Acórdão nº 1568/08.9TAVIS.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data da Resolução03 de Julho de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo n.º 1568/08.9TAVIS do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, mediante acusação pública, foi o arguido A...

melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, nº 1, al. d) e n.º 3 do Código Penal.

  1. Realizado o julgamento, por sentença de 02.02.2012, foi o arguido condenado pela prática do sobredito crime na pena de 500 [quinhentos] dias de multa, à taxa diária de € 5,00 [cinco euros].

  2. Inconformado recorreu o arguido, recurso que veio a ser apreciado por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.10.2012, o qual julgou nula a sentença recorrida, por violação do artigo 374.º, n.º 2 do CPP, determinando a remessa dos autos à 1.ª instância com vista à sanação do «vício».

  3. Na sequência do que, em 21.01.2013, proferiu o tribunal a quo nova sentença, cujo dispositivo, em parte, se transcreve: «Pelo exposto, na procedência da acusação, decide-se julgar o arguido .A... autor material de um crime de falsificação de documento, previsto e punido, à data da prática dos factos, pelo artigo 256º, nºs 1, alínea b), e 3, do Código Penal e, actualmente, p. e p. no nºs 1, alínea d), e 3, do mesmo preceito legal, em consequência, condená-lo na pena de 500 (quinhentos) dias de multa, à taxa diária de cinco (5) euros, o que perfaz a importância de 2.500 (dois mil e quinhentos Euros)».

  4. Uma vez mais inconformado, recorre o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. Os factos dados como provados na sentença e, como consta da sua motivação assentou exclusivamente na prova documental constante da certidão junta a fls. 2 a 157, dos autos; 2. Certidão, essa, de peças processuais extraídas dos autos de processo n.º 3667/06.2TAVIS do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu; 3. Onde constam transcritos entre outros os depoimentos da aí arguida filha do aqui arguido e o depoimento do próprio arguido cuja transcrição consta a fls. 126 a 139, dos autos.

  5. A convicção do tribunal sobre os factos provados assentou na nossa modesta opinião no depoimento apenas e tão só na transcrição do depoimento do arguido e sua filha; 5. Não se produziram em audiência de julgamento quaisquer provas cfr. acta de fls. 339 a 340.

  6. O arguido remeteu-se ao silêncio e a única testemunha indicada pela acusação invocou a prerrogativa constante do art. 134º do C.P.P., recusando-se a depor em audiência de julgamento.

  7. Assim a sentença sob censura deu como provados factos cuja prova só poderia resultar da suposta “confissão” do aqui arguido e das declarações da sua filha – D... – prestados num outro processo; 8. Depoimento esse do arguido prestado num outro processo sem ser sujeito processual, sem estar acompanhado ou aconselhado juridicamente de que embora aceitando prestar depoimento tinha o direito de recusar falar sobre factos que implicassem para o mesmo responsabilidade criminal ou ainda no decurso do seu depoimento de que poderia de imediato solicitar que fosse constituído arguido, podendo assim beneficiar do quadro de direitos que a lei lhe reserva.

  8. Aliás, ciente das preocupações de se evitarem auto incriminações involuntárias o legislador criou no nosso ordenamento jurídico mecanismos de salvaguarda previstos não só no processo penal – vide arts. 132º, 134º e 343º do C.P.P., como também no processo civil vide art. 554º, nº 2 do C.P.C.

  9. Quer as declarações prestadas pela aí arguida D... , quer as declarações, da aí testemunha e aqui arguido, não podem deixar de ser equiparadas em termos processuais as declarações prestadas por sujeitos processuais e testemunhas em sede de inquérito ou prestadas anteriormente à realização da audiência de julgamento e, como tal, subsumíveis ao regime previsto nos arts. 356º e 357º ambos do C.P.P., cuja leitura em audiência de julgamento só é possível nos casos restritos aí previstos, mesmo que se tratem de declarações ou prestação de depoimento perante um juiz.

  10. Não tendo o arguido sido em audiência de julgamento confrontado com tais declarações – atento o seu silêncio – não pode tal depoimento transcrito ser valorado como meio de prova para efeito de formação da convicção do tribunal – arts. 355º, nº 2 “parte final a contrário”.

  11. O mesmo se aplica mutatis mutandis às declarações da aqui testemunha D... , que validamente se recusou a depor; 13. Tudo isto sob pena de se institucionalizar o princípio da auto – incriminação involuntária em sede de processo penal, não obstante o direito ao silêncio por parte dos arguidos.

  12. Ainda que se pudesse entender que as declarações do arguido prestadas num outro processo judicial pudessem aqui considerar-se como simples declarações de testemunha prestadas perante um juiz, tendo em conta o disposto no nº 2 e 3 do art. 356º do C.P.P. a sua leitura em audiência face ao silêncio do autor das mesmas face à qualidade de arguido seriam estas insusceptível de leitura em audiência e, como tal, insusceptíveis de serem valoradas pelo Tribunal para formar a sua convicção sobre a ocorrência ou não dos factos de que o arguido vinha acusado – vide art. 355º do C.P.P.

  13. Mesmo que assim se não entendesse resulta da transcrição do depoimento do aqui arguido a fls. 126 a 139, a prestação de um depoimento condicionado pelo facto da pessoa que estava a ser julgada ser a sua própria filha com a nítida preocupação e intenção de apenas e tão só ir ao encontro da versão dos factos que mais beneficiariam a defesa.

  14. Aliás, o teor de tal depoimento, em vários aspectos é manifestamente contraditório e incoerente onde o aqui arguido afirma e ao mesmo tempo nega factos juridicamente relevantes para a prática ou não do crime de que aqui foi condenado, tais como que não sabia ou não tinha consciência de que a conta não se encontrava provisionada.

  15. Daí que o tribunal ao ter valorado e formado a sua convicção nesse depoimento deveria ter especificado e fundamentado em que elementos concretos do mesmo formou a sua convicção fazendo a análise crítica que se exige o que não fez.

  16. Também não consta da matéria de facto dada como provada, qualquer facto de onde se...

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