Acórdão nº 483/07.8TBVGS.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução24 de Setembro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 20 de Julho de 2007[1], J… e mulher, I… (AA. e aqui Apelados), demandaram o Instituto das Estradas de Portugal, IEP, depois Estradas de Portugal, EPE (R. e Apelante nesta instância de recurso), invocando (aqueles) terem sido sujeitos a uma expropriação por utilidade pública que incidiu sobre uma parcela de um prédio do qual são proprietários (foram, pois, nesse contexto – e aqui serão referidos como tal – Expropriados), aí ocupando a posição de entidade Expropriante o R. Ora, como incidência gerada nesse quadro expropriativo que culminou em acordo, alegam os AA. terem sido induzidos em erro quanto à extensão (à área) do seu prédio efectivamente expropriada, sendo que, convencidos de corresponder esta a 1212 m2 (€19,95/m2), que foi a área indicada nos autos de vistoria ad perpetuam rei memoriam (fls. 26/28) e no “de posse administrativa” (fls. 30/31), e tendo eles, como Expropriados, chegado a acordo com a Expropriante nesse pressuposto, verificaram posteriormente, através do texto “auto de expropriação amigável” (de fls. 34/35) terem sido “expropriados” (pagos) 928 m2, “apenas”[2], sendo que o valor que receberam da R. (€18.515,80 correspondentes a 928 m2) deve aqui ser acrescido – é, no fundo, isso que pretendem através desta acção – de mais €5.664,02 (1212 m2 X €19,95 m2 = €24.179,40 – €5.664,02 = €18.515,80).

Em função destes dados, formulam os AA. os pedidos seguintes: “[…] a) declarar-se que na parcela em questão nestes autos foram expropriados 1212 m2 do prédio […]; b) declarar-se que a R. se locupletou de 284 m2 do prédio dos AA.; c) pelo que deverá ser condenada a pagar-lhes €5.664,02; d) acrescidos de juros moratórios até integral pagamento; e) mais deverá declarar-se que o auto de expropriação[[3]] padece de um erro na área expropriada (1212 m2 em vez de 928 m2), bem como o valor a pagar (€18.515,80, em vez de €24.179,40); f) ordenando-se, em consequência, o cancelamento e correcção de todos os registos feitos com base nos mesmos.

[…]”[4].

1.1.

O R./Expropriante contestou (fê-lo a fls. 58/68), impugnando a versão da A., afirmando referir-se a expropriação na realidade a 928 m2[5], independentemente do teor do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam.

1.2.

Findas as fases dos articulados, de saneamento e de condensação – esta última plasmada no despacho de fls. 80/84 –, alcançou-se o julgamento[6]. Findo este, fixados que foram os factos referidos à base instrutória (através do despacho de fls. 483/486), foi a acção finalmente decidida pela Sentença de fls. 490/494 vº – esta, integrada pelo despacho de fls. 483/486, constitui a decisão objecto do presente recurso – julgando a acção totalmente procedente[7].

1.3.

Inconformada, recorreu a entidade Expropriante/R. apresentando, a rematar a alegação do recurso, as seguintes conclusões: “[…] II – Fundamentação 2.

Na apreciação da apelação – referida à Sentença final de fls. 490/494 vº –, ter-se-á presente que o âmbito temático de tal impugnação foi delimitado pelo Apelante através das conclusões transcritas no antecedente item [v. os artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[8]]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando o modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos simples argumentos esgrimidos por quem recorre ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não propriamente aos diversos argumentos jurídicos convocados ao longo das alegações.

Vendo as conclusões, constata-se constituir fundamento central do recurso a impugnação da matéria de facto (praticamente de toda a matéria de facto), suscitando o Apelante o exercício por esta Relação dos poderes de alteração desse elemento do julgamento nos termos previstos no artigo 712º, nºs 1 e 2 do CPC. Adicionalmente, com base nesta almejada alteração dos factos, pretende o Apelante uma decisão-outra, no sentido da improcedência da acção. Todavia, esta pretensão, se bem compreendemos o sentido do recurso (designadamente quanto ao conteúdo das conclusões XVIII a XX), abrange a crítica, que subsistiria mesmo com base nos mesmos factos, ao enquadramento jurídico da situação realizado pelo Tribunal a quo.

2.1.

Os factos fixados na instância apelada – deles há que partir na apreciação do recurso – foram os seguintes: “[…] 2.1.1.

Como factos que o Tribunal considerou não provados, aos quais o Apelante pretende a formulação (aqui, por este Tribunal) de respostas positivas, temos os seguintes três quesitos (os quais são mantidos na forma interrogativa original constante da base instrutória, v. fls. 84): 12.

Tal área [a de 928 m2] resultava de acordo quanto à verdadeira localização das estremas dos prédios confinantes, estabelecido com todos os proprietários? 13.

De que foi dado conhecimento ao representante dos AA.? 14.

Este deu o seu acordo quanto a tal rectificação? 2.2.

Comecemos, assim, pelos factos.

Como dissemos, crítica o Apelante praticamente toda a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo – este teria julgado a acção totalmente ao contrário da prova… –, pretendendo o Apelante a formulação de respostas “não provado” aos quesitos 1º, 3º a 10º e, ao invés, respostas positivas (“provado”) aos quesitos 12º, 13º, 14º. O primeiro grupo de quesitos expressa a tese dos AA. a respeito da efectiva transferência para a dominialidade do Estado dos 1212 m2 (não dos 928 m2 referidos, e “pagos”, no “acordo de expropriação amigável” enquanto valor unilateralmente alterado pelo R.) e esmiúça a incidência da alteração da área sem o concurso dos Expropriados. O outro grupo de quesitos (12º, 13º e 14º) expressa o ponto de vista do Expropriante quanto à área efectivamente transferida para o Estado (teriam sido os tais 928 m2) e à alegada aceitação pelos AA. (pelo seu procurador) quanto à alteração do acordo celebrado com base no conteúdo da vistoria ad perpetuam rei memoriam e do auto de posse administrativa.

Existem assim, na impugnação da matéria de facto pelo Apelante, duas incidências temáticas que importará tratar: (1) qual a área da parcela efectivamente transferida para a propriedade do Estado (1212 m2 ou 928 m2); (2) se os AA. deram o seu acordo a essa alteração de área contra o conteúdo do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam e, por via desta, do auto de posse administrativa (note-se que o Expropriante assumiu que decidiu alterar e alterou ele esse elemento no contrato consubstanciador do “acordo amigável” de fls. 34/35).

2.2.1.

A questão da área expropriada – como questão está ela formulada a fls. 236 – induziu a produção de prova pericial, sendo que, por decisão deste Tribunal da Relação no Acórdão de fls. 372/377, teve lugar uma segunda perícia (colegial, com três peritos) cujo resultado está documentado a fls. 441/447. Este resultado expressa-se na posição maioritária – podemos vê-la nestes termos – subscrita pelo perito do Tribunal e dos AA., no sentido da área efectivamente expropriada corresponder a 1212 m2 (que é a área indicada, depois de medição, nos autos de vistoria ad perpetuam rei memoriam e de posse administrativa). A posição minoritária do perito da entidade Expropriante (v. fls. 444/446), conclui que “da parte da Expropriante houve boa fé…”[9] e que a área expropriada “não anda/passa muito da realidade que na opinião do perito signatário será de 928 m2”. Ora, independentemente do teor dos esclarecimentos adicionais prestados por escrito pelos dois peritos subscritores da posição maioritária a fls. 469/470 – e independentemente dos outros esclarecimentos prestados pelos três peritos na audiência reaberta para esse efeito (v. a acta de fls. 481/482)[10] –, independentemente de tudo isto[11], dizíamos, o que o perito do Expropriante afirma na segunda perícia, assenta na formulação de juízos meramente hipotéticos, baseados em dúvidas que ninguém suscitou anteriormente e cujos pressupostos de facto não podem agora (depois da obra realizada e da alteração irreversível por ela introduzida no local) ser esclarecidos devidamente[12].

Note-se que na base da questão suscitada quanto à área a considerar (mas na base daquilo que agora ainda podemos reconstituir e controlar) está a diferença entre três plantas do local assinalando a parcela expropriada, sendo duas delas iguais e confirmando ambas a área de 1212 m2 (as juntas aos autos de vistoria e de posse administrativa) e uma terceira (que é a de fls. 36), posterior ao início dos trabalhos[13], apontando para uma área mais pequena (a que o Expropriante considerou na redacção unilateral do posterior auto do “acordo de expropriação”). Ora, tendo presente que as duas primeiras plantas foram realizadas pela própria entidade Expropriante (por sinal sem o concurso dos Expropriados[14]) com base em levantamentos topográficos anteriores à obra motivo da expropriação, as quais (referimo-nos às plantas), por isso mesmo, puderam considerar a realidade predial que verdadeiramente interessava à determinação de qual a área efectivamente retirada aos Expropriados, não vemos neste momento alternativa válida, no sentido de passível de um efectivo controlo nos seus pressupostos de facto, à consideração do levantamento topográfico efectuado pelo Expropriante, através do Engº … (v. nota 15, supra) ao tempo da vistoria ad perpetuam rei memoriam, levantamento que determinou uma área de 1212 m2 como extensão efectivamente expropriada. Foi isto que as duas perícias disseram (a última disse-o por maioria) e não vemos como se poderá entender diversamente com uma base racional demonstrável a...

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