Acórdão nº 1275/12.8TBACB-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIMÕES
Data da Resolução28 de Maio de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No 2.º juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, A..., S.A.

pessoa colectiva e número único de matrícula ..., com sede na ..., em Lisboa, veio intentar acção especial de insolvência contra B..., S.A., pessoa colectiva e número único de matrícula ..., com sede na ..., Alcobaça.

Alegou para tanto, e em síntese, ser credora da requerida pela quantia de € 338.951,86, por via da celebração de um contrato de mútuo (regularização), mediante o qual lhe emprestou a quantia de € 308.000,00, pelo prazo de 5 (cinco) anos, tendo-se a mutuária obrigado a reembolsar a quantia mutuada nos termos previstos no referido contrato.

Mais alegou que a primeira prestação do contrato não foi cumprida, nem qualquer outra das que se venceram posteriormente, vindo a requerente, em consequência, a instaurar contra a requerida, em 21.12.2011, acção executiva para pagamento de quantia certa, a qual corre termos pelo mesmo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça com o n.º 2734/11.5TBACB. Aqui foram penhorados vários imóveis, cujo valor, contudo, é manifestamente inferior aos montantes em dívida, tanto mais que existem outros credores.

Concluindo encontrar-se a requerida em situação de insuficiência patrimonial, sem meios próprios que lhe permitam liquidar os seus débitos, verificando-se a previsão das als. a) e b) do n.º 1 do art.º 20.º e 3.º, n.º 1 do CIRE, pede seja decretada a insolvência.

* Regularmente citada, a requerida deduziu oposição e, tendo-se defendido por excepção, invocou a falta de legitimidade da requerente, uma vez que os bens que garantem o seu crédito não se encontram excutidos, não havendo prova da sua insuficiência para satisfazer o crédito exequendo. A assim não ser entendido, sempre a instauração do presente processo seria prematura, o que consubstancia excepção dilatória de conhecimento oficioso, a determinar a absolvição da requerida da instância.

Em todo o caso, sendo o meio próprio para a requerente obter a satisfação do seu crédito a acção executiva em curso, falece o pressuposto do interesse em agir, excepção que caracteriza de peremptória, a determinar a absolvição da ré do pedido, nos termos do art.º 493.º, n.º 3 do CPC.

Em sede de impugnação, identifica os seus credores e montantes em dívida e, concluindo que os bens de que é proprietária excedem largamente o passivo, defende não se verificar fundamento para o decretamento da insolvência.

Por último, imputando conduta processual dolosa e imprópria à requerente, que deduziu pretensão infundamentada tendo, para além do mais, abusado do direito de acção, termina pedindo a condenação desta como litigante de má fé em multa, que reclama exemplar, e indemnização a seu favor, reclamando a este título o montante de € 74 600,00.

* Saneado o processo e julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade activa, seguiram os autos para julgamento, após o que foi proferida sentença, que decretou a insolvência da requerida.

Inconformada, interpôs a requerida tempestivo recurso e, tendo apresentado as suas alegações, rematou-as com as seguintes conclusões: “A- O banco recorrido avançou com o pedido de insolvência da requerida depois de ter avançado com uma acção executiva e de ter excedido em muito a penhora que ali lhe era permitida.

B- No dia imediato ao da elaboração do auto da penhora no processo executivo em causa, depois de, para além dos imóveis dados de hipoteca, terem sido penhorados outros de valor superior a € 2.000.000,00 (dois milhões de euros!), resolveu o banco requerente avançar com a presente acção.

C- Para que se reconheça a insuficiência dos bens dados em garantia, não basta a avaliação desses bens: é indispensável que eles tenham sido excutidos.

D- Só após tal execução, a acção executiva passa a prosseguir no mesmo processo contra o devedor, para completar liquidação do crédito insatisfeito.

E- No âmbito da execução comum n.º 2734/11.5TBACB, só depois de excutidos os oito imóveis dados de hipoteca ao banco ora recorrido e ali exequente é que este poderia nomear outros bens à penhora.

F- Se por via do disposto nos artigos 697.º do Código Civil e 835.º, n.º 1 do Código do Processo Civil, o exequente está inibido de nomear à penhora outros bens, para lá daqueles que lhe foram dados em garantia, enquanto os mesmos não forem excutidos, por argumento de maioria de razão está o mesmo exequente inibido de requerer ao tribunal a declaração de insolvência.

G- Lei que proíbe o menos também proíbe o mais.

H- Por interpretação “a contrario” do artigo 20.º, n.º 2 alínea e) do CIRE, o credor exequente, enquanto não for verificada no processo executivo a insuficiência dos bens penhoráveis do devedor, não pode vir ao tribunal pedir a declaração de insolvência do mesmo.

I- Sobretudo quando, por via da penhora abusiva de outros imóveis da recorrente e até de terceiros, que não apenas os admitidos pelo artigo 697.º do Código Civil, foram penhorados mais nove prédios muito valiosos àquela pertencentes.

J- Por via do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea e), do CIRE fica demonstrada a falta de legitimidade do recorrido para a presente causa.

K- E, ainda que se entenda não se tratar de uma questão de legitimidade, sempre estaremos perante uma prematuridade da acção.

L- Sempre a requerente careceria de interesse em agir na presente causa, uma vez que nos autos de execução comum n.º 2733/11.5TBACB dispunha de bens de valor mais do que suficiente para o efeito.

M- A falta de interesse em agir ou, de outro modo, a desnecessidade de recorrer ao presente procedimento, consiste numa completa ausência da necessidade justificada, razoável e fundada de recorrer ao processo.

N- Afirmar-se que “a última prestação de contas data de 19/10/2011, donde poderá concluir-se pela eventual cessação (da) actividade” constitui um sofisma.

O- Já a afirmação de que “verificou-se a inexistência de bens penhoráveis suficientes para pagamento do crédito do requerente, circunstância essa que foi apurada na competente acção executiva que o requerente oportunamente intentou contra a requerida, como ficará demonstrado”, constitui uma mentira.

P- O banco recorrido litiga de má-fé.

Q- O banco recorrido deduziu pretensão cuja falta de fundamento não poderia ignorar.

R- O banco requerente alterou a verdade dos factos e omitiu outros factos relevantes.

S- O banco requerente praticou uma omissão grave do dever de cooperação.

T- Fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal.

U- O direito subjetivo é concedido para que seja útil para o próprio (função pessoal) ou para a sociedade (função social): não para que seja exercido de modo emulativo ou gratuitamente danoso.

V- Os direitos subjetivos são atribuídos aos titulares respetivos com um quadro teleológico e axiológico. Caso o titular ignore ou ultrapasse tal quadro, já não há direito “proprio sensu”. A sua atuação surge como ilegítima.

X- A atuação do banco recorrido foi inequivocamente dolosa.

Y- Se comportamentos processuais como os dos presentes autos são censuráveis, são ainda mais censuráveis e inaceitáveis quando vindos de um banco.

Z- Em vez de fazerem valer a sua consciência social e de cidadania, ao invés, caem sobre os devedores como autênticos abutres, lançando mão de todos os meios legais ao seu dispor.

AA- O tribunal “a quo” avaliou os imóveis supra referidos, propriedade da recorrente, em dois milhões e quinhentos e dez mil euros, quase o dobro do seu passivo, e nessa avaliação ainda ficaram alguns de fora (mais cinco prédios destinados a construção, sitos em ...).

AB- O tribunal “a quo” tinha de ter dado por provado que a requerida é proprietária de cinco prédios rústicos situados em área urbana da freguesia de ....

AC- A prova da propriedade de tais imóveis foi feita pela requerida ora recorrente pelo documento n.º 8 da oposição.

AD- Tal documento constitui prova plena da existência de tais bens.

AE- O juiz da causa deve interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes e fazer o exame crítico das provas que lhe cumpra conhecer.

AF- Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CIRE “cessa o disposto nos números anteriores (ou seja, deixa de se considerar a pessoa colectiva em situação de insolvência) quando o activo seja manifestamente superior ao passivo”.

AG- A recorrida não é uma sociedade insolvente, por o seu activo ser manifestamente superior ao seu passivo.

AH- O tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação da lei, decidindo contra o estabelecido no artigo 3.º, n.º 3 do CIRE.” Concluindo terem sido violados os artigos, 3.º, n.º 3, 20.º, n.º 1 e 22.º do CIRE, 334.º, 371.º e 697.º do Código Civil e 2.º, n.º 2, 266.º-A, 456.º, n.º 1, 457.º, n.º 1, alíneas a) e b), 493.º, n.º 2 e 494.º, 495.º, 659.º, n.º 2 e n.º 3, 668.º, n.º 1, alínea d) e 835.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pretende a revogação da sentença proferida.

* Contra alegou o banco requerente, pugnando naturalmente pela manutenção do julgado.

* Assente que pelas conclusões se delimita o objecto do recurso (cfr. art.ºs 684 n.º 3 e 685.º-A do CPC), são as seguintes as questões a decidir: i. da ilegitimidade da requerente ou, quando assim não se entenda, da excepção dilatória da falta de interesse em agir (a tal excepção sendo de reconduzir a também invocada “prematuridade da acção”) (conclusões de A) a M); ii. do erro de julgamento, por errada interpretação do art.º 3.º, n.º 3, 20.º, n.º 1 e 22.º do CIRE (conclusões AA) a AH); iii. da má fé da requerente (conclusões N) a Z); * A apelada suscitou, a título de questão prévia, a omissão de pagamento pela apelante da taxa de justiça devida, uma vez que esta, ao contrário do que invoca, não beneficia da isenção concedida pela al. u) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP.

A este respeito cumpre lembrar que, apesar da sentença que decretou a insolvência da apelante não ter ainda transitado em julgado, ao recurso interposto foi atribuído o efeito meramente devolutivo, em conformidade com o que dispõe o art.º 14.º n.º 5 do CIRE. Deste...

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