Acórdão nº 89/09.7GCACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução11 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido: FM..., residente na Rua … .

Sendo decidido:

  1. Absolver o arguido da prática de dois crimes de injúria agravada, previsto e punido nos artigos 181, 184 e 132, nº 2 alínea l) do Código Penal; b) Absolver o arguido da prática de dois crimes de ameaça agravada, previsto e punido nos artigos 153, nº 1 e 155, nº 1 alínea c) do Código Penal; c) Condenar o arguido pela prática de três crimes de injúria agravada, previsto e punido nos artigos 181, 184 e 132, nº 2 alínea l) do Código Penal, na pena de 75 dias de multa por cada um dos crimes cometidos, à taxa diária de € 5,00; d) Condenar o arguido pela prática de quatro crimes de ameaça agravada, previsto e punido nos artigos 153, nº 1 e 155, nº 1 alínea c) do Código Penal, na pena de 100 dias de multa por cada um dos crimes cometidos, à taxa diária de € 5,00; e) Em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77 do Código Penal, condenar o arguido, na pena única de 340 dias de multa à taxa diária de € 5,00; f) Condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos artigos 143, nº 1, 145, nºs 1, alínea a) e 2 e 132, nº 2 alínea l) do Código Penal na pena de 90 dias de prisão que se substitui por 90 dias de multa à taxa diária de € 5,00;***Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido.

    Formula as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objecto: 1) O presente recurso é interposto por se entender que entre a prova produzida e a factualidade dada como provada existe, objectivamente, uma disparidade significativa.

    2) Com efeito, dos depoimentos das testemunhas resultaram contradições flagrantes, inclusivamente entre os depoimentos das testemunhas comuns à acusação e à defesa, contradições que, a nosso ver, deveriam, em obediência ao princípio in dubio pro reo, levar, objectivamente, à absolvição total do Recorrente da acusação.

    3) O Recorrente não encontra qualquer razão atendível, nem a mesma consta da decisão recorrida, para uma valoração diferente das declarações das testemunhas por si arroladas e não comuns com a acusação.

    4) Sendo que, conforme resulta expressamente da decisão recorrida, todas as referidas testemunhas mereceram credibilidade ao Tribunal, o que nos suscita sérias dúvidas quanto à coerência entre a decisão proferida sobre a matéria de facto e os respectivos fundamentos.

    5) O Tribunal, ao considerar credíveis todos os depoimentos das testemunhas arroladas, deveria, necessariamente, concluir que os acontecimentos em causa nos presentes autos não foram de clara e unívoca percepção para quem os presenciou, ao ponto de gerarem diferentes versões.

    6) Atentando nos depoimentos das testemunhas comuns à acusação e à defesa, desde logo se identificam várias situações em que é patente o seu desnorte relativamente a uma série de aspectos constantes da acusação.

    7) Desde logo, e evidenciando-se que é humanamente impossível, e por isso pouco ou nada crível, que alguém consiga manter-se a imitar tal som por mais de alguns segundos, a versão de que o Recorrente estava a ladrar é, no mínimo, surreal e inverosímil, sendo pois natural que as testemunhas supra referidas não fossem capazes de contar uma versão coincidente dessa parte dos factos.

    8) Sendo que o Tribunal a quo considerou provado que naquela ocasião o Recorrente encontrava-se fantasiado de uma personagem do filme "Academia de Polícia" que emite alguns ruídos característicos - cfr. ponto 19 da matéria de facto provada, a págs. 4 da decisão recorrida - o que, a nosso ver, faria aumentar a dúvida propiciada pelos depoimentos incongruentes e inverosímeis das testemunhas.

    9) Assim, se o Tribunal a quo não considerou provado que no momento em que foi abordado pelos guardas o Recorrente encontrava-se a produzir sons imitativos da personagem do filme "Academia de Polícia" na brincadeira com a testemunha GS..., também não deveria ter considerado provado que o Recorrente produzia, na altura, ruídos imitativos do ladrar de um cão - cfr. ponto 9 da matéria de facto não provada e ponto 2 da matéria de facto provada, a págs. 6 e 2, respectivamente, da decisão recorrida.

    10) Por outro lado, haverá que atentar no facto de o guarda JR... ter afirmado que não algemou o Recorrente quando da sua detenção, e de o mesmo, quando reinquirido como testemunha de defesa, ter dito que lhe reavivaram a memória e que entretanto se lembrara de que tinha algemado o Recorrente.

    11) Devendo colocar-se a questão de saber se, efectivamente, estes aspectos devem ser considerados acessórios e desprovidos de qualquer relevância, ou se, ao invés, podem ser indiciadores da falta de certeza das testemunhas agentes da G.N.R. em relação à globalidade dos factos.

    12) Não sendo só, no entanto, relativamente a questões ditas acessórias que os depoimentos das testemunhas agentes da G.N.R. não coincidem, pois mesmo relativamente aos factos ditos principais há incongruências assinaláveis.

    13) Atente-se no depoimento do guarda PG..., que, conforme referido na sessão da Audiência de Julgamento de 07.06.2010, encontrava-se de prevenção ao pé dos seus colegas, não tendo visto ou ouvido, da parte do Recorrente, quaisquer agressões, injúrias ou ameaças.

    14) Tendo o mesmo demonstrado uma atitude de serenidade e neutralidade, ao contrário dos seus colegas, os quais chegaram a fazer a apologia do uso da autoridade para obter o respeito, ou melhor, o temor dos cidadãos.

    15) Basta ouvir o depoimento do guarda JR..., gravado na sessão da Audiência de Julgamento de 07.06.2010, em que este diz, literalmente, que a polícia necessita de impor a sua autoridade e que o sucedido com o Recorrente serviu de exemplo para os demais transeuntes que se encontravam nas imediações do local dos acontecimentos.

    16) Não tendo, também, o depoimento da testemunha HD...sido neutro e desinteressado, por contraste assinalável com o depoimento da testemunha PG....

    17) Por outro lado, o guarda LM... também não confirmou ao Tribunal a versão do guarda JR..., na medida em que não viu o Recorrente a agredir ninguém, conforme se pode ouvir no registo áudio do respectivo depoimento.

    18) É pois manifesta a ausência de um cenário único para os factos ocorridos na madrugada do dia 24.02.2009.

    19) Adicionalmente, outros factos há que têm de ser tidos em consideração para todos os efeitos, e que, tanto quanto nos apercebemos, não são devidamente valorados na decisão recorrida, nomeadamente o de que no local e momento dos acontecimentos, reinava um ambiente de confusão, próprio da festa que na altura decorria, 20) Sendo que, atentos todos depoimentos produzidos nos autos, seria de concluir, no mínimo, que era bastante improvável que as pessoas presentes no local dos acontecimentos, as quais depuseram como testemunhas, tivessem prestado total atenção ao que se passou com o Recorrente, independentemente de se tratarem de testemunhas civis ou de agentes da G.N.R..

    21) Esta última consideração afigura-se de importância na medida em que, na decisão recorrida, se verifica a existência de uma valoração diferente dos depoimentos das referidas testemunhas, em função de serem, ou não testemunhas agentes da G.N.R..

    22) Atente-se na decisão recorrida, na sua pág. 13, na qual o Tribunal a quo considerou que o depoimento da testemunha GS... não infirma os depoimentos dos agentes da G.N.R., que, na verdade, segundo relatou a testemunha havia muito barulho na rua e estava a dançar, a cantar e a divertir-se, e que se assim foi é plausível que não estivesse a prestar total atenção ao que o Recorrente estava a fazer.

    23) Ora, se para o depoimento da testemunha em questão ser valorado favoravelmente ao Recorrente se dever partir do pressuposto de que a mesma tinha de estar sempre a olhar para o Recorrente, como resulta da decisão recorrida na continuação do referido raciocínio, então, efectivamente, nenhuma prova testemunhal poderá ser produzida, com excepção, no entender do Tribunal a quo, da que for produzida por testemunhas que exerçam funções de policiamento ou de vigilância, ou análogas a estas.

    24) Contudo, ainda que aplicássemos tal critério, também nada nos garante que as testemunhas agentes da G.N.R. estivessem sempre a olhar para o Recorrente ou para os agentes que procederam à sua detenção.

    25) Salientando-se que a testemunha GS..., de todas as testemunhas que depuseram na Audiência de Julgamento, era a que estava mais perto do Recorrente no momento em que tudo aconteceu, 26) Contudo, o Tribunal a quo entendeu que, não obstante aquele ser uma testemunha credível, o seu depoimento não poria em causa o depoimento das testemunhas agentes da G.N.R. como o não poriam os depoimentos das restantes testemunhas exclusivamente afectas à defesa, todas também credíveis, 27) Porém, também de acordo com o depoimento da testemunha PS..., prestado na sessão da Audiência de Julgamento de 05.07.2010, o Recorrente não agrediu, injuriou ou ameaçou os agentes da G.N.R, sendo que o mesmo tão-somente lhes disse para não lhe fazerem mal.

    28) O depoimento desta testemunha reforça o depoimento da testemunha GS..., no sentido de que o Recorrente nada fez para ser detido, merecendo, contudo, as mesmas considerações tecidas pelo Tribunal a quo relativamente à testemunha antes referida, nomeadamente que a testemunha, por força das circunstâncias, não se apercebeu do que se passou entre os guardas e o Recorrente até à detenção.

    29) Uma vez mais, a decisão recorrida faz transparecer a ideia de que a valoração do depoimento das testemunhas no sentido defendido pelo Recorrente estaria dependente de uma postura de vigilância permanente dos movimentos do Recorrente.

    30) Já no caso da testemunha ZX..., e não obstante referir, na decisão recorrida, a págs. 14, que o mesmo assistiu à detenção do Recorrente, o Tribunal a quo entendeu que por aquele se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT