Acórdão nº 1195/11.3TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelCORREIA PINTO
Data da Resolução30 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I) 1.

O presente processo, a correr termos na Comarca de Leiria, teve origem em denúncia/queixa apresentada por A..., por si e na qualidade de legal representante da sociedade W..., Unipessoal, L.da, contra os arguidos B...

e C...

, todos melhor identificados nos autos.

Realizado inquérito, o mesmo veio a culminar na prolação de despacho onde, pelas razões aí expendidas, se determinou o arquivamento, nos termos do artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, “por falta de indícios suficientes para a prática de crime” (fls. 120 e seguintes).

O queixoso, notificado de tal despacho, veio requerer, nas aludidas qualidades, a sua constituição como assistente e a abertura de instrução, nos termos de fls. 170 e seguintes.

Depois de admitida a sua constituição como assistente, foi proferido despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal (fls. 213 a 218).

  1. Não se conformando com o mesmo, o assistente interpôs o recurso agora em apreciação.

    Na respectiva motivação, formula as seguintes conclusões: 1.ª Os factos denunciados pela Queixosa e imputados aos Arguidos não sofreram qualquer alteração no inquérito.

    1. Pelo contrário, foram confirmados e mesmo admitidos pelo Arguido B... e confirmados nas diligências.

    2. Foi este Arguido quem introduziu, em declarações, uma questão lateral segundo a qual foi o Arguido C... quem falsificou os documentos mas que isso teria ocorrido na presença e com o consentimento do legal representante da Queixosa, tendo o MP, sem mais, aceite e dado todo o crédito a tal afirmação de arguido, procedendo ao arquivamento do processo de inquérito depois de retirar conclusões inadmissíveis.

    3. Foi só e exclusivamente por causa disso que a Queixosa requereu a abertura de instrução já que todos os factos da queixa se revelaram capazes de, em julgamento, resultarem na condenação dos Arguidos por consubstanciarem a prática dos crimes de abuso de confiança, burla e falsificação.

    4. O senhor Juiz recorrido ao proferir despacho que indefere o requerimento por, segundo afirma, não terem sido indicados os factos com indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar, das duas uma: ou não entendeu que a matéria objecto do requerimento era e só podia ser a referente à alegada presença e consentimento do legal representante aquando da falsificação, ou então socorre-se de inadmissível formalismo não expresso na lei segundo o qual deviam ser enunciados e descritos todos os factos novamente mesmo aqueles da queixa (são todos) que não foram minimamente contrariados no Inquérito, pelo contrário, pelo contrário, levando-os assim a uma instrução perfeitamente inútil.

    5. No seu requerimento a Queixosa indicou as razões por que discorda do MP que decidiu pelo arquivamento só porque o Arguido B... afirmou que o legal representante da Queixosa este presente e concordou com a falsificação, o que a ter acolhimento só por si, como no caso, levaria à legítima conclusão de que a maior parte dos inquéritos neste país seriam arquivados.

    6. Não tinha, pois, a Queixosa que repetir, no âmbito do requerimento de instrução, os factos que não eram objecto de discordância ou dúvida, como sejam todos os praticados pelos Arguidos com o intuito concertado de obterem proveito pecuniário por via judicial à custa da Queixosa, depois de terem causado prejuízo com a inclusão do Arguido B... nas “folhas de férias” da Queixosa para a Segurança Social com pagamentos à custa desta, tudo por recurso à falsificação de assinaturas e documentos.

    7. O único facto sobre que devia e deve recair a instrução é o da alegada presença e concordância do legal representante da Queixosa na ocasião da falsificação.

    8. Em todo o caso e sem admitir a correcção e bondade do despacho, sempre o senhor Juiz recorrido, ex officio, devia ter notificado a Queixosa para, nos termos do Artº 508º do Cód. proc. Civil ex vi Artº 4º do CPP, completar e/ou aperfeiçoar o seu requerimento, sendo que não se entende onde estaria a anomalia, além de que, 10.ª Anomalia será postergar a verdade material privilegiando um difuso conceito formalista não caracterizado e muito menos apoiado com o que, ao fim e ao cabo, se denega justiça.

    9. Aliás, a norma imperativa e de enunciado taxativo do n.º 3 do Artº 287º do CPP impede o indeferimento fora dos casos nele previstos e não é nenhum deles o caso dos autos.

    10. Portanto, se incorrecção havia, impunha-se ao Juiz de instrução que notificasse nos termos e para efeitos como fica na conclusão 9ª já que lhe estava, como está vedado rejeitar/indeferir pelos motivos que aponta no despacho.

    11. Entre outras, o despacho em crise violou as normas elencadas dos Artigos 283º, n.º 3, 289º, n.º 1, 287.º, n.ºs 2 e 3, estes do CPP e 508º do Cód. Proc. Civil ex vi Artº 4º do CPP.

    Termina pretendendo que, dando-se provimento ao recurso, se revogue o despacho recorrido, ordenando-se que seja aberta a instrução relativamente ao facto trazido pelo Arguido B... segundo o qual o legal representante da Queixosa teria estado presente e consentido na falsificação dos documentos levada a cabo pelo Arguido C..., apreciando-se nessa sede os documentos e ouvindo-se as testemunhas juntos e arroladas para o efeito em de bate a marcar, seguindo-se os ulteriores termos previstos no artigo 289.º e seguintes do Código de Processo Penal.

    3.1 O Ministério Público apresentou resposta onde, expressando a sua concordância na íntegra com a decisão proferida e seus fundamentos, sem nada mais a acrescentar, entende que o despacho recorrido deve manter-se e, consequentemente, deve ser negado o provimento ao recurso.

    3.2 Apenas o arguido B... apresentou resposta, concluindo também ele que o despacho recorrido não merece qualquer censura ou reparo, pelo que deverá manter-se, negando-se o provimento ao recurso.

    3.3 O Sr. Juiz de Instrução Criminal proferiu despacho sustentando o despacho recorrido.

    3.4 Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos, emitiu parecer onde concluiu que deve manter-se o despacho recorrido.

    Notificado nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

  2. Colhidos os vistos e remetidos os autos a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação – artigo 412.º do Código de Processo Penal.

    Neste enquadramento, o objecto do presente recurso consubstancia-se na apreciação da seguinte questão: § Determinar se o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente deveria ou não ter sido rejeitado com fundamento na sua inadmissibilidade legal; neste âmbito se apreciará a admissibilidade do convite ao aperfeiçoamento.

    II) 1.

    Enquadramento legal.

    No âmbito do processo penal e perante o despacho proferido pelo Ministério Público, determinando o arquivamento do inquérito, o assistente tem ao seu alcance diferentes procedimentos, alternativos.

    Assim, pode requerer a abertura de instrução, se o procedimento não depender de acusação particular (portanto, no caso de crimes de natureza pública e semi-pública), relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação [artigo 287.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal]; se optar por não requerer a abertura de instrução, pode suscitar a intervenção hierárquica (artigo 278.º, n.º 2, do mesmo diploma legal).

    Releva aqui a primeira opção.

    A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

    Nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como sempre que for caso disso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar.

    Ao requerimento do assistente e sempre de acordo com a norma antes citada, é ainda aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) – isto é, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e a indicação das disposições legais aplicáveis.

    Importa realçar que, abstendo-se o Ministério Público de acusar (é este um pressuposto essencial para legitimar a intervenção do assistente), o...

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