Acórdão nº 160/08.2TBPMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Maio de 2013
Magistrado Responsável | JOSÉ AVELINO GONÇALVES |
Data da Resolução | 21 de Maio de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.Relatório M…, residente em …, veio propor a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra N… – Mediação de Seguros, Lda., pessoa colectiva n.º com sede …, alegando, em suma, que exerceu as funções de gerente da sociedade ré desde a sua constituição; que, apesar de não constar do pacto social daquela sociedade, a gerência era remunerada e por tempo indeterminado; que desde meados de Janeiro de 2006 o outro sócio-gerente da ré e marido da autora decidiu destituir a autora da gerência sem justa causa; e que daquela destituição resultaram prejuízos patrimoniais e não patrimoniais para a autora.
Em conformidade, pede a condenação da ré no pagamento da quantia global de 4.320,00€ referente aos vencimentos que não foram pagos; da quantia de 8.640,00€ a título de indemnização por exoneração da Autora sem justa causa; e ainda das custas do processo, de procuradoria condigna e dos demais encargos legais.
Citada, a ré contestou, por impugnação, invocando a falsidade dos factos alegados pela autora, e, por excepção, alegando que os salários dos sócios foram sempre integrados nas despesas familiares da casa de morada de família e que a autora denegriu a imagem da ré, bem como aliciou e encaminhou clientes da ré para outros mediadores ou sociedades de mediação, causando prejuízos de valor não apurado à ré.
Notificada da contestação, a autora apresentou resposta à contestação, invocando a falsidade dos factos alegados quanto à matéria das excepções.
A Sr.ª Juiz da 1.ª instância decidiu assim: “Em face de todo o exposto, julgo procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, condeno a ré a pagar à autora: A. a remuneração referente aos meses de Janeiro de 2005 a Janeiro de 2006, inclusive, no valor mensal ilíquido de 400,00€ (quatrocentos euros), salvaguardando as obrigações fiscais e sociais, com o limite máximo de 4.320,00€ (quatro mil, trezentos e vinte euros); B. a indemnização referente ao valor mensal ilíquido de 400,00€ (quatrocentos euros), salvaguardando as obrigações fiscais e sociais, durante quatro anos, com o limite máximo de 8.640,00€ (oito mil, seiscentos e quarenta euros).”.
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O Objecto da instância de recurso Nos termos do art. 684°, n°3 e 685º, do Código do Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente.
São as seguintes as conclusões que apresenta a apelante “N… – MEDIAÇÃO DE SEGUROS, Ld.ª”: … A 1.ª instância considerou como verificados os seguintes factos: … 3. Do erro notório na apreciação da prova.
Da leitura das alegações apresentadas pela ré resulta, desde logo, que foi sua intenção impugnar a decisão da matéria facto fixada pela 1.ª instância.
Assim, para fundamentar a sua pretensão, no decurso das suas alegações – que aqui reproduzimos -, invoca erro notório na apreciação da prova, conjugada com as regras da experiência comum, patentes e evidentes e percetíveis por qualquer cidadão.
Diz: “…”.
O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum - sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente -, seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Como sabe a recorrente, no caso de impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal de primeira instância, embora o Tribunal da Relação deva apreciar a matéria impugnada efectuando uma apreciação autónoma da prova produzida, no sentido de que o objecto precípuo da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, labor que contudo se orienta para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto.
Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento.
É certo que consta da alínea H) dos factos assentes que, “O vencimento mensal assim auferido pela autora sempre foi canalizado, pelo menos até Janeiro de 2005 e desde a data de constituição da sociedade, para a manutenção e pagamento das despesas da casa de morada de família que formava com o outro sócio da ré, incluindo água, luz, gás empréstimo bancário, tal como alimentação, saúde, vestuário, veículos automóveis, seguros, sendo transferido para a conta conjunta do casal”.
Isto porque assim acordaram os sócios - resposta ao quesito 6.º -, que também tinham uma sociedade conjugal – casaram em Junho de 1973.
Sabemos, também, que após Junho de 2004 a autora e marido – o outro sócio da ré -, se encontravam desavindos.
Que na alínea I) consta que “ A autora, desde a data da constituição da sociedade e até Junho de 2004 sempre assinou os recibos de vencimento emitidos pela ré, e a partir desta data deixou de os assinar”.
É igualmente certo que esta só peticionou os vencimentos a que tinha direito como gerente – e que quando a sociedade conjugal funcionava estes eram canalizados para a tal conta conjunta do casal -, desde Janeiro de 2005 até Janeiro de 2006 – atenta a sua destituição de todas as funções inerentes à gerência da firma “N… - Mediação de Seguros, Lda,” -.
Ora, quebrada a harmonia conjugal – que levou à sua destituição de gerente da ré e ao divórcio do casal – é natural – e assim presumiu a 1.ª instância – que o acordo para depositar na conta conjunta carecia já de sentido e, por isso, exige o seu pagamento não assinando os recibos porque tal entrega da remuneração não é feita pela ré.
O facto de só o ter exigido a partir de Janeiro de 2005 não configura qualquer erro notório na apreciação da matéria de facto fixada pela 1.ª instância, que, aliás, a recorrente não impugna nos termos e para os efeitos da norma do art.º 690º-A, n.º 1 e 2.
Uma última nota.
Diz a apelante que: “…toda a matéria deliberada em sede de assembleia-geral da Ré foi dada como facto provado, pois a Autora nunca colocou em causa esses fundamentos...” Não tem razão.
Porque validamente impugnadas as razões apresentadas pela ré para destituir a autora da gerência, estas foram levados ao questionário – Quesitos 10 a 13 – despacho ao qual a ré não apresentou reclamação.
Estabelece, aliás, o art. 63º, nº 2 que a acta deve conter: a) A identificação da sociedade, o lugar, o dia e a hora da reunião; b) O nome do presidente e, se os houver, dos secretários; c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais, quotas ou acções de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de presenças, que deve ser anexada à acta; d) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à acta; e) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia; f) O teor das deliberações tomadas; g) Os resultados das votações; h) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.
Acresce que o nº 1 do mesmo art. 63º apenas confere força probatória plena à acta, no que tange às deliberações dos sócios.
Assim sendo e tendo por matriz o estabelecido nos arts. 392º a 396º do Código Civil, concluímos que tendo sido impugnadas as razões que suportam a deliberação, estas podem ser – no caso em análise – contraditadas com recurso à prova testemunhal, que, como sabe a recorrente a sua força probatória é apreciada livremente pelo tribunal - art. 396º do Código Civil -, decidindo os juízes do julgamento “segundo a sua prudente convicção” - art. 655º, nº 1 do Código de Processo Civil - , dado que, como referido, a lei não exige para a prova daqueles factos, qualquer formalidade especial” - art. 655º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Assim, os únicos factos que resultam do documento particular de fls. 110 – acta n.º 2 – é de que se realizou tal reunião extraordinária com a ordem de trabalhos aí indicada e que a proposta de destituição da autora de gerente, foi aprovada com 75% dos votos.
Nada mais, nomeadamente que as razões invocadas para a sua destituição se verificassem - não podemos esquecer que a (in)existência de justa causa da destituição do gerente, apenas releva para efeitos do direito à indemnização, não tendo qualquer repercussão quanto à...
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