Acórdão nº 165/08.3TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelCALVÁRIO ANTUNES
Data da Resolução15 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 4ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra *** No processo supra identificado, em que são arguidos, Restaurante “A..., Ldª, B...

, e C...

, todos melhor identificados a fls. 265, por sentença de 14 de Dezembro de 2010 e transitada em julgado, foi decidido: a) Condenar a arguida " A ..., Ldª", como co-autora material de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 7.º/1, 12.º/3, 107.º/1 e 105.º/1 do regime Jurídico das Infracções Tributárias – Lei n.º 15/2001, de 5/6 –, 26.º, 30.º/2 e 79.º do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 10 [dez euros (cfr. artigo 47.º/2 do Código Penal e 12,º do R.G.I.T.)], ou seja, na multa de € 1.500 (mil e quinhentos euros); b) Condenar o arguido B ... como co-autor material de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 107.º/1 e 105.º/1 do Regime Jurídico de Infracções Tributárias – Lei n.º 15/2001, de 5/6 –, 26.º, 30.º/2 e 79.º do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 8 [oito euro (cfr. artigo 47.º/2 do Código Penal e 12,º do R.G.I.T.)], ou seja, na multa de € 800 (oitocentos euros), fixando-se em 66 (sessenta e seis) dias a respectiva pena de prisão subsidiária (artigo 49.º/1 do Código Penal); c) Condenar a arguida C ... como co-autora material de um crime de abuso de confiança em relação à segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 107.º/1 e 105.º/1 do Regime Jurídico de Infracções Tributárias – Lei n.º 15/2001, de 5/6 -, 26.º, 30.º/2 e 79.º do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 8 [oito euro (cfr. artigo 47.º/2 do Código Penal e 12,º do R.G.I.T.)], ou seja, na multa de € 800 (oitocentos euros), fixando-se em 66 (sessenta e seis) dias a respectiva pena de prisão subsidiária (artigo 49.º/1 do Código Penal); * PARTE CÍVEL: Condenar solidariamente (artigo 497.º/1 do Código Civil) os demandados " A ..., Ldª", B ... E C ..., a pagarem ao demandante Instituto de Gestão Financeira Segurança Social a quantia global de € 16.132,85 (dezasseis mil, cento e trinta e dois mil euros e oitenta e cinco euros) – sendo € 11.948,56 (onze mil, novecentos e quarenta e oito euros e cinquenta e seus euros) referentes a quotizações em dívida e o demais juros de mora, contados até Janeiro de 2010 –, acrescida de juros vencidos e vincendos sobre o montante contributivo em dívida de € 11.948,56 (onze mil, novecentos e quarenta e oito euros e cinquenta e seus euros) até integral e efectivo pagamento.

*** Notificada para o efeito, a sociedade arguida não procedeu ao pagamento da pena de multa, não sendo possível o pagamento coercivo da mesma por não ter sido encontrado património em seu nome.

*** Mais tarde, veio o Ministério Publico requerer que os arguidos B ... e C ..., fossem solidariamente condenados no pagamento da multa aplicada à sociedade e por aquela não paga (fls.455).

*** Na sequência de tal requerimento foi proferido o despacho (fls. 456), ora recorrido, no qual se decidiu considerar solidariamente responsáveis pelo pagamento da pena de multa em que a sociedade arguida foi condenada nestes autos os co-arguidos B ... e C ....

*** Inconformados com tal, recorreram os arguidos B ... e C ..., tendo formulado as seguintes conclusões: “1. O presente recurso vem interposto de douto despacho que considerou solidariamente responsáveis pelo pagamento da multa em que foi condenada a arguida « A ..., Lda.», no montante de 1.500,00 €, os co-arguidos B ... e C ....

  1. Todavia, não podem os recorrentes conformar-se com os termos do douto despacho, porquanto face ao direito aplicável, não poderão ser solidariamente responsáveis pela multa em que foi condenada a arguida « A ..., Lda.».

  2. A questão jurídica em causa nos autos reconduz-se a saber se a norma do n.º 7 do art. 8.° do RGIT permite ou não responsabilizar solidariamente/subsidiariamente pelo pagamento de multa penal aplicada em processo-crime a pessoa colectiva ou equiparada as pessoas singulares que tenham colaborado dolosamente na prática de infracções tributárias, no caso, os recorrentes.

  3. Ora, dúvidas não há que em matéria de crime rege o princípio da responsabilidade e da penalização individual.

  4. E, o art. 30º da CRP, por seu turno, é taxativo ao determinar que a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão – art. 30.°, n.°3 da CRP.

  5. Assim, a eventual responsabilização das pessoas singulares referidas no artigo 8.° do RGIT por actos pelos quais foi igualmente responsabilizada a sociedade incumpridora, não pode nunca determinar a sua responsabilização subsidiária/solidária por uma sanção que foi imposta a terceiro (no caso à pessoa colectiva), sob pena de total subversão do princípio constitucional supra mencionado.

  6. É que a pena cujo cumprimento subsidiário/solidário se determina não é a sanção oportunamente imposta a um agente pessoa singular, mas sim a pena originariamente atribuída à sociedade – logo, a outrem – por um acto ilícito.

  7. Ora, esse acto atributivo de responsabilidade penal, é um acto de substituição de transferência, de transmissão da responsabilidade que à sociedade pertencia, para outro co-arguido, que já viu a sua actuação punida.

  8. Ora, parece seguro poder-se concluir que o princípio constitucional da intransmissibilidade da responsabilidade penal acolhido no art. 30.º, n.º3 da CRP, integra necessariamente o princípio da individualidade ou personalidade da responsabilidade penal, no sentido em que ninguém pode ser responsabilizado por ilícito penal no qual não tenha participado.

  9. Por outro lado, é o condenado quem deve cumprir a pena que lhe foi aplicada, em nome dos fins das penas, não podendo ser substituído por outro, quer se trate de pena privativa da liberdade, quer, em princípio, de pena não privativa da liberdade.

  10. Daqui se conclui que a obrigação solidária do pagamento da multa aplicada ao ente colectivo, que o art. 8.°, n.º 7 do RGIT faz impender sobre os seus órgãos ou representantes é violadora do princípio constitucional da intransmissibilidade da responsabilidade criminal.

  11. Acresce que, acham-se igualmente violados os princípios da culpa e da proporcionalidade, bem como a proibição do ne bis in idem.

  12. Efectivamente, a responsabilidade solidária do órgão ou representante pelo pagamento da multa aplicada ao ente colectivo, pode configurar-se como uma segunda sanção pela participação no mesmo ilícito pelo qual foi condenado em pena própria.

  13. Assim, para além de se violar irremediavelmente o princípio da proporcionalidade coloca-se ainda em perigo o princípio da culpa.

  14. Mais, os limites legais do quantitativo diário para as pessoas colectivas e para singulares sempre foi diferenciado, por exemplo, nos artigos 12.° e 15.° do RGIT os limites legais do quantitativo diário para as pessoas colectivas representam o quíntuplo e o décuplo, respectivamente, dos previstos para as pessoas singulares.

  15. ...

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