Acórdão nº 3652/11.2TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelFALCÃO DE MAGALHÃES
Data da Resolução10 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório: A) – C…, residente na …, intentou, em 21/06/2011, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Banco P…, S.A.

, com sede …, pedindo que o réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia global de € 32.963,68, acrescida dos juros vincendos respectivos, desde a citação até integral e efectivo pagamento, sendo que, dessa quantia, peticionou € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Alegou, para tanto, em síntese, que: - No período temporal de 20.11.2008 a 16.07.2009, E… e R… depositaram, na conta de que eram titulares no Banco réu, vários cheques sacados sobre a conta do Banco P… de que é titular o autor, cujos valores nominais e nome dos destinatários se encontravam adulterados; - No referido período, E… era trabalhadora da “U…”, da qual o autor era director, incumbindo-lhe preencher cheques por ordem deste, que depois lhe apresentava para que os assinasse, informando-o dos pagamentos a que se destinavam. Após, incumbia-lhe, também, enviá-los pelo correio, ou entregá-los aos respectivos destinatários; - Em Fevereiro de 2010 constatou a emissão e descontos de cheques de valor superior aos assinados e aos pagamentos a que se destinavam e que vários deles haviam sido depositados nas contas de E… e R…, sendo que, em alguns casos, estes apropriaram-se da totalidade dos montantes em causa e noutros, após efectuarem o pagamento a que se destinavam, ficaram com o respectivo remanescente; Concluiu pela responsabilidade do réu, com fundamento na falta de verificação pela sua parte, da validade e conteúdo dos cheques, bem assim como das medidas e procedimentos necessários a aferir da legitimidade das ordens de pagamento.

O réu contestou, alegando, em síntese, que: - O autor não usou o cuidado exigível na utilização do cheque como meio de pagamento, uma vez que confiou cegamente na sua colaboradora, deixando a cargo desta quer o preenchimento dos cheques em causa, quer a sua entrega aos respectivos beneficiários, situação esta que se prolongou por oito meses; - A adulteração, quer dos algarismos, quer do extenso é imperceptível, não sendo exigível ao funcionário do réu que recebeu os cheques que a identificasse, o mesmo sucedendo com a falta de espaço entre palavras e o encavalitamento verificados; - Tal adulteração, por outro lado, terá sido feita pela mesma pessoa que efectivamente preencheu o cheque de início, provavelmente até utilizando a mesma caneta; - Os danos não patrimoniais invocados não foram causados pela sua conduta, resultando antes da actuação da colaboradora do Autor.

Concluiu pela improcedência da acção, com a sua, consequente, absolvição do pedido.

  1. - Seguindo o processo os ulteriores termos, realizada que foi a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o réu a pagar ao Autor: I- A quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da presente sentença, à taxa de 4% até efectivo e integral pagamento; II- A quantia a apurar no que vier a ser liquidado correspondente ao montante global que E… e R… fizeram seu mediante apresentação a pagamento dos cheques referidos nos factos 11, 15, 17, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 36, 38, 40, 43 e 46, com o limite de € 22.963,68 a que acrescerão juros de mora, desde a citação, à taxa de 4% desde 01.05.2003 até efectivo e integral pagamento.

  2. - Inconformado, o Réu recorreu desta decisão, tendo, a findar as alegações desse seu recurso - que foi recebido como Apelação, com efeito meramente devolutivo -, oferecido as seguintes conclusões: … Terminou do modo que ora se transcreve: “Termos em que se requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida por não se encontrarem preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar relativamente ao banco recorrente.

    Ainda que assim não se entenda, deverá ser sopesada, segundo juízos de equidade, a culpa do lesado na verificação dos danos.

    Mesmo que assim não se entenda, não deverá considerar-se que os danos não patrimoniais foram causados pela actuação do Banco Recorrente.

    De todo o modo, não poderá ser remetida para execução de sentença a prova dos danos que não foi feita em sede de acção declarativa”.

    O Apelado, na resposta, pugnou pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão da 1ª Instância.

  3. - Em face do disposto nos art.ºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

    Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586[2]).

    Assim, a questão a resolver consiste em saber se o réu deveria ter sido condenado a indemnizar o autor, designadamente, nos termos decididos na sentença recorrida.

    II - Fundamentação: Os factos: ...

    O direito: Na sentença, a nosso ver, bem, entendeu-se que “…não sendo o autor cliente do banco réu, a eventual responsabilidade deste nunca poderá ser apreciada à luz da responsabilidade contratual, por violação de qualquer obrigação derivada de um contrato, mormente de depósito ou de qualquer convenção de cheque…”, tendo-se concluído, depois, que tal apreciação seria levada a efeito à luz da responsabilidade aquiliana ou extracontratual.

    O Apelante sustenta que a sua responsabilidade, a existir, sempre teria de ser enquadrada na responsabilidade pelo risco, nos termos do artigo 500º do Código Civil, uma vez que ao aceitar os cheques para depósito “agiu através do seu funcionário da agência bancária.” Vejamos.

    Uma instituição bancária, nos actos que pratica no seu giro diário, designadamente no que se refere aos procedimentos relativos aos cheques que recebe nas suas agências, age por intermédio dos seus empregados, pelo que, segundo nos parece, não pode deixar de ser responsabilizada directamente pelas consequências danosas causadas a terceiros dos ilícitos civis daqueles que, assim, actuando na execução das tarefas que, no âmbito das suas competências funcionais, lhes incumbiu, lhe servem, afinal, de instrumento.

    Assim, não se vê que sendo os procedimentos seguidos pelos empregados do Réu relativamente aos cheques enquadráveis em ilícitos civis, não possa ser imputada a este a obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito, conforme se decidiu na sentença recorrida.

    No Acórdão desta Relação, de 03-03-2009 (Apelação nº 755/03.0TBTNV.C1), em que foi 2º Adjunto o ora relator, não obstante versar factos com contornos diferentes daquele que ora se analisa, mas onde, em todo caso, o procedimento em causa fora levado acabo, evidentemente, pelo funcionário da entidade bancária aí em causa - valendo “mutatis mutandis” para o que ora se procura demonstrar -, não se deixou de considerar a responsabilidade desta no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, dizendo-se entre o mais: «…O portador, que não é parte na convenção de cheque, não tem acção contra o Banco sacado, apenas podendo accionar em via de regresso os signatários do título: o sacador e os eventuais endossantes e avalistas”.

    Daí, que a questão da responsabilidade de um banco face ao beneficiário tomador do cheque seja equacionada, por António Menezes Cordeiro, nos seguintes termos: “[…] Não há – salvo dolo ou abuso de direito – qualquer relação entre o portador ou beneficiário de um cheque e o banqueiro, a menos que a convenção de cheque tenha sido...

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