Acórdão nº 1478/07.7TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução06 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 12/06/2007[1], L… (A. e aqui Apelada) demandou o Fundo de Garantia Automóvel (R. e Apelado), invocando a ocorrência, em 19/09/2004, de um acidente de viação do qual resultou a morte do seu filho, S…, tendo tal evento gerador de responsabilidade civil extracontratual sido produzido por uma viatura desconhecida, que colheu a vítima e cujo condutor se colocou em fuga, impossibilitando assim a respectiva identificação e responsabilização.

Em função disto formulou a A. contra o referido Fundo, ao abrigo do nº 8 do artigo 29º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro (então a lei aplicável), um pedido indemnizatório global de €172.817,00, sendo a parcela de €105.317,00 identificada como correspondente a danos patrimoniais[2] e a parcela de €67.500,00 como respeitante a danos não patrimoniais.

1.1.

O R. contestou a fls. 99/102 impugnando o pedido com base no desconhecimento das diversas incidências da situação ajuizada [valeu a este respeito o trecho final do nº 3 do artigo 490º do Código de Processo Civil (CPC)].

1.2.

A culminar o julgamento foi proferida a Sentença de fls. 412/449 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso – que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R. Fundo de Garantia Automóvel a satisfazer à A. a quantia global de €76.900,00, sendo que esta corresponde à redução a metade do valor dos danos apurados (isto por atribuição ao lesante representado pelo Fundo R. de uma percentagem de culpa de apenas 50%) e, no que diz respeito a danos patrimoniais – os que estão em causa neste recurso –, atinge, sem a redução a metade, os valores de €65.000,00 (danos patrimoniais futuros da própria vítima), €20.000,00 (alimentos futuros da A.) e €1.500,00 (despesas de funeral).

1.3.

Inconformado com a fixação desta dimensão dos danos, reagiu o R. através do presente recurso de apelação, motivando-o a fls. 462/465, rematando tal peça processual com as conclusões que aqui se transcrevem: “[…] 1.3.1.

A A. respondeu ao recurso a fls. 469/470 pugnando pela confirmação do decidido.

II – Fundamentação 2.

O âmbito objectivo do recurso – de qualquer recurso – é definido (delimitado) pelas conclusões com as quais quem recorre remata a respectiva motivação (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC). Importa, assim, decidir as questões colocadas através dessas conclusões – e, bem assim, as questões pertinentes que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2 do CPC).

Tendo presentes as conclusões acima transcritas, verificamos restringir-se o recurso à questão da entidade dos danos patrimoniais fixados na Sentença, defendendo o Apelante existir uma duplicação indemnizatória na consideração conjunta do valor atribuído à Apelada pela perda das contribuições periódicas que o filho lhe enviava para a Ucrânia (isto é, à projecção futura da perda dos alimentos que estas contribuições representavam para ela) e do valor, igualmente definido como dano patrimonial, que a Sentença identificou como correspondente à projecção futura das remunerações perdidas pela própria vítima mortal, enquanto dano da mesma vítima. Trata-se, pois, neste último aspecto, daquilo que a Sentença intitulou a fls. 436 como “lucros cessantes (ou danos patrimoniais futuros) relativos à vítima S…, quantificando-os em €32.500,00 (€65.000,00:2), e que cumulou com a indemnização, também respeitante a danos patrimoniais, relativa a “alimentos devidos à demandante” (fls. 440), quantificada esta última em €10.000,00 (€20.000,00:2).

Para além deste aspecto (o que respeita à possibilidade de cumulação destas duas indemnizações), pretende o Apelante a redução do valor da subsistente indemnização correspondente aos danos patrimoniais.

2.1.

Restringindo-se a apelação aos dois fundamentos acabados de enunciar, pressupondo e aceitando o Apelante, como expressamente resulta da respectiva motivação, todos os factos fixados na primeira instância, consideram-se estes definitivamente assentes, aqui se transcrevendo o respectivo elenco retirado do texto da Sentença: “[…] 2.2.

Refere-se esta dimensão do recurso, nos exactos termos em que o Apelante configura o problema, à possibilidade de cumulação das duas vertentes indemnizatórias respeitantes aos danos patrimoniais[3]: 1) o dano patrimonial respeitante à privação futura dos alimentos que à A. eram prestados pelo seu malogrado filho, indemnização esta fundada no nº 3 do artigo 495º do Código Civil (CC); 2) os chamados “lucros cessantes” correspondentes à cessação mortis causa – digamo-lo assim – da remuneração percebida pelo filho da A., vista a projecção futura desta cessação como um dano – ou seja, como a supressão de uma vantagem tutelada pelo Direito[4] – infligido ao próprio morto e que este transmitiria aos seus sucessores através das respectivas relações jurídicas de conteúdo patrimonial (artigo 2024º do CC).

Para sermos analiticamente rigorosos na apreciação desta questão teremos de partir da explicitação que destas duas vertentes do dano patrimonial efectuou o Tribunal a quo. Vale a tal respeito o trecho da Sentença no qual este procedeu à diferenciação, no quadro da caracterização dos danos patrimoniais resultantes do evento, entre a cessação da prestação de natureza alimentícia à A. e a cessação da remuneração laboral prestada à própria vítima (não à A.), prestação esta descrita – e é essa a caracterização que inquestionavelmente efectua a Sentença – como dano próprio da vítima sucessoriamente transmitido à A. sua mãe[5].

Existe na base desta diferenciação – e lembramos estar em causa a determinação das prestações indemnizatórias decorrentes da morte de S… a efectuar à mãe deste –, existe em tal diferenciação, dizíamos, o que consideramos ser um erro conceptual da Sentença, que, para além disso mesmo (de representar uma incorrecta caracterização de um dano passível de ressarcimento numa situação como esta), assenta numa visão muito discutível da caracterização pela A. no seu articulado inicial dos danos patrimoniais para os quais busca ressarcimento indemnizatório na presente acção.

Efectivamente – e remetemos para a transcrição de alguns trechos da petição inicial incluída na nota 3, supra –, parece-nos incorrecta a caracterização do pedido formulado pela A. a título de danos patrimoniais resultantes da morte da vítima, como encerrando, cumulativamente, uma pretensão dirigida a suprimir o dano decorrente da cessação (para ela A.) da prestação de natureza alimentar que lhe era realizada pela vítima e aos afirmados “lucros cessantes” da própria vítima decorrentes do não percebimento das remunerações mensais que receberia, não fora a circunstância – e não vemos outra maneira de o dizer, seguindo o raciocínio da Sentença – de … ter morrido. Com efeito, não nos parece que a A./Apelada alguma vez tenha pedido nesta acção – não obstante parecer pretender agora, na resposta ao recurso, sugerir o contrário – prestações indemnizatórias a título de danos patrimoniais que não se referissem aos seus próprios danos patrimoniais resultantes da cessação do apoio patrimonial que lhe era prestado pelo filho através de...

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