Acórdão nº 474/08.1JACBR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatório Por despacho da Ex.ma Juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, proferido a 19 de Agosto de 2010, no final do primeiro interrogatório judicial de MM...

, foi decidido, designadamente, aplicar a esta arguida a medida coactiva de prisão preventiva e, ainda, determinar o mediato congelamento da conta bancária n.º …., do Millenium BCP.

Inconformada com o despacho de 19 de Agosto de 2010, dele interpôs recurso a arguida MM..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: A. Verifica-se uma diferença substancial entre os factos que foram comunicados à Arguida durante a audição referida no artigo 194.º n.º 3 do CPP e os fundamentos considerados no despacho recorrido para justificar a aplicação da medida de coacção e da medida de garantia patrimonial.

  1. No seu primeiro interrogatório judicial e para aplicação de medida de coacção, o que foi comunicado à arguida ora recorrente, nos termos e para os efeitos dos artigos 141.º n.º 4, alíneas b) e c), e 194.º n.º 3 do CPP (ou seja, como motivos da sua detenção e como os factos que lhe eram imputados) foram factos passíveis de integrar uma hipótese de detenção ilícita de produtos estupefacientes (heroína e cocaína) para venda a consumidores.

  2. Diferentemente, porém, o que foi considerado no despacho recorrido para fundamentar a aplicação da prisão preventiva foi a (invocada) existência de indícios de que a arguida se dedicaria ao tráfico daqueles estupefacientes: D. Ambas as hipóteses ( a de detenção ilícita de estupefacientes – imputada à Arguida no primeiro interrogatório e para aplicação da medida de coacção - e a de tráfico ilícito de estupefacientes - imputada no despacho recorrido) são subsumíveis na previsão do artigo 21.º da lei da droga invocado no despacho recorrido, mas são hipóteses factualmente distintas, cuja verificação se baseia, corresponde ou resulta de factos concretos diversos e inconfundíveis entre si e relativamente a cuja imputação a Arguida não pode tomar posição do mesmo modo.

  3. Para fundamentar a aplicação à Arguida da medida de coacção prisão preventiva e da medida de garantia patrimonial, o despacho recorrido considerou factos diferentes dos comunicados à Arguida durante a audição referida no n.º 3 do artigo 194.º do CPP (que foi igualmente o acto do seu primeiro interrogatório judicial), factos diferentes substancialmente e temporalmente: a arguida foi ouvida, e tinha sido detida, por suspeita de prática no dia 17 de Agosto de actos subsumíveis no conceito de detenção ilícita de produtos estupefacientes.

    Mas foi presa preventivamente por “de há dois meses a esta parte” andar a oferecer, ou a pôr à venda, ou a vender, ou a distribuir, ou a comprar, ou a ceder, ou (a qualquer titulo) a receber, ou a proporcionar a outrem, ou a transportar, ou a importar, ou a exportar ou a fazer transitar, ou isso tudo, ou algo disso.

  4. O despacho recorrido violou, consequentemente, o disposto no artigo 194.º n.º 5 do CPP, tomando em consideração para fundamentar a prisão preventiva e a medida de garantia patrimonial factos que não podiam ser considerados, já que não haviam sido comunicados previamente à Arguida, que perante eles ficou obviamente impedida de se defender.

  5. Tal ilegalidade, por violar direito fundamental da arguida - o direito à sua defesa, que a Constituição e a Lei integram ou fazem preceder, nos casos de aplicação de medidas de coacção (para além do termo de identidade e residência) e de garantia patrimonial, com o direito a conhecer a factualidade concreta por que, ou de que, é arguida -, não pode deixar de ter como consequência a invalidade absoluta (a nulidade) do despacho em causa.

  6. Ao estipular que “não podem ser considerados para fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência quaisquer factos (…) que (…) não tenham sido comunicados ( ao arguido) durante a audição a que se refere o n.º 3”, a norma do artigo 194.º n.º 5 do CPP significa necessariamente que, nesse caso, não se verifica (não se considera) que a fundamentação do despacho contenha a descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, impondo-se, consequentemente, a aplicação do regime previsto no n.º 4 do mesmo artigo 194.º (cf. a respectiva alínea a)), que expressamente prevê como consequência de tal ilegalidade a sanção da nulidade.

    1. Diferente interpretação da norma colocaria a mesma em violação das garantias previstas no artigo 32.º da Constituição, impondo a sua não aplicação por inconstitucionalidade e a integração na hipótese da falta de fundamentação prevista no citado n.º 4 do mesmo artigo 194.º.

  7. De resto, o despacho recorrido não contém mesmo em sua fundamentação a descrição dos factos indiciariamente criminosos que concretamente são imputados à arguida, razão por que sempre se deverá considerar nulo, nos termos e por efeito do disposto na norma citada, do artigo 194.º n.º 4, alínea a), do CPP.

  8. Dizer que a Arguida desde há dois meses a esta parte se tem dedicado ao tráfico de drogas duras - heroína e cocaína -, é uma mera conclusão, desapoiada de factos que a fundamente ou permita, e não satisfaz a exigência legal da norma citada, não correspondendo manifestamente a qualquer “descrição dos factos concretamente imputados (à arguida)”, L. O despacho recorrido é, ainda, omisso quanto à “referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida de coacção”, exigida pela alínea d) do n.º 4 do artigo 194.º citado, sendo as justificações aduzidas no despacho para a aplicação da prisão preventiva, em detrimento da medida preconizada pela II.ma. Defensora e mesmo de qualquer medida não privativa de liberdade, são salvo o devido respeito imprestáveis para fundamentar tal decisão, à luz dos princípios que enformam o estado de direito e da exigência contida na norma agora citada por ultimo.

  9. Falta, para o efeito, justificar concretamente, com “referência a factos concretos”, a razão de a prisão preventiva ser a única medida capaz de satisfazer as exigências cautelares - a necessidade da prisão preventiva. E mesmo a sua adequação. E explicar porque é que uma medida não privativa de liberdade (cf. artigo 193.º n.º 2 do CPP) - ou, em última análise (cf. artigo 193.º n.º 3), a obrigação de permanência na habitação - se revelaria inadequada ou insuficiente.

  10. O despacho recorrido mostra-se igualmente viciado por erro de julgamento, na apreciação dos indícios ou elementos probatórios em que se baseia, ou seja, por falta de fundamentação substancial, já que nenhum dos indícios invocados serve para basear as conclusões respectivas.

  11. Do auto respectivo, resulta que a busca realizada dia 17 de Agosto de 2010 à residência da mãe da arguida, onde esta se encontrava, foi levada a cabo eivada de ilegalidades, que devem determinar a sua nulidade (ou irregularidade), por violação das formalidades cuja observância e respeito a lei exige, invalidade que, ainda que se considere mera irregularidade, não podendo obviamente ser reparada, determina a impossibilidade legal de consideração da busca e de todos os actos dela resultantes.

    Termos em que se pede a vossas excelências se dignem revogar a decisão recorrida e ordenar a imediata restituição da arguida à liberdade, ou, assim o não entendendo, a aplicação de medida de obrigação de permanência na habitação, para além do levantamento da medida de garantia patrimonial, com o que farão a costumada justiça! O Ministério Público na Comarca de Coimbra respondeu ao recurso pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

    O Ex.mo Procurador-geral-adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

    Colhidos os vistos cumpre decidir.

    Fundamentação Do auto de interrogatório de arguido, em que se integra o despacho recorrido, consta, designadamente, o seguinte: « Em seguida, nos termos do disposto no art. 141.º, n.º 4, al.a), do C. P. Penal, a M.mª Juiz de Direito informou a arguida dos direitos referidos no art.º 61.º, n.º 1, do referido diploma legal, explicando-lhe os mesmos.

    Informou-a ainda, nos termos das al. b), c) e d) do n.º 4 do citado art.º 141.º do C. P. Penal, dos motivos da detenção, dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, das circunstâncias de tempo, lugar e modo e elementos do processo que indiciam os factos imputados: No dia 17 de Agosto de 2010, entre as 18h10 e as 19h40, na sequência da realização de buscas domiciliárias efectuadas na sua residência e na presença da mesma, foram encontradas e apreendidas diversas porções de produtos estupefacientes, designadamente HEROÍNA e COCAÍNA, que a arguida destinava à venda a consumidores.

    Assim, após a entrada dos agentes policiais na residência, sita no Bairro …, Coimbra, verificou-se de imediato que a arguida MM …”, que se encontrava na cozinha, se abeirou da janela e arremessou um objecto para o exterior, que veio a ser encontrado e apreendido, no pátio do imóvel, tratando-se de um frasco plástico de cor cinzenta sem tampa ou qualquer conteúdo.

    Ainda no exterior do imóvel e naquelas imediações foram encontradas pequenas porções de substância cristalizada de cor branca, que, posteriormente sujeitas a “teste rápido”, reagiram positivamente para COCAÍNA, com o peso aproximado de 1,9 gramas, e ainda dois outros volumes que se encontravam dissimulados no interior do tubo da caleira do edifício, acondicionando uma substância idêntica, que posteriormente reagiram positivamente para COCAÍNA, com o peso aproximado de 10,4 gramas.

    No interior da residência, foram ainda encontrados e apreendidos 9 “panfletos” de substância de cor acastanhada, que reagiram positivamente para HEROÍNA, com o peso aproximado de 2,1 gramas, e ainda uma porção de substância cristalizada de cor branca que veio a apurar-se ser COCAÍNA, com o peso aproximado de 2,1 gramas.

    Foi igualmente apreendida a quantia...

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