Acórdão nº 1/12.6GBMMV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelLUÍS RAMOS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal 1) Absolver o arguido A...

da prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, pelo qual vinha acusado.

2) Condenar o arguido A...pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de 04 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual prazo, sob regime de prova; nos termos que forem considerados adequados no momento da elaboração do plano de reinserção social pelos respectivos serviços, sujeito a homologação judicial, e ainda às obrigações, deveres e regras de conduta de: abster-se do consumo de drogas; não acompanhar pessoas sobre as quais recaia suspeita relacionada com tráfico ou consumo de produtos estupefacientes; não frequentar estabelecimentos onde exista tráfico ou consumo de produtos estupefacientes; procurar activamente uma ocupação profissional; sujeitar-se a acompanhamento social e psicológico; responder às convocatórias que lhe forem feitas pelos serviços de reinserção social; receber as visitas do técnico de reinserção social e prestar-lhe todas as informações solicitadas; e informar o técnico de reinserção social sobre as alterações de emprego e de residência.

(…) 4) Declarar perdidos a favor do Estado todos os produtos estupefacientes apreendidos.

5) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos indicados na fundamentação.

6) Ordenar a devolução dos telemóveis apreendidos ao arguido.

7) Ordenar a devolução do automóvel com a matrícula (...)JN à proprietária C....

Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição): 1. Recorre-se do douto acórdão do Tribunal de Círculo da Figueira da Foz, proferido a 2013-03-20, constante dos autos de Processo Comum Colectivo n.º 1/12.6GBMMV, do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho.

2. O recurso é restrito à matéria de direito.

3. Salvo o devido respeito, entende o M.P. “ que, face à factualidade provada, a conduta do arguido A...integra o crime de tráfico de estupefacientes, do artigo 21º, n. ° 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que lhe foi imputado na acusação, e não o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, do artigo 25°, alínea a), do mesmo diploma legal, por que veio a ser condenado.

4. Nos autos evidencia-se, para além da demais prova documental resultante dos Relatórios de Vigilância, da transcrição de imagens e Relatório Fotográfico (Anexo A) e da transcrição dos diversos conteúdos dos telemóveis apreendidos ao arguido e listagem dos contactos efetuados com utilização de tais telemóveis (Anexos B e C), que o arguido mantinha contactos permanentes com compradores/consumidores de cocaína e de heroína, que o procuravam para o efeito, desenvolvendo um verdadeiro comércio retalhista “ e de forma empiricamente organizado.

5. A natureza das substâncias, o “modus operandí”, a intensidade da conduta dolosa têm de ser entendidos no âmbito da comprovada atuação global do arguido, toda ela ligada á venda e distribuição de heroína e cocaína, com vista à obtenção de proventos económicos e modo de vida exclusivo.

6. Salvo o devido respeito, não há razões que fundamentem a integração dos factos provados num crime de tráfico de menor gravidade, nos termos definidos no art.º 25° do DL n.º 15/93, de 22/01, uma vez que a ilicitude não se mostra consideravelmente diminuída.

7. Ao invés, a factualidade provada integra a previsão do art.º 21º do referido diploma legal.

8. O Tribunal a quo parte de premissas não comprovadas e de circunstâncias que se prendem com a determinação concreta da pena (art.º 71º) para fundamentar a “ilicitude diminuída” e não dos factos provados para a avaliar.

9. A ausência de antecedentes criminais, a situação pessoal e familiar do arguido são circunstâncias que podem e devem ser atendidas na determinação da medida da pena, mas não na tipificação jurídica da conduta, sendo certo que aqueles fatores mostram-se relevantes para se defender a sua condenação pelo limite mínimo que cabe à previsão do art.° 21º do DL 15/93, mas não se confunde com a avaliação da ilicitude das condutas dolosas cometidas.

10. As quantidades de estupefaciente, a quantia monetária, os bens/objetos apreendidos numa só revista, numa só busca domiciliária e ao veículo de matrícula (...)JN, conjugados com as movimentações do arguido, aliadas aos relatórios de vigilância e à listagem dos contactos telefónicos efetuados com os telemóveis do arguido, aprendidos nos autos, são elucidativas da movimentação e proventos do negócio, que permitiam ao arguido sustentar um agregado familiar composto por si e pela companheira (ambos desempregados e sem auferirem quaisquer subsídios), bem como por dois menores.

11. Provou-se que o arguido nunca foi consumidor de cocaína, nem de heroína, não confessou os factos em julgamento, não demonstrou arrependimento e o Tribunal a quo valorou positivamente o seu depoimento prestado em sede de primeiro interrogatório de arguido detido, onde perante o JIC confessou que a prática do crime de tráfico de estupefacientes surgiu aos seus olhos como solução para os problemas financeiros que atravessava - dívidas acumuladas e desemprego do casal.

12. A atividade delituosa do arguido não se compara a outras situações conhecidas em juízo e transmitidas pelos meios de comunicação social, que vão revelando casos de transporte de toneladas de drogas duras, mas também por isso é que a moldura penal do ilícito do art.º 21º do DL 15/93 prevê uma moldura abstrata de 4 a 12 anos prisão, 5 a 15 e 1 a 5 (neste caso, dependente das características do produto), de acordo com as circunstâncias e agravado por aqueles outros que se encontram enunciados no art.º 24º do mesmo diploma legal.

13. No caso concreto, provou-se que o arguido, pelo menos, de Fevereiro de 2012 e até 25 de Abril do mesmo ano (porque foi detido) dedicou-se á venda de produtos estupefacientes - heroína e cocaína - que, após adquirir em quantidades não apuradas, transportava para a sua residência, em Montemor-o-Velho, onde habitava com a companheira e dois menores, e ali procedia ao corte, pesagem, separação e acondicionamento, conseguindo dessa forma encher vários pacotes, que vendia a quem os quisesse adquirir, mediante pagamento pelos adquirentes, usualmente consumidores da baixa de Coimbra (imediações da Estação de Comboios de Coimbra - A, parqueamentos limítrofes à margem direita do Rio Mondego, e junto à estação Rodoviária, na Avenida Fernão de Magalhães) para onde se deslocava, após prévio contacto telefónico para os telemóveis apreendidos nos autos, fazendo-se transportar no veículo automóvel de matrícula (...)JN, também apreendido nos autos.

14. É a própria matéria de facto provada que permite estabelecer o nexo de causalidade adequada entre a utilização dos telemóveis/veículo automóvel de matrícula (...)JN e a atividade delituosa praticada pelo arguido.

15. Razão pela qual os telemóveis e o veículo automóvel, apreendidos nos autos devem ser declarados perdidos a favor do Estado, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 35° a 38° do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro e 7°da Lei n.º 5/2002, de 11/01.

16. O conjunto de factos dados por provados é de todo incompatível com o grau menor de ilicitude exigido pela previsão típica do artigo 25°, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

17. Acresce que tendo o crime de tráfico de estupefacientes consequências sociais e de saúde pública tão graves, só quando da factualidade provada resultar que a ilicitude se encontra consideravelmente mitigada é que será possível enquadrá-la no tráfico de menor gravidade, o que não é manifestamente o caso dos autos.

18. O crime de tráfico de estupefacientes constitui um crime de perigo abstracto ou presumido, consumando-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico-penalmente protegido (a saúde pública, quer fisica, quer moral), não se exigindo, assim, para a sua consumação a existência de um dano real e efectivo.

19. Entrando numa análise sucinta dos elementos do tipo do artigo 21°, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, dir-se-á que são elementos típicos do tipo objectivo do ilícito em análise: a prática não autorizada de qualquer das actividades descritas no normativo citado; a não verificação de detenção da substância estupefaciente com finalidade de consumo pessoal exclusivo; a existência de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I, II e III.

20. No que concerne ao elemento subjectivo, é necessário o dolo genérico, consistente na vontade de desenvolver sem autorização e sem ser para exclusivo consumo próprio, as actividades descritas no tipo objectivo, e a representação e o conhecimento por parte do agente da natureza e características estupefacientes do produto objecto da acção e uma actuação deliberada, livre e consciente da proibição da conduta empreendida.

21. Assim apresentado o crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21°, n.º l, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, forçoso é concluir estarem reunidos os pressupostos de que depende a sua imputação ao arguido A....

22. Tem-se por inquestionável, também, em face dos factos provados, o dolo directo do arguido - artigos 13° e 14°, n''L, ambos do Código Penal.

23. A matéria de facto provada é de todo incompatível com o grau menor de ilicitude exigido pela previsão típica do artigo 25°, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

24. Acresce que a actuação isolada do arguido, por sua conta e risco, não constitui, em si, índice de que a ilicitude do tráfico que praticava deva considerar-se diminuída e, muito menos, consideravelmente diminuída, como exige o artigo 25° a que se aludiu. É que, como se considerou no Acórdão do STJ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT