Acórdão nº 423/10.7SAGRD-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelLUÍS RAMOS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra Nos autos supra identificados foi proferida a seguinte decisão instrutória (transcrição das partes relevantes): “A...

, arguido e assistente nos autos, veio requerer a abertura de instrução contra a decisão de acusação proferida pelo Ministério Público, quer na parte em que lhe imputou a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143º/1, do Código Penal (CP), quer na parte em que imputou ao arguido/assistente B...

a prática do mesmo tipo legal de crime.

Assim, na perspectiva do requerente, por um lado, não foram colhidos, durante o inquérito, indícios suficientes da prática do crime que lhe é imputado e, por outro lado, devido à lesão provocada pelo arguido B ..., o requerente teve de ser sujeito a intervenção cirúrgica, porquanto existia arrancamento completo da coifa dos rotadores e a sua retracção, bem como um hematoma extenso fibroso e fractura do rebordo inferior da cavidade glenoide. Foi efectuada acromioplastia, reinserção da coifa dos rotadores com pontos transósseos e imobilização toracobraquial em abdução. À data da abertura de instrução encontrava-se em período de repouso pós-operatório e brevemente iria reiniciar reabilitação com fisioterapia.

Acrescenta que irá ficar com incapacidade para o trabalho, sem força e mobilidade suficiente para a sua actividade de bate-chapas, pelo que a conduta do arguido B ... integra a prática de um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido pelo art. 144º/al b), do CP.

Termina pedindo que seja proferido despacho de não pronúncia em relação a si e que seja proferido despacho de pronúncia em relação ao arguido B ..., imputando-lhe a prática, em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 144º/al b), de um crime de ameaça, previsto e punido pelos arts. 153º e 155º/al b), e de um crime de dano, previsto e punido pelo art. 212º/1, todos do CP.

(…) Contudo, há uma questão prévia que importa analisar e clarificar e que se reporta ao objecto da presente instrução.

Com efeito, tal questão deriva da circunstância do arguido/assistente B ... ter deduzido acusação particular contra o arguido/assistente A ..., imputando-lhe a prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181º/1, do CP, um crime de difamação, previsto e punido pelo art. 180º/1, do CP, um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo art. 365º do CP, e um crime de simulação de crime, previsto e punido pelo art. 366º do CP.

No requerimento de abertura de instrução, o arguido/assistente A ... não faz referência à acusação particular, mas termina pedindo a prolação de um despacho de não pronúncia, pelo que se considera que também os factos que lhe foram imputados na acusação particular fazem parte da pretensão exposta no requerimento de abertura de instrução.

Sendo requerida a abertura de instrução e proferido despacho de pronúncia, é esta decisão instrutória que fixa o objecto do processo, conforme resulta do disposto no art. 311º/2, corpo, do CPP.

Por conseguinte, a presente decisão instrutória terá de incluir e incidir sobre toda a matéria vertida nas peças processuais que, até aqui, cumpriam essa função, designadamente, a acusação pública, a referida acusação particular deduzida pelo arguido/assistente B ... e o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido/assistente A ....

Efectuado este esclarecimento verifica-se, desde logo, quanto à acusação particular, que o arguido A ... não pode ser pronunciado pela prática dos crimes de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo art. 365º do CP, e de simulação de crime, previsto e punido pelo art. 366º do CP, uma vez que são crimes de natureza pública, pelo que a legitimidade para a promoção do processo compete apenas ao Ministério Público – cfr. art. 48º do CPP.

No caso vertente, o Ministério Público não deduziu acusação pública pelos referidos crimes, carecendo o arguido/assistente A ... de legitimidade para o efeito.

Em consequência, nesta parte e pelas descritas razões, impõe-se a prolação de despacho de não pronúncia.

Quanto ao mais, não havendo outras questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da decisão instrutória, torna-se mister proceder à análise da existência ou não de indícios suficientes.

*** Fundamentação de facto e de direito (…) No plano dos factos, consideram-se suficientemente indiciados os factos imputados, na acusação pública, ao arguido B ..., bem como os factos alegados pelo arguido/assistente A ..., no requerimento de abertura de instrução, e os novos factos aditados.

Assim, ambos os arguidos (cfr. fls. 3-verso, 6-verso, 7, 56-verso, 7-verso e 80-verso) confirmaram, no essencial, as circunstâncias de tempo e lugar do episódio em questão, bem como as motivações, pelo que, sem necessidade de análise ou referência a quaisquer outros meios probatórios, não há razões para duvidar da exactidão da factualidade vertida no primeiro parágrafo da acusação pública.

No que respeita aos demais factos, a acusação pública acolheu a versão do arguido/assistente A ... em relação à ameaça (cfr. 2º parágrafo - «Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido B ..., em tom de voz elevado e sério, disse para o arguido A ...: “se voltas a chamar a polícia, mato-te …”»), ao soco no ombro direito (cfr. 4º parágrafo - “No decurso da contenda, o arguido A ..., com força, agarrou o pescoço do arguido B ..., provocando-lhe dores no mesmo”), ao pontapé no rosto (cfr. 5º parágrafo – “Em seguida, com o arguido estatelado no chão, o arguido B ... desferiu um pontapé no rosto do mesmo A ...”) e aos danos causados no seu veículo (cfr. parágrafo 6º - “Na mesma altura, o arguido B ... desferiu socos e murros na chapa do veículo do arguido A ..., da marca Mercedes, que se encontrava estacionado junto dos arguidos, tendo, com essa conduta, provocado algumas amolgadelas no capôt e no pára-choques do referido veículo”.).

A prova produzida que confirma estes factos reconduziu-se às declarações do arguido/assistente A ..., ao depoimento da testemunha H ... s, que ia a passar no local e afirma ter assistido aos factos (cfr. fls. 68 e 69), ao depoimento da mulher do arguido A ..., D...

, ouvida durante a instrução, e aos exames médicos e relatórios periciais juntos aos autos e que constam a fls. 5 (1º relatório de urgência), 28 e 29 (relatório de perícia de avaliação do dano corporal efectuada no dia 15.09.2010), 58 (relatório de urgência relativo ao dia 16.09.2010), 128 a 131 e 201 (relatórios médicos elaborados pelo Dr. J...), 235 a 237 e 250 a 251 (relatório de perícia de avaliação do dano corporal efectuada durante a instrução) e aos depoimentos de J...

, médico que tem assistido o arguido/assistente A ..., e E ..., filha do arguido/assistente A ... e que acompanhou e assistiu o pai, no dia em questão, no Hospital e durante a fase de recuperação, sendo fisioterapeuta.

Apreciando a credibilidade destes meios de prova, importa começar por referir que A ..., sendo também arguido e, por isso, não estando obrigado a responder com verdade, só por si, não é suficiente para sustentar os factos referidos, pelo que as suas declarações têm de ser conjugadas com os demais meios de prova.

Por sua vez, o depoimento de D ... não foi tido em consideração, pois duvida-se seriamente de que a mesma tenha presenciado os factos. Com efeito, não há nenhuma razão plausível e lógica que explique a circunstância de não ter sido indicada, como testemunha, durante o inquérito. Para além disso, o teor do seu depoimento contém pormenores que suscitam fundadas suspeitas quanto à sua sinceridade. Em primeiro lugar, a testemunha quando descreveu a agressão até ao momento em que decidiu telefonar para a polícia e sem que tivesse ainda sido questionada nesse sentido, demonstrou logo a necessidade de explicar a razão pela qual não saiu de casa e foi, de imediato, socorrer o marido quando viu o arguido B ... a desferir-lhe o soco. Em segundo lugar, as razões apresentadas não são muito plausíveis, à luz das regras da experiência comum, pois referiu que ficou “completamente bloqueada”, “em pânico” e que apenas se sentiu “mais segura” ao ter avistado a testemunha H ..., tendo os factos demorado “um segundo”, ou seja, razões que, de acordo com as regras da experiência comum, não correspondem ao comportamento expectável no referido contexto. Em terceiro lugar, quando contra-interrogada pela ilustre Mandatária do arguido B ..., no sentido de esclarecer se o marido caiu de imediato ao chão ou para cima do veículo, a testemunha foi titubeante, demonstrou uma inequívoca dificuldade em efectuar uma descrição clara daquilo que alegadamente presenciou e fez afirmações como se estivesse a supor ou a deduzir aquilo que aconteceu a partir do local onde o marido caiu, tendo referido que para o marido ter caído para aquele lado onde estava é porque passou por cima do capôt do carro.

Em contrapartida, os demais meios de prova não suscitaram dúvidas sérias quanto à sua credibilidade.

Assim, quanto ao depoimento de H ..., é certo que o arguido B ... e a testemunha G..., sua mulher, afirmaram que mais ninguém presenciou os factos. Contudo, a verdade é que não se apurou nenhuma ligação especial da referida testemunha ao arguido A ..., a não ser o facto de executar algumas reparações em casa deste (facto afirmado pela mulher do arguido, em instrução), pelo que, à partida e tratando-se de pessoa sem interesse nos autos, não há razões para duvidar da sua credibilidade. O seu depoimento confirma todos os factos supra indicados, não tendo sido abalado pela demais prova produzida. Efectivamente, a demais prova produzida reconduziu-se às declarações do arguido B ... e ao depoimento de G.... Sucede que o depoimento de G...

, mulher do arguido B ..., não nega, nem exclui a possibilidade de ocorrência do facto referido, aludindo apenas àquilo que viu (cfr. fls...

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