Acórdão nº 2534/09.2TBVIS-F.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIM
Data da Resolução26 de Novembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório Por sentença de 02.10.2009, transitada em julgado em 13.11.2009, foi declarada a insolvência de “A..., L. da”, requerida por B...

    em 31.07.2009.

    No presente apenso de verificação do passivo foi pela Sr.ª AI junta a relação a que alude o art.º 129.º do CIRE, aí tendo relacionado e reconhecido como créditos providos de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial, os reclamados pelos trabalhadores que identifica (créditos relacionados sob os n.ºs 3, 4, 17, 24, 39, 40, 41, 47, 49, 53, 55, 56, 57, 58, 59, 61 e 75).

    Tais créditos foram impugnados pela também credora reclamante O..., por entender que não gozam de privilégio imobiliário especial sobre as fracções prediais designadas pelas letras “B”, “C” e “D” (verbas n.º 6, 7 e 8, respectivamente, do auto de apreensão de bens), oneradas com hipoteca voluntária constituída a favor da impugnante.

    À impugnação responderam os trabalhadores titulares dos créditos impugnados, com excepção dos credores G..., H....e J.....

    Realizou-se tentativa de conciliação e nela, para o que ora importa, os credores reclamantes e a impugnante O... mantiveram as posições assumidas nos autos.

    Face ao mais ali decidido foi elaborada pela Sr.ª AI a lista constante de fls. 400 a 407.

    Foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, prosseguindo os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória.

    Procedeu-se a julgamento com observância de todo o formalismo legal, vindo após, na devida oportunidade, a ser proferida douta sentença que, para além do mais que não releva para o presente recurso, graduou os créditos em concurso da seguinte forma: “I – Pelo produto da alienação dos imóveis, fracção autónoma B, descrita na 1.ª CRPredial de Viseu, freguesia de ..., sob o n.º 858-B, fracção autónoma C, descrita na 1.ª CRPredial de Viseu, freguesia de ..., sob o n.º 858-C, fracção autónoma D, descrita na 1.ª CRPredial de Viseu, freguesia de ..., sob o n.º 858-D: 1.º Os créditos dos trabalhadores 3, 4, 17, 24, 38, 39, 40, 46, 48, 52, 54, 55, 56, 57, 58, 61 e 75; 2.º O crédito hipotecário 15 da O...; 3.º O crédito 42 do Instituto de Segurança Social; 4.º Os créditos comuns 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 16, 18, 19, 20, 21 - na parte comum, ou seja, € 6.615,11 - 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 41, 43, 44, 45, 47, 50, 51, 53, 59, 60, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 70, 71, 72, 73, 74, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93 e 94; 5.º Os créditos subordinados, ou seja, os juros do crédito 21 (Convex), no valor de € 127,63, o crédito 34 de E..., o crédito 49 de F...e o crédito 69 de “ I..., SA”.

    * Inconformada, veio a reclamante O... interpor recurso da sentença e, tendo produzido doutas alegações, rematou-as com as seguintes conclusões (que se transcrevem): “1.ª- É atribuído pelo CIRE - artº 131º nº 3 - o efeito cominatório pleno à falta de respostas à impugnação dos créditos- como, aliás, o atribui o Art.º 784.º do CPC para a falta de contestação; 2.ª- Não tendo os trabalhadores G..., H... e J... (n.ºs 24, 40 e 52 da lista de fls. 400 a 407 a que se refere a parte final da douta sentença sob recurso) deduzido resposta à impugnação apresentada pela recorrente àqueles créditos e atento o efeito cominatório do art.º 131.º n.º 3 do CIRE, o Tribunal “a quo” deveria ter julgado procedente a impugnação e não reconhecer o privilégio imobiliário especial; 3.ª- Interpretar-se a parte final do nº 3 do art.º 131.º do CIRE no sentido de que não tem efeito cominatório pleno se outros credores apresentarem resposta à impugnação em termos que possa ser aproveitada aos impugnados não respondentes é violar o princípio da igualdade assegurado pelo art.º 13.º da Constituição.

    1. - O legislador, ao ressaltar no preâmbulo do Dec. Lei 200/2004 de 18/08, que modificou a redacção original deste artigo consignada no Dec. Lei 53/2004 de 18/03 que implementou o CIRE, que para obviar a eventuais dúvidas que a anterior redação pudesse suscitar “esclarece-se que todas as impugnações das reclamações de créditos serão imediatamente consideradas procedentes quando às mesmas não seja aposta qualquer resposta” não permite outra interpretação que não seja o efeito cominatório pleno da ausência de resposta à impugnação do crédito.

    2. - Para o gozo do privilégio creditório previsto pela alínea b) do nº 1 do art.º 333.º do Código de Trabalho é essencial a alegação e demonstração de que os trabalhadores prestaram a sua actividade no imóvel apreendido, ónus que cabe àqueles (art.º 342.º, n.º 1, do CC), sob pena de não beneficiarem do dito privilégio.

    3. - Ao dar-se como provado que “Os trabalhadores da sociedade insolvente cujos créditos foram reconhecidos pela Administradora da Insolvência não tinham o seu local de trabalho habitual nas fracções autónomas referidas em 3.1. (ponto 3.15 dos factos provados da douta sentença) reconhece-se que os trabalhadores não cumpriram o ónus, que sobre si impede, de verificar o pressuposto da alínea b) do n.º 1 do art.º 333.º do C.T.

    4. - Conjugando o facto do objecto social da insolvente - comercialização de equipamentos de escritório, sistemas informáticos e de telecomunicações, desenvolvimento de software e formação” (ver fls. 9 dos autos principais – certidão de matrícula da insolvente – ser desenvolvido na sua sede sita na Rua ..., 46, Viseu, local onde todos os trabalhadores prestavam a sua actividade por conta, ordem e direcção da insolvente, com o que se deu como provado pela negativa (os trabalhadores da sociedade insolvente cujos créditos foram reconhecidos pela Administradora da Insolvência não tinham o seu local de trabalho habitual nas fracções autónomas), apenas se pode concluir pela não verificação do pressuposto previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 333.º do CT e, destarte, a justeza da impugnação da ora recorrente no sentido de não ver ser reconhecido o privilégio imobiliário especial aos créditos reclamados pelos trabalhadores na presente insolvência.

    5. - Entre o confronto da segurança do registo de hipoteca sobre determinado imóvel que não é a sede da hipotecante e no qual os trabalhadores desta não tinham o seu local de trabalho e o confronto de uma interpretação extensiva no sentido de conferir privilégio imobiliário especial aos trabalhadores sobre todos os imóveis afectos à actividade empresarial da insolvente, deve ser dada prevalência à hipoteca registada protegida pelo princípio da confiança e da segurança, ínsito na ideia de estado de direito democrático. Interpretação contrária é inconstitucional e violadora do art.º 2.º da Constituição.

    6. - Se é sobre os imóveis do empregador que incide o privilégio imobiliário, o requisito especial tem de ir buscar-se, segundo o que dispõe a lei, à actividade do trabalhador: imóvel onde ele preste a sua actividade; não diz a lei imóvel da actividade do empregador onde o trabalhador presta actividade.

    7. - O privilégio creditório conferido aos créditos laborais pelo art.º 333.°, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho não abrange a globalidade dos imóveis afectos à actividade do empregador mas apenas somente aquele, ou aqueles, onde o trabalhador prestou efectivamente a sua actividade.

    8. - Por se colocar material, equipamento e mobiliário obsoleto, por trabalhadores, não identificados, em fracções autónomas utilizadas pela insolvente só para tal fim, não se pode concluir que se trata de desenvolvimento do objecto social da insolvente em tais imóveis, isto porque, a actividade empresarial da insolvente era a comercialização de equipamentos de escritório, sistemas informáticos e de telecomunicações, desenvolvimento de software e formação, o que fazia na sua sede onde todos os trabalhadores prestavam o seu labor.

    9. - Tratando-se de materiais, equipamento e mobiliário obsoletos, razão pela qual eram colocados nas fracções apreendidas e sendo a actividade empresarial da insolvente a comercialização de equipamentos de escritório, sistemas informáticos e de telecomunicações, desenvolvimento de software e formação, ter-se-á que concluir que aqueles objectos obsoletos já não estavam afectos ao objecto social da insolvente e actividade empresarial da insolvente, de molde a se poder presumir que os trabalhadores “prestavam o seu trabalho” naquelas fracções.

    10. - Assim, violou a douta Sentença o disposto no art.º 686.º e 342.º n.º 1, ambos do Código Civil, art.º 333º n.º 1 alínea b) do Código de Trabalho, art.º 131.º n.º 3 do CIRE e artºs 2.º e 13.º da Constituição”.

    Com tais fundamentos, pretende a alteração da sentença proferida, de modo a não ser reconhecido o privilégio imobiliário dos trabalhadores e, consequentemente, sejam os créditos reclamados pela ora recorrente, garantidos em decorrência das hipotecas registadas sobre as fracções identificadas no ponto 3.1 da sentença, graduados com a preferência que resulta do art.º 686.º do Código Civil, isto é, em primeiro lugar.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    * Sabido que pelas conclusões se delimita o objecto do recurso (art.º 684.º n.º 3 e n.º 1 do art.º 685.º-A do CPC), as questões colocadas à apreciação deste Tribunal são as seguintes: i. indagar se o nº 3 do art.º 131.º do CIRE consagra um cominatório pleno, tendo ocorrido erro de julgamento por errónea interpretação do ali preceituado, resultando igualmente violado o princípio constitucionalmente consagrado da igualdade; ii. decidir se a sentença recorrida errou na aplicação dos artigos art.º 686.º e 342.º n.º 1, ambos do Código Civil, e art.º 333º n.º 1 alínea b) do Código de Trabalho, ao considerar que os créditos laborais beneficiavam de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis apreendidos, graduando-os por isso antes do crédito hipotecário da recorrente, e se tal entendimento afronta o art.º 2.º da CRP.

    * II. Fundamentação De facto Não tendo sido posta em causa a factualidade considerada pela 1.ª instância, são os seguintes os factos a considerar (aqui se incluindo factos...

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