Acórdão nº 253/05.8TAPMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Outubro de 2013
Magistrado Responsável | CACILDA SENA |
Data da Resolução | 02 de Outubro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO No processo supra identificado, foi submetido a julgamento A...
, completamente identificado nos autos, vindo a final a ser condenado: pela prática, em autoria material e na forma consumada, do crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 227º, n.º1, alíneas a) e b) e n.º 2, do Código penal, na redacção anterior ao Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €10,00 (dez euros), o que perfaz o montante total de €2.800,00 (dois mil oitocentos euros).
Foi ainda o mesmo arguido condenado na pena acessória de interdição de exercer a actividade de gerente ou equivalente pelo período de dois (2) anos, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, nos termos do artigo 100º, n.ºs 1 a 3, do Código Penal.
* Inconformado com o assim decidido, veio o arguido interpor recurso que despediu com longas conclusões que a seguir se transcrevem, Conclusões: 1. O arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, do crime de insolvência dolosa previsto e punido pelo artº 227º, nº 1, alíneas a) e b) e nº2 do Código Penal, na redacção anterior ao Decreto-lei nº 53/2004 de 18 de Março, na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de € 10,00 e na interdição de exercer a actividade de gerente ou equivalente pelo período de dois anos, a contar do trânsito em julgado da sentença, nos termos do artº 100º, nº 1 a 3 do Código Penal.
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O arguido não se conforma com a decisão proferida.
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Por um lado, considera que existe erro na apreciação da prova, por outro, que não se verifica a circunstância agravante prevista no nº 2 do artº 227° do Código Penal e por último, considera incorrectamente julgados os pontos 29, 32, 33, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43 e 44 da matéria de facto provada.
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Na fundamentação da decisão de facto, a Meritíssima Juiz "a quo" classifica de "esquema" (pag.15 da sentença) a conduta do arguido, concluindo (pag.16) que "todo o comportamento tido pelo arguido e espelhado na factualidade supra descrita denuncia a vontade de fazer desaparecer e dissimular o património e a contabilidade da sociedade falida, com o intuito de prejudicar os credores da mesma, impedindo que conseguissem obter a cobrança dos seus legítimos créditos à custa dos bens daquela, bem sabendo que lesava os legítimos interesses daqueles e lhes causaria, como causou, prejuízos".
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Lida a matéria de facto e a sua fundamentação, afigura-se-nos que a Meritíssima Juiz alicerça tal conclusão, no facto do arguido em representação da falida ter celebrado em 1 de Janeiro de 2002, com a sociedade B...
, S.A., o contrato de trespasse referido nos pontos 21, 22, 23, 24, 25 e 26 da matéria de facto provada.
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É verdade que o arguido em representação da falida celebrou tal contrato de trespasse.
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Mas daí não decorre e não decorreram as conclusões plasmadas nos pontos 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42 e 44.
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Primeiro que tudo, à data em que foi celebrado o contrato de trespasse - 1 de Janeiro de 2002 - não tinha sido requerida a falência da O..., Lda., o que apenas sucedeu em 15 de Março de 2002.
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Não podendo por isso, retirar-se da celebração do contrato de trespasse que o arguido actuou com o propósito de fazer desaparecer e dissimular o património da sociedade falida, no intuito de prejudicar os credores da sociedade.
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O contrato de trespasse, conforme resulta dos pontos 21 a 26 da matéria de facto provada, importava, como é natural num contrato de trespasse, a venda do estabelecimento comercial e industrial da O..., Lda.
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Mas naquele contrato, estipulou-se ainda, que os direitos e obrigações relacionados com fornecedores e clientes, bem como os compromissos laborais integravam o contrato, assegurando-se aos trabalhadores a manutenção dos direitos adquiridos, nomeadamente os inerentes à sua antiguidade.
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E de facto, assim sucedeu.
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Embora não conste da matéria de facto provada e deveria constar, os únicos credores da falida eram a Caixa de Crédito Agrícola Mutuo da Batalha; a Fazenda Nacional e a Segurança Social.
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Sendo certo que em relação a estas duas últimas entidades à data da declaração da falência o pagamento estava a ser pontualmente cumprido através do Plano Mateus.
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Nenhum fornecedor ou credor reclamou qualquer crédito.
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O que só pode significar obviamente que a trespassária B..., S.A., em cumprimento do sobredito contrato de trespasse, pagou aos fornecedores e aos trabalhadores.
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De resto, em relação a estes últimos, tal facto consta do ponto 20 da matéria de facto provada.
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Não identificando a sentença os credores da falida, não os respectivos prejuízos, não pode concluir como faz nos pontos 36,39,40, 41 e 42.
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Os bens da falida não só não desapareceram, como foram todos apreendidos e vendidos.
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Pelo que, falece o requisito constante da alínea a) do artº 227º do Código Penal.
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Igualmente se deverá ter por não preenchida a alínea b) do mesmo preceito.
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É que conforme daquela alínea, a ocultação de documentos contabilísticos apenas releva para efeito de simulação patrimonial inferior à realidade.
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Ora não resulta da matéria de facto provada que a alegada ocultação da contabilidade tenha visado uma simulação patrimonial inferior à realidade.
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De resto, não se refere na sentença qual a contabilidade ocultada, com a qual tenha o arguido visado uma simulação patrimonial inferior à realidade.
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Por outro lado, e conforme decorre do n.º 1 do citado artº 227° do CP, qualquer dos actos constantes das várias alíneas que integram aquele número, têm de visar o prejuízo dos credores.
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A verdade é que todo o património da falida foi apreendido e vendido.
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Se não fosse o contrato de trespasse feito pelo arguido, por força do qual, a sociedade trespassária assumiu a obrigação de pagamento aos fornecedores da falida e aos trabalhadores, os credores da falida não eram só a Fazenda Nacional, a Segurança Social e a Caixa de Crédito Agrícola Mutuo da Batalha.
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Àqueles juntar-se-iam os fornecedores e os trabalhadores.
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No caso dos trabalhadores, a massa insolvente teria de pagar para além dos salários, as indemnizações correspondentes a mais de três décadas de antiguidade. E estes teriam privilégio em relação aos demais credores.
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Isto vale para dizer, que a alegada conduta do arguido, não prejudicou os credores, antes pelo contrário, pois, não só o património foi apreendido e vendido, como, por força do contrato de trespasse, não houve reclamações de fornecedores e trabalhadores.
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Por outro lado, o arguido foi condenado pela circunstância agravante do n.o 2 do artº 227º do Cód. Penal.
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Da decisão que declarou a falência da O..., Lda., não resulta que a falência tenha sido declarada falida em consequência da prática de qualquer dos factos a que se referem as alíneas a) e b) do nº 1 do art.º 227° do Código Penal.
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Com efeito, lê-se naquela sentença de declaração de falência que a sociedade se encontra numa situação de insolvência, por se encontrar impossibilitada, por carência de meios financeiros, de cumprir pontualmente o passivo.
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Esta a razão da declaração de falência. Não se referindo, pois, aquela sentença a qualquer dos factos previstos nas alíneas a) e b) do n.o 1 do artº 227° do Código Penal.
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E assim sendo, como é, está afastada a circunstância agravante do nº 2 do art.º 227º do Código Penal.
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O Tribunal entendeu reportar tal circunstância agravante ao ponto 38 da matéria de facto provada.
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Contudo, para que tal circunstância se verificasse, era necessário, tal como resulta do nº 2 do artº 227º do C.P., que a falência tivesse sido declarada falida em consequência da prática de qualquer dos factos a que se referem as alíneas a) e b) do nº 1 do artº 227° do Código Penal.
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O que não sucedeu.
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Pelo que não pode o arguido ser condenado por tal circunstância agravada, mostrando-se violado o nº 2 do artº 227° do Código Penal.
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Por último, o arguido considera incorrectamente julgados os pontos 29, 32, 33, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43 e 44 da matéria de facto provada.
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Impondo a decisão não provados, quanto ao ponto 29 da matéria de facto, os depoimentos de C...; D...; E...; F...e G...; quanto aos pontos 32 e 33, os depoimentos de H...; E... e F....
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Quanto aos pontos 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42 e 43, tratam-se de conclusões sem sustentação fáctica.
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Entende ainda o recorrente que da matéria de facto deveriam constar dois factos que resultaram da prova produzida em julgamento.
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Por um lado, que o transporte dos equipamentos foi efectuado durante vários dias, em pleno dia, à vista de toda a gente.
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Tal resulta dos depoimentos das testemunhas C... C...; I...; D...; E...; F...e G...
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Por outro, que na porta das instalações da falida ficou afixado um escrito com a identificação do local para onde fora feita a mudança.
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Tal resulta do depoimento das testemunhas C...; D... e F....
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Todas as declarações das testemunhas encontram-se registadas através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal, tendo o CD sido registado sob o nº 199712, no Livro de Registo do 1º juízo.
* Respondeu ao recurso o digno Magistrado do Ministério Público concluindo: 1- O arguido ao celebrar o contrato de trespasse, fez desaparecer o património da O..., Lda”, tendo com tal actuação intenção de prejudicar os credores, especialmente, a “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Batalha”.
2 – A “ O..., Lda” foi declarada falida, pois por força do contrato de arrendamento e do contrato de trespasse celebrados pelo arguido, ficou desprovida de meios de produção e, deste modo, impossibilitada de gerar receita e fazer face às suas obrigações já vencidas.
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Razões pelas quais deverá ser mantido o decidido na douta Sentença.
* O recurso foi recebido e ordenada a sua remessa a este tribunal.
* Já nesta instância, o Ex. mo Procurador Geral Adjunto emitiu Parecer de improvimento.
* Cumprido o disposto no artº 417º nº2 do CPP, veio o...
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