Acórdão nº 282/12.5TBOHP.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução18 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

A… pediu ao Sr. Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira do Hospital que condenasse a Companhia de Seguros A…, SA: 1.

A reconhecer que o contrato de seguro firmado entre o A e o R cobria o risco de incêndio para conservação ou integridade do veículo automóvel seguro; 2.

A reconhecer que, tendo em consideração que entretanto o Autor foi obrigado a adquirir a propriedade do bem ardido, pagando o seu valor à Financeira, lhe assiste o direito de receber da Ré o valor do capital seguro em consequência do sinistro / incêndio da viatura; 3.

A pagar-lhe o valor do capital seguro, em 21.139,99€, apenas abatido em 1.500€, dada a antiguidade, mas sem qualquer abate do valor do salvado, reconhecendo a Ré que o Autor o teve que utilizar em virtude do incumprimento definitivo daquela, ou, subsidiariamente: 4.

A reconhecer de que do seu incumprimento na entrega do valor ou capital seguro resultaram prejuízos para o Autor, correspondentes ao valor das prestações durante o tempo contratual e até final do contrato com a financeira, por o Autor estar obrigado a cumprir com esta, prejuízos esses extensivos ao não uso e imobilização da viatura durante todo o tempo entre o sinistro e o recebimento da nova; 5.

A indemnizar o Autor de todos os valores despendidos, como 15 prestações à financeira, no valor de 3.388,65€, mais os valores finais pagos, em 7.957,31€, ou seja, em 11.345,96€, pagando-lhe ainda indemnização de 20€ dia por não poder usar o veículo; 6.

A pagar-lhe o valor do dano moral no pagamento do valor do dano moral, que se computa em 3000€, e juros de todos os montantes contados da citação até integral liquidação, incluindo honorários de advogado que estejam a coberto da apólice em virtude do Regulamento das Custas Processuais.

Fundamentou estas pretensões no facto de ter celebrado com S…, simultaneamente, um contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor e um contrato promessa de compra do veículo automóvel Seat Leon 1.4. …-88, acompanhado de penhor, e com a ré um contrato de seguro que incluía os danos próprios por incêndio, pelo preço total de € 21.139,99; de no dia 10 de Fevereiro de 2010 aquele veículo ter ardido, continuando a pagar as prestações ao financiador; de no dia 23 de Fevereiro de 2010 a ré lhe ter comunicado que o veículo sofrera prejuízos de que resultou a sua perda total, dando-lhe o valor, com a entrega do salvado, de € 12.400,55; de, na sequência de reclamação que formulou junto do vendedor e do fabricante, a Seat lhe ter entregado, em Junho de 2011, uma viatura nova e de, entre 10 de Fevereiro de 2010 e 11 de Maio de 2011, ter pago todas as prestações, despesas de finalização e valor por antecipação, no montante de € 7.957,31, não tendo o uso do veículo nem a sua disponibilidade.

A ré defendeu-se alegando que o veículo objecto do seguro, inutilizado pelo sinistro, já foi substituído por veículo idêntico, de valor superior, pelo que não há que proceder, de novo, à sua substituição ou ao pagamento do seu valor; que se tivesse indemnizado o autor ao abrigo da cobertura relativa ao incêndio, este teria recebido apenas a quantia de € 12.400,55, ficando o salvado para si, e teria de o ter sub-rogado nos seus direitos, o que já não pode fazer, uma vez que aquele já os exerceu junto do fabricante do veículo, e que o contrato de seguro não inclui qualquer cobertura relativa a indemnização por paralisação do veículo ou por danos morais.

Instruída, discutida e julgada a causa, a sentença final decidiu: Reconhecer e condenar a Ré a reconhecer que o contrato de seguro firmado entre ela e o Autor, identificado nas alíneas e) e f) da materialidade cobria o risco de incêndio para conservação ou integridade do bem seguro, neste caso veículo a que se refere o mesmo contrato e apólice; julgar os restantes pedidos improcedentes e consequentemente absolver de tal pedido a Ré Companhia de Seguros A… É esta sentença que o autor impugna através do recurso ordinário de apelação no qual pede a sua alteração por outra que condene a seguradora a pagar o valor do capital seguro, deduzido do valor do salvado, acrescido ainda do valor do prejuízo causado, pela privação do bem, em valor idêntico ao aluguer mensal durante a privação, bem como o dano moral.

O recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões: ...

Na resposta a apelada concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

  1. Factos provados: ...

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação de ambas as partes, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se a aquela decisão deve ser revogada e substituída por outra que vincule a apelada ao dever de prestar ao recorrente o valor do capital seguro, subtraído do valor do salvado, e ao dever de reparar o dano de privação do uso do veículo automóvel seguro, correspondente ao valor do aluguer mensal de um veículo, e o dano não patrimonial suportado por aquele.

    A resolução deste problema vincula, naturalmente, ao exame do conteúdo contrato de seguro, dos pressupostos do dever de reparação do dano da privação do uso e do dano não patrimonial.

    3.2.

    Conteúdo contrato de seguro, pressupostos do dever de reparação do dano da privação do uso e do dano não patrimonial.

    Se há realidade que se tem por indiscutível é a de que entre o recorrente e a apelada foi concluído um contrato típico e nominado de seguro.

    Diz-se contrato de seguro o contrato pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco de verificação de um dano, na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração. A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro, a que assume esse risco e percebe a remuneração – prémio – diz-se segurador; o dano eventual é o sinistro; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida é o segurado – que pode ou não coincidir com o tomador do seguro (artºs 426 e 427 do Código Comercial).

    Enquanto o segurador e o tomador do seguro assumem, por definição, a posição de partes num contrato de seguro, outras pessoas podem ocupar a posição de parte ou de terceiro nesse mesmo contrato. Entre estas avulta, evidentemente, a figura do segurado – o sujeito que se situa dentro da esfera de protecção directa e não meramente reflexa do seguro, de quem pode afirmar-se que está coberto pelo seguro. O segurado é, portanto, aquele por conta de quem o tomador celebra o seguro. Nos casos subjectivamente mais simples, o segurado será o próprio tomador do seguro, o tomador-segurado; nos demais casos, estar-se-á face a um ou mais terceiros-segurados. Numa palavra: o segurado não é, necessariamente, quem contrata o seguro, mas sim quem por ele fica coberto.

    O risco é, evidentemente, o elemento nuclear do seguro: não há seguro sem risco. O sinistro, por seu lado, corresponde à verificação, no todo ou em parte, dos factos compreendidos no risco assumido pelo segurador. O universo de factos possíveis, previstos no contrato de seguro, cuja verificação determinará a realização da prestação por parte do segurador, representa a cobertura-objecto do contrato; o estado de vinculação do segurador, durante o período convencionado no contrato, conducente à constituição de uma obrigação da prestar, em caso de ocorrência daqueles factos, representa a cobertura-garantia.

    A delimitação daquele universo de factos – que compõem a cobertura-objecto – é feita, em regra, segundo a técnica da definição primária da chamada cobertura de base e da subsequente descrição de sucessivos níveis de exclusões. No caso, por exemplo, dos seguros de responsabilidade civil, pode delimitar-se o âmbito de cobertura a partir de uma pessoa – v.g., responsabilidade civil geral – de uma coisa – v.g., uma automóvel. Mas essa delimitação pode não se ficar por aí: após a fixação da pessoa ou da coisa que servirá de ponto de referência ao seguro, bem como os interesses que se cobrem, podem seguir-se outros níveis, sucessivamente mais precisos, de delimitação. Assim pode, por exemplo, descrever-se as circunstâncias em que poderá ocorrer o dano, v.g., a actividade profissional desenvolvida pelo segurado.

    Estas exclusões não são, em princípio, cláusulas de exclusão da responsabilidade – mas regras que definem o âmbito de cobertura do seguro. Essa delimitação pode ser feita positiva e negativamente, e dentro da delimitação negativa, através de exclusões objectivas – v.g., guerra – ou subjectivas, como por exemplo, o sinistro deliberadamente provocado. O que não é lícito é, através das exclusões, desvirtuar o objecto do contrato, i.e., modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de contrato de seguro celebrado[1].

    O Código Comercial falava em seguros contra riscos. Mas esta expressão devia ser entendida no sentido actual de danos: seguros contra danos. Em sentido amplo e próprio, o risco assumido, pelo contrato de seguro, pelo segurador, é o de qualquer evento futuro, aleatório na sua verificação ou no momento da sua verificação e que obrigue aquele a satisfazer determinada prestação. Verificado o sinistro, o segurador deve pagar ao segurado o capital seguro, até ao limite do dano, ou para usar a linguagem corrente, juridicamente pouco rigorosa, a indemnização.

    Descritivamente, o contrato de seguro é oneroso, sinalagmático e aleatório, visto que implica um esforço económico de ambas as partes, a remuneração paga por uma delas liga-se à vantagem proporcionada pela outra e a atribuição dessa vantagem depende de um facto alheio à vontade de...

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