Acórdão nº 1791/08.6TBLRA-K.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução24 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório L (…) e A (…), intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra a Massa Insolvente de P (…) e AM (…), pedindo que seja revogado o acto de resolução da cessão da quota entre L (…) e P (…), operada pela Administradora de insolvência.

Alegam, para o efeito, que L (…), celebrou em 16 de Dezembro de 2005, com o insolvente P (…) um contrato-promessa de cessão de quotas com transmissão singular de dívida, quota essa da sociedade C (…), Lda.

O insolvente P (…), promitente cedente, foi sócio da sociedade C (…) Lda. até 16 de Fevereiro de 2006, data da celebração da escritura de cessão de quota com L (…).

À data da celebração do contrato-promessa, o insolvente P (…) tinha uma dívida de € 50.000,00 para com a C (…), Lda., de que era sócio, contraída em 20 de Agosto de 2004.

O preço da compra e venda da quota entre L (…) e o insolvente P (…), foi de € 60.000,00, correspondente ao respectivo valor nominal.

O preço da compra e venda foi pago da seguinte forma: a) € 10.000,00 (dez mil euros), na data da celebração do contrato-promessa de cedência de quota e assunção de divida; b) € 50.000,00 na data da escritura de cessão de quota, mediante a assunção por L (…) da dívida que o sócio P (…) tinha perante a C (…)Lda.

L (…) pagou à sociedade C (…), Lda. a dívida de € 50.000,00 do ex-sócio P (…) em 27 de Abril de 2006, através do cheque nº (...), sacado sobre a G(...).

A compra e venda pelo valor de € 60.000,00 corresponde ao seu valor nominal que era sensivelmente o valor real dessa quota à data da transacção, no final do ano de 2005 e princípio de 2006.

Sucede que em 5 de Fevereiro de 2009, L (…) e A (…) receberam da Administradora da Insolvência de P (…) e AM (…)uma carta a resolver o contrato de compra e venda da quota adquirida por L (…).

No entanto, as razões invocadas não têm base real. L (…) e A (…), bem como o terceiro sócio da W(...) não tinham conhecimento que o sócio P (…) se encontrava com dificuldades económicas e financeiras.

O P (…) transmitia a A (…) e ao terceiro sócio assim como aos empregados e colaboradores desta empresa que a E (…) Lda. era uma empresa sólida e em expansão e que não tinha tempo para se dedicar à gerência desta sociedade.

Naquela altura, anos de 2004, 2005 e 2006, nem L (…) e A (…) nem as pessoas ligadas à W(...) tinham conhecimento que o sócio P (…) se encontrava com dificuldades financeiras ou na iminência de insolvência, nem que havia contraído dívidas.

A compra e venda da quota não aproveitou a pessoas especialmente relacionadas com os insolventes porquanto nem L (…) é sócia da sociedade C (…)Lda. nem ela nem o marido têm qualquer relação de parentesco ou de amizade para com os insolventes P (…) e AM (…).

Efectuada a citação da ré, a mesma veio contestar, alegando que a escritura de cessão de quotas foi efectuada dois anos antes da data do início do processo de insolvência. A cessão de quotas foi efectuada ao cônjuge de um outro sócio e gerente da sociedade por quotas C (…), Lda., pessoa das relações da insolvente.

O insolvente nos finais de 2005 e inícios de 2006 efectuou pelo menos mais duas cessões de quotas de empresas das quais era sócio.

As referidas cessões foram efectuadas a familiares e amigos seus com a conivência dos cessionários a fim de proteger o património do insolvente, frustrando assim os créditos dos seus credores.

Tal comportamento por parte da impugnante tem como objectivo apenas simular uma cessão de quota para preservar o património do insolvente, lesando os direitos dos credores e frustrando o recebimento dos seus créditos.

Foi elaborado despacho saneador tabelar, condensando-se a factualidade relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes a integrarem a base instrutória.

Realizou-se a audiência de julgamento, após o que se respondeu à matéria da base instrutória.

Proferiu-se sentença a julgar-se a acção totalmente improcedente.

Inconformados com a sentença, L (…) e A (…) interpuseram recurso de apelação contra a mesma, oferecendo as seguintes conclusões: “1. O Tribunal julgou de forma errada os quesitos assinalados nas presentes alegações.

  1. Deve, pois, a matéria de facto ser alterada e julgada de acordo com as correcções e propostas assinaladas que têm por base a prova documental e testemunhal.

  2. Ao decidir de forma diversa, o Tribunal a quo violou o art. 668º, nº 1, aliena d) do CPC.

  3. A sentença é também nula por violação do art. 668º, nº 1, aliena d) última parte, do CPC, porquanto não possui o Tribunal elementos de prova para tirar a conclusão ínsita no art. 10º da base instrutória.

  4. A compra e venda da quota de P (…) pela recorrente L (…) ocorreu cerca de 2 anos e meio antes do inicio do processo de insolvência daquele sócio da C (…), Lda.

  5. Em tal situação não se presume a má-fé dos AA., ora recorrentes, nem é lícito concluir que estes contribuíram conscientemente para a depreciação do património do P (…).

  6. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, além de violar os preceitos do CPC acima indicados, violou ainda os arts. 120º e seguintes do CIRE.” Os recorrentes concluem pedindo a revogação da sentença recorrida.

    A recorrida contra-alegou sustentando que o recurso é extemporâneo, que a impugnação da decisão da matéria de facto deve ser rejeitada por não indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nos termos do nº 2 do artigo 685º-B do Código de Processo Civil e que, de todo o modo, deve ser negado provimento ao recurso.

    Foi proferida decisão a conhecer da nulidade da sentença arguida pelos recorrentes, julgando-se a mesma improcedente, apreciou-se a tempestividade do recurso, decidindo-se pela sua tempestividade, sendo o recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    Ordenou-se a baixa dos autos a fim de se proceder à fixação do valor da causa.

    Recebidos os autos de novo neste tribunal após a fixação do valor da causa, colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre agora apreciar e decidir.

    2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da nulidade da sentença em virtude do tribunal ter tomado conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento (artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil); 2.2 Da impugnação das respostas aos artigos 2º, 3º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º da base instrutória; 2.3 Do não preenchimento do requisito da má fé como pressuposto da resolução impugnada.

  7. Fundamentos 3.1 Da nulidade da sentença em virtude do tribunal ter tomado conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento (artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil) Os recorrentes suscitam nas suas alegações a nulidade da sentença sob censura por alegado preenchimento da previsão da alínea d), do nº 1, do artigo 668º, do Código de Processo Civil.

    Para tanto alegam que o tribunal ao responder à matéria do artigo 10º da base instrutória, matéria que é conclusiva, sem ter elementos para tanto, conheceu de matéria para a qual não tinha matéria para conhecer.

    A nulidade da sentença prevista no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil ocorre quando se verifica omissão de pronúncia ou quando o juiz conheça de questões de que não possa conhecer.

    As questões a que esta previsão legal são as questões a resolver (artigo 660º, nº 2º, do Código de Processo Civil), ou seja, os problemas jurídicos a resolver em função da causa de pedir e do pedido da acção, da causa de pedir e do pedido reconvencional e ainda de toda a matéria integrante de defesa por excepção que eventualmente tenha sido deduzida.

    A delimitação dos poderes de cognição do tribunal, no que respeita a factualidade integrante da causa de pedir e das excepções, afora os casos em que esteja em causa matéria de conhecimento oficioso (vejam-se por exemplo os artigos 495º e 496º, ambos do Código de Processo Civil), define-se nuclearmente com referência àquilo que é alegado pelas partes (artigo 264º, nº 1, do Código de Processo Civil), podendo, além disso, o tribunal ter em conta os factos notórios, os conhecidos no exercício das suas próprias funções, os factos reveladores da existência de uso anormal do processo e ainda os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa (artigos 514º, 665º e 264º, nº 2, todos do Código de Processo Civil). Finalmente, serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste a vontade de se aproveitar de tais factos e tenha sido facultado o exercício do contraditório à parte contrária (artigo 264º, nº 3, do Código de Processo Civil).

    No caso dos autos, o tribunal a quo, ao responder ao artigo 10º da base instrutória não conheceu de qualquer questão no sentido pressuposto no citado artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil, nem tão pouco conheceu de matéria que não tenha sido alegada pelas partes.

    Por isso, o vício que os recorrentes afirmam existir, a existir, como é bom de ver, não integra a nulidade da sentença prevista na alínea d), do nº 1, do artigo 668º do Código de Processo Civil, podendo, quando muito, a proceder, suscitar a questão da aplicação analógica do nº 4, do artigo 646º do Código de Processo Civil à resposta que os recorrentes afirmam ter incidido sobre matéria...

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