Acórdão nº 18/13.3TAVLF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data da Resolução18 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do proc. n.º 18/13.3TAVLF, que corre termos pelo Tribunal Judicial de Celorico da Beira, em que figura como participante, entre outros, a ora assistente A...

e como participadas B...

, C...

, D...

e E...

– instaurado na sequência da «denúncia» apresentada pela primeira contra as demais pela prática de um crime de falsas declarações perante oficial público - finda a fase de Inquérito, foi proferido despacho de arquivamento com o fundamento na declaração de inconstitucionalidade do artigo 97.º do Código do Notariado, por violação do artigo 29.º, n.º 1 da CRP, levada a efeito pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 379/2012, publicado no D.R., 2.ª Série, de 21.09.2012.

  1. Não conformada com o dito arquivamento, requereu a participante a constituição como assistente e, bem assim, a abertura da fase de Instrução em ordem à pronúncia das identificadas arguidas pela prática, em autoria e comparticipação, de um crime de falsificação previsto nas alíneas d) e e), do n.º 1, do artigo 256º do Código Penal e punido pelo n.º 3 da mesma disposição legal.

  2. Realizada a instrução, por decisão instrutória registada/depositada em 03.07.2013, foi proferido despacho de não pronúncia.

  3. Inconformada com o assim decidido recorreu a assistente, extraíndo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. A decisão instrutória de não pronúncia das arguidas merece censura, evidenciando erro notório de apreciação dos factos e da prova, sendo contrária às regras e normas do direito e aos ensinamentos da doutrina e jurisprudência consagradas e aplicáveis à falsificação em documento, juridicamente relevante.

  4. O Juiz de instrução, tal como o evidencia a fundamentação vazada na decisão instrutória de não pronúncia, relevou apenas, tal como já o fizera o MºPº no inquérito, o itinerário da actividade delituosa das arguidas, até à realização da escritura pública notarial de justificação, de 16 de Fev. de 2009, como se as declarações falsas dos factos que na mesma escritura foram produzidas, tivessem, qual nado morto, perecido na mesma escritura, quando ao invés, a sua sobrevivência e vitalidade assumiu jurídica relevância para permitir modificar uma relação jurídica, desvalorizando a decisão instrutória que tais falsas declarações permitiram a modificação do registo predial de prédio urbano, único bem imóvel da herança indivisa aberta por óbito do marido da arguida B..., F...

    falecido em 18.05.1993, sito na ..., freguesia da Açoreira, concelho de Torre de Moncorvo, inscrito na matriz sob o artigo x..., conduzindo à presunção do direito de propriedade, como bem próprio da arguida B..., e a consequente alienação por esta a terceiros, em 03/07/2009, pelo preço e condições que bem entendeu, causando prejuízo aos interesses da herança e dos demais herdeiros.

  5. É apodíctico, que as arguidas ao declararem nos termos que constam da referida escritura de justificação notarial, factos que bem sabiam não corresponderem à verdade, fizeram crer ao Notário em exercício de funções no Cartório Notarial que as declarações que prestavam eram verdadeiras, logrando assim, que fosse lavrada a escritura com tais declarações de modo a que, com base na presunção do direito de propriedade assim alcançado pela arguida, B..., pudesse ser feito, como foi, o registo do prédio a favor desta arguida, vendendo-o posteriormente a terceiros, pelo preço e condições que entendeu.

    4. Tendo todas as arguidas perfeita consciência da falsidade das suas declarações, bem sabendo que o prédio urbano referido na escritura notarial de 16 de Fevereiro de 2009, nunca foi doado à arguida B... no estado de solteira, sendo sim bem comum dela e de seu marido F... e por ambos construído de raiz, na constância do matrimónio do qual frutificaram 10 filhos, sendo bem comum do casal e por isso fazendo parte integrante da herança indivisa, aberta por óbito do mesmo marido, ocorrido em 18.05.1993.

  6. As arguidas com a sua actuação, puseram em causa a credibilidade e segurança do tráfico jurídico probatório, tendo agido deliberada, livre e conscientemente em benefício e vantagem da arguida B..., e em prejuízo da herança indivisa e dos demais herdeiros, nos quais se inclui a assistente e ora recorrente.

  7. Tendo sido aceite pelo tribunal de instrução, a matéria de facto, reconhecendo o Mº juiz ser a questão a dirimir apenas de Direito, atento o princípio da suficiência do processo penal, a mesma deve ser resolvida no foro penal e não civil, dado encontrarem-se preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime de falsificação p. e p. pelo n.º 1, alínea d), e nº 3, do artigo 256º do C. Penal.

  8. Não sendo despiciendo salientar, face à fundamentação vertida na decisão instrutória recorrida, que a declarada inconstitucionalidade proclamada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 379/2012, da norma do artigo 97º do Código de notariado, não branqueou, nem transformou em verdadeiras, as narrações ou declarações falsas inseridas em documento notarial, as quais continuam a ser falsas, pois não foi, obviamente, a mentira que foi declarada impune e inconstitucional.

  9. A declarada inconstitucionalidade da norma do artigo 97º do Código do Notariado, não impede que a conduta das arguidas não deva continuar a ser analisada e valorada dentro do universo da ilicitude do crime de falsificação – já que não foi a mentira que foi declarada inconstitucional -, em ordem ao apuramento, que se impõe, se da conduta das arguidas não emergem ou concorrem, sérios indícios da mesma integrar a prática de outro crime enquadrável na actividade delituosa de falsificação, a merecer autónoma incriminação, pois que a decidida inconstitucionalidade não arrastou, nem determinou, como é óbvio, a impunidade automática e absoluta das falsas narrações inseridas em documento notarial, as quais constituem falsificação desde que sejam aptas a produzir uma alteração no mundo do Direito, alteração esta que intencional e indubitavelmente, ocorreu no caso concreto.

  10. Importando acentuar que de documento falso se trata, quando não corresponde à realidade, seja na sua génese ou fabrico falso, seja na alteração de documento verdadeiro – falsificação material -, seja com a falsificação do conteúdo de documento, através da integração de declaração escrita não conforme à realidade – falsificação ideológica ou intelectual, na qual se enquadra a falsidade em documento.

  11. Falsidade em documento, em que se integram os casos em que se presta uma declaração de facto falso juridicamente relevante, ou seja narração de facto falso apta a permitir uma alteração no mundo do Direito, alteração que no caso concreto se verificou.

  12. A alínea d), do n.º 1, do artigo 256º, do C. Penal, prevê a prática das chamadas “falsificações ideológicas”, as quais, tal como refere Helena Moniz in “Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial”, tomo II, Ed. Coimbra Editora, pág. 676, tornam o “documento inverídico”, nelas se integrando a falsidade em documento em que se presta uma narração de facto falso, juridicamente relevante.

  13. Delineando-se a relevância jurídica da falsidade em documento “sempre que o facto inserto no documento produza uma alteração no mundo do Direito, isto é, que abra ensejo à obtenção de um benefício” – sic – Ac. Rel. De Coimbra de 20.12.2011, Proc. 40/08.1TAPNH.C1, Relator Dr.ª Isabel Valongo in www.dgsi.pt/jtr, no qual se referem, no mesmo sentido, Helena Moniz, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo II, pág. 667 e a jurisprudência dos Acórdãos da Relação de Coimbra de 13.05.2009, Proc. 457/07.9TASCD.C1 (JusNet2903/2009), Relator Jorge Dias; de 07.02.2007, Proc. 1540/05.0TAAVR.C1 (JusNet300/2007), Relator Dr. Esteves Marques e Acórdão da Relação de Guimarães de 16.11.2009, Proc. 1289/06.7TAVCT.G1 (JusNet 7567/2009, Relator Drª Teresa Baltazar, in www.dgsi.pt.

  14. Constituindo benefício ilegítimo toda a vantagem patrimonial ou não patrimonial que se obtenha do acto de falsificação ou do acto de utilização de documento falsificado, sendo o bem jurídico protegido pelo crime, a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, ou seja o valor probatório dos documentos em geral e particularmente dos enunciados no n.º 3 do artigo 256º, do C. Penal – cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, págs. 680 a 685.

  15. Sempre que a declaração falsa inserida em documento, seja idónea a provar ou servir como meio de prova de facto juridicamente relevante, existe falsificação de documento, tal como incontornável e inequivocamente, se assiste no caso das declarações das arguidas inseridas na escritura notarial de 15 de Fevereiro de 2009, que foram aptas e relevantes, a fazer presumir juridicamente, o direito de propriedade exclusiva da arguida B..., sobre o prédio urbano, possibilitando o registo predial em seu nome e a posterior venda a terceiro pelo preço e condições que entendeu.

  16. Contrariamente à fundamentação e sentido da decisão instrutória de não pronúncia das arguidas, os elementos de prova recolhidos, objectivamente valorados de acordo com juízos de normalidade e com as regras da experiência comum, sem perder de vista o seu devido e acertado enquadramento jurídico à luz, dos ensinamentos da consagrada doutrina e jurisprudência, apontam sim, como se julga ter sido demonstrado nestas alegações, para sentido decisório bem diferente, imposto pela existência de sério grau de probabilidade, da prática em autoria, pelas arguidas , do crime de falsificação e da muito provável sua condenação em julgamento.

  17. A pronúncia das arguidas e a sua submissão a julgamento pela autoria do crime de falsificação, p. e p. pelo n.º 1, al. d) e n.º 3, do artigo 256º do Código Penal, apresenta-se como o único sentido decisório a aplicar, no caso concreto, satisfazendo o dever de administração de justiça penal contemplado no n.º 1 do artigo 9º do CPP, e no devido respeito e consonância com estas mesmas disposições...

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