Acórdão nº 1593/10.0TBVNO-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Dezembro de 2011

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução20 de Dezembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório Nos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que o Exequente Banco (…), S.A., move contra os Executados A (…), Lda e P (…), Lda, procedeu-se à penhora, em 4 de Abril de 2011, da fracção A do prédio urbano (Ap. X(...) de 2011/04/04) correspondente à cave direita do imóvel sito na Rua (...), números 13, 13-A e 13-B, (...), concelho da (...), inscrito na respectiva matriz sob o n.º (...) e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da (...) sob o número 25/19841122-A, achando-se a correspondente aquisição inscrita a favor da Executada A (…), Lda, por referência à Ap. (...) de 1991/11/08.

Dado cumprimento ao disposto no artigo 864.º do Código de Processo Civil, veio o Instituto de Segurança Social – Centro Distrital de Santarém, apresentar reclamação de créditos relativos a dívidas de contribuições àquela entidade por parte da executada A (…), Lda, referentes às contribuições obrigatórias dos meses de Abril de 2009 a Março de 2011 no montante global de € 66.361,00, acrescido de juros de mora na importância de € 7.437,18, o que perfaz a quantia global de € 73.798,18.

Foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: «Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo reconhecido o crédito reclamado, graduando os créditos da presente execução da seguinte forma: 1.º - Crédito do Exequente Banco (…), S.A., no montante total de € 26.029,42; e 2.º - Crédito do Reclamante Instituto de Segurança social – Centro Distrital de Santarém no montante global de € 73.798,18.» Inconformado, apelou o reclamante, apresentando alegações, onde formula as seguintes conclusões: 1.ª O artigo 10º do Dec-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e, actualmente, o Código Contributivo consagram que os créditos da Segurança Social gozam de privilégio imobiliário geral.

  1. O privilégio creditório geral é um direito real de garantia, nos termos do artigo 865º do CPC.

  2. Os privilégios gerais assumem, sem margem de dúvidas, a natureza de direitos reais de garantia aquando da data da penhora, ou seja, a partir da apreensão dos bens do devedor, uma vez que passam a incidir sobre bens determinados e não sobre todo o património do devedor.

  3. A solução mais harmónica com o princípio contido no artigo 749º do CC é a de recusar unicamente a oponibilidade a terceiros detentores de direitos constituídos anteriormente sobre os bens abrangidos pelo privilégio.

  4. A penhora não é algo que seja oponível ao exequente, antes pelo contrário, o beneficia, pelo que não lhe aplica o disposto no artigo 749º do CC, para além de que não constitui uma garantia das obrigações, mas somente uma das formas de realização coactiva das prestações.

  5. Os privilégios creditórios constituem-se com a própria constituição do direito de crédito que garantem, embora a sua eficácia dependa do acto de penhora.

  6. No caso em apreço o crédito da Segurança Social reporta-se a 2009 e a penhora foi feita em Abril de 2011. Assim, o privilégio pré-existe e deve ser satisfeito com prioridade, aliás como resulta dos artigos 733º do e 822 do CC.

  7. A importância da missão atribuída à Segurança Social merece que os seus créditos tenham um regime excepcional, com garantias mais fortes das que atribuídas ao cidadão considerado individualmente, atendendo ao interesse publico e à necessidade de cumprimento do desiderato constitucional.

  8. Contudo, a douta sentença não fez a correcta aplicação e interpretação dos preceitos enunciados, que são os aplicáveis à situação sub judicie.

  9. Desta forma, enferma de erro a douta decisão judicial, devendo ser corrigida no sentido do crédito reclamado pelo CDS que goza de privilégio creditório imobiliário ser graduado em primeiro lugar à frente do crédito que beneficia somente de penhora.

  10. A douta decisão violou, além do mais, o disposto nos artigo 10º do Decreto-Lei 103/80, de 9 de Maio, artigo 205º do Código Contributivo, artigos 9º, 205º, 604º, 733º, 749º, 751º, 822º do CC, 865º do CPC e artigo 63º da Constituição.

O reclamado não apresentou resposta às alegações do reclamante.

  1. Do mérito do recurso 1. Definição do objecto do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se o crédito reclamado, garantido por privilégio creditório imobiliário geral, deverá ser ou não graduado antes do crédito exequendo (que tem como única garantia a penhora).

    1. Fundamentos de facto Com relevância para a decisão a proferir, está provado que: 1] Nos autos de execução, instaurados pelo Banco (…), S.A, procedeu-se à penhora, em 4 de Abril de 2011, da fracção A do prédio urbano (Ap. X(...) de 2011/04/04) correspondente à cave direita do imóvel sito na Rua (...), números 13, 13-A e 13-B, (...), concelho da (...), inscrito na respectiva matriz sob o n.º (...) e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da (...) sob o número 25/19841122-A, achando-se a correspondente aquisição inscrita a favor da Executada A (…), Lda, por referência à Ap. (...) de 1991/11/08.

      2] O Instituto de Segurança social – Centro Distrital de Santarém, apresentou reclamação de créditos relativos a dívidas de contribuições àquela entidade por parte da firma A (…) referentes às contribuições obrigatórias dos meses de Abril de 2009 a Março de 2011 no montante global de € 66.361,00, acrescido de juros de mora na importância de € 7.437,18, o que perfaz a quantia global de € 73.798,18.

      3] Na sentença de verificação e graduação, o crédito reclamado foi julgado verificado e graduado depois do crédito exequendo.

    2. Fundamentos de direito 3.1. A não configuração como direito real de garantia, do privilégio creditório invocado pelo reclamante O artigo 205.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social[1] prevê o seguinte privilégio creditório: «Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil.» A entidade reclamante - Instituto de Segurança Social – Centro Distrital de Santarém – invoca o privilégio imobiliário decorrente do normativo transcrito, incidente sobre o prédio penhorado.

      O privilégio creditório invocado pelo reclamante/recorrente encontrava-se anteriormente previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, que tinha a seguinte redacção: «Os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil.» Na vigência deste diploma legal, o Tribunal Constitucional proferiu o acórdão n.º 363/2002[2], no qual declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição da República, das normas constantes do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2º do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil[3].

      Na fundamentação do acórdão citado, o Tribunal Constitucional sintetiza os argumentos que sempre levaram a doutrina e a jurisprudência a encarar com reserva os privilégios creditórios imobiliários de incidência genérica, resultantes de produção legislativa avulsa, não enquadráveis no princípio enunciado no n.º 3 do artigo 735.º do Código Civil, onde se prevê a sua especialidade nestes termos: «Os privilégios imobiliários estabelecidos neste Código são sempre especiais» São estes os argumentos invocados: i) o registo predial tem uma finalidade prioritária que radica essencialmente na ideia de segurança e protecção dos particulares, evitando ónus ocultos que possam dificultar a constituição e circulação de direitos com eficácia real sobre imóveis, bem como das respectivas relações jurídicas – que, em certa perspectiva, possam afectar a segurança do comércio jurídico imobiliário; ii) o princípio da confidencialidade tributária impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à Segurança Social; iii) não estando o crédito da Segurança Social sujeito a registo, o particular que registou a...

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