negando-lhe, pois, tal natureza e força executiva, e com especial ênfase no que concerne àquele que foi junto como documento nº 2.
Apreciemos.
3.1.2.1 Numa visão funcional, mas não estritamente rigorosa, diremos que o cheque surge-nos como um meio de pagamento privilegiado (que permite dispensar directamente o recurso ao numerário).
Numa linguagem comum, pode dizer-se que o cheque configura uma ordem dada por uma pessoa (sacador) a um banco (sacado), para que pague, ao primeiro ou a terceira pessoa, determinada quantia nele inscrita, e por conta dos fundos disponíveis nesse...
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