Acórdão nº 403/10.2GBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Fevereiro de 2013

Data06 Fevereiro 2013
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Após audiência pública de discussão e julgamento com exercício amplo do contraditório, foi proferida sentença, na qual o tribunal de 1ª instância decidiu: - Condenar o arguido, A..., como autor material de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sendo a suspensão acompanhada de um regime de prova que assenta num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão.

* Inconformado com a sentença, dela recorre o arguido, formulando na motivação do recurso as seguintes CONCLUSÕES: 1) - 2) - 3) – Tratando-se do enunciado da decisão, já referida, não se reproduzem.

4) – O presente recurso abrange matéria de facto e de direito.

5) A douta sentença viola o princípio de caso julgado: os factos imputados ao arguido nos presente autos foram já objecto de inquérito no âmbito do processo nº 184/10.0PECBR que correu seus termos no DIAP (1ª secção) de Coimbra, tendo sido, no âmbito do mesmo, proferido despacho de arquivamento, nos termos do art. 277º, nº 2 do C.P.P., por não ter sido possível apurar que o arguido tenha praticado qualquer crime.

6) Tendo sido proferido despacho de arquivamento no âmbito dos referidos autos de inquérito, temos que essa decisão do Digno Magistrado do MP, de arquivamento por falta de indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os seus agentes (art. 277º, nº 2 CPP), só pode ser sindicada através de reclamação hierárquica ou pela via de interposição de requerimento de abertura de instrução.

7) Não poderiam os mesmos factos, por isso, voltar a ser objecto de inquérito e sobre eles ser formulada acusação, sob pena de violação do principio ne bis in idem e ainda ofensa de caso julgado.

8) Foi violado o artigo 29º, n.º 5, da CRP, o qual deveria ser interpretado no sentido de que os mesmos factos imputados à mesma pessoa não podem ser objecto de processo penal mais do que uma vez.

9) As provas produzidas: Declarações do arguido …..merecerem resposta de não provados.

10) Quanto às declarações do arguido, reconhece o mesmo que se encontrava na posse de baterias, sem contudo ter praticado qualquer tipo de ilícito, desconhecendo o anterior proprietário das mesmas, visto que as mesmas foram encontradas em local abandonado, num pinhal perto de Tovim, em Coimbra.

11) Local que o mesmo se predispôs a identificar às autoridades e que as mesmas recusaram, limitando-se a “passar por lá”, conforme referido pelo agente da PSP … .

12) Já o legal representante, no seu depoimento, nada acrescenta de relevante que permita apurar a autoria do ilícito, ocorrido nas suas instalações, apenas fornecendo elementos válidos de tempo e lugar.

13) Mais informou que as instalações da … , Lda., não dispõem de sistema de videovigilância no exterior, dispondo unicamente quanto ao espaço interior, de simples alarme de intrusão ligado directamente à Securitas.

14) Pelo que não existem elementos que permitam apurar a autoria deste crime.

15) A testemunha … , (agente da PSP de Coimbra) referiu ter-se deslocado à residência do arguido onde apreendeu "umas 20 e tal, mais com as do carro dava umas 30 e tal baterias", número muito superior às baterias furtadas e participadas pelo representante legal da … o que vem confirmar a versão do arguido.

16) Pela análise destas declarações, é possível apurar tão somente que as mencionadas baterias se encontravam na posse do arguido e não, que o mesmo se tenha deslocado às instalações da … e que através do uso de material de corte se tenha introduzido nas instalações da mesma e subtraído o material em questão.

17) Quanto ao depoimento da testemunha … (agente da PSP), quando questionado acerca da busca efectuada na mata, perto de Tovim, começou por referir "não sei se era o local, uma mata é sempre um local …”, deixando subjacente nas suas palavras que obviamente não percorreram toda a mata, mas apenas parte desta, pelo que poderiam perfeitamente encontrar-se mais objectos idênticos aos encontrados, sem que disso dessem conta.

18) Quando questionado acerca do motivo que levou os agentes a deslocarem-se ao pinhal sem a presença do arguido, para sem quaisquer dúvidas, e sem mais demoras, localizar o local exacto onde o material foi encontrado, a testemunha limitou-se a balbuciar – “porque é assim…Porque depois entretanto começámos a …, isto é assim, temos vários tipos de serviço...", alterando imediatamente a sua postura, mostrando-se intranquilo, sem contudo avançar qualquer tipo de explicação lógica para o facto de violarem, de forma gravosa e escandalosa, o princípio básico da investigação e da descoberta da verdade material.

19) Por último, a testemunha … , pelas suas declarações, veio confirmar as declarações do arguido, afirmando estar presente quando encontraram as baterias no pinhal, acrescentando ainda, encontrar-se mais material no referido local.

20) Mais disse que, junto dos agentes da PSP, tanto esta testemunha como o arguido se ofereceram para identificar o local exacto onde descobriram tais baterias, sem que os mesmos os tenham contactado para esse efeito.

21) Com esta conduta, assumida pelos agentes, foram violados o princípio do contraditório e o princípio da investigação e da descoberta da verdade material.

22) Assim, tanto a prova testemunhal como a documental, expressa e analisada nas motivações, determinam que os factos 1, 3 a 5, 8 e 9 mereçam resposta de não provados.

23) Não se verificam elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito criminal pelo qual o arguido vem acusado.

24) Ainda que assim não se entenda, sempre em obediência ao princípio in dúbio pro reo, o arguido deveria ser absolvido do crime pelo qual vem acusado.

25) O tribunal recorrido violou princípios básicos do direito processual penal, dos quais, o princípio de caso julgado, o princípio ne bis in idem, o princípio in dubio pro reo.

26) Violou ainda os artigos 29º, nº 5 da CRP, 124º, n.º1, 277º, nº 2 e 340º, nºs 1 e 2 todos do CPP.

27) Se o Tribunal "a quo" tivesse aplicado criteriosamente os princípios de direito supra mencionados, os ensinamentos da experiência comum, e fazendo uma correcta e interpretação e aplicação dos mesmos, não teria condenado o arguido da autoria deste ilícito e teria a final, ainda que pela aplicação do principio in dúbio pró reo, absolvido o arguido deste crime.

28) Assim, pelas razões supra expostas, nomeadamente por não se verificarem os pressupostos processuais de que dependia a realização deste julgamento, atento o princípio de caso julgado e do princípio ne bis in idem, deverá o processo ser "arquivado".

29) Ainda que assim não se entenda, sempre deve o arguido ser absolvido do crime de que vem acusado, atenta a análise de provas que impunham decisão diversa, da insuficiência para a decisão da causa, do erro notório na apreciação da prova, da violação do princípio in dubio pro reo, do princípio da investigação e da descoberta da verdade material.

Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, assim se fazendo inteira JUSTIÇA * Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido rebatendo, ponto por ponto, a motivação do recurso para concluir pela sua total improcedência.

No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual argumenta no sentido de demonstrar a inexistência de violação do princípio do caso julgado, remetendo, no que à impugnação da matéria de faço diz respeito, para a resposta apresentada em 1ª instância.

Corridos vistos, cumpre decidir.

*** II.

  1. Tendo em vista as conclusões, que definem o objecto do recurso, este versa sobre: violação de caso julgado; omissão de diligência probatória, erro de apreciação da prova. Fazendo ainda o recorrente referência - com base nos mesmos fundamentos – a insuficiência para a decisão da causa e erro notório de apreciação da prova As questões suscitadas serão analisadas pela ordem de precedência lógica indicada nos artigos 368º/369º do CPP, por remissão do art. 424º, n.º2 do mesmo diploma.

  2. Caso julgado – violação do princípio ne bis in idem O CPP vigente não define ou consagra, de forma explícita, a figura do caso julgado nem da litispendência, que assentam no mesmo pressuposto da repetição da mesma causa relativa aos mesmos sujeitos processuais.

Esta omissão de regulamentação terá sido um dos aspectos em o novo CPP, poderia ter aproveitado melhor a experiência acumulada na vigência do CPP de 1929. Diploma que, nos seus artigos 148º, 149º, 153º e 446º, estabelecia critérios definidores do âmbito deste instituto, para além de nos artigos 447º/448º delimitar os poderes de cognição do juiz de forma a que os efeitos do caso julgado se articulavam com esses poderes.

Com efeito Estabelecia, lapidarmente, C P Penal de 1929 no seu artigo 149º: "Quando por acórdão, sentença ou despacho com trânsito em julgado, se tenha decidido que um arguido não praticou certos factos, que por eles não é responsável ou que a respectiva acção penal se extinguiu, não poderá contra ele propor-se nova acção penal por infracção constituída, no todo ou em parte, por esses factos, ainda que se lhe atribua comparticipação de diversa natureza”.

Numa clareza que o legislador de 1987 não teve, manifestamente. De qualquer forma, apesar da aludida omissão sistemática, no CPP vigente existem disposições dispersas sobre o caso julgado, em sede de admissibilidade de recursos e de execução das decisões penais – cfr. designadamente a conjugação dos artigos. 396º, n.º4; 399º; 400º; 411º; 427º; 432º; 438º; 447º, n.º1; 449º, n.º1; 467º; 487º: 492; 498º, n.º3.

Por outro lado, a proibição de repetição de processos/julgamento sobre os mesmos factos, relativamente ao mesmo agente, para além de elementares razões de economia processual, resulta desde logo do princípio “non bis in...

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