Acórdão nº 1445/21.8T8CVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPIRES ROBALO
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra Proc.º n.º 1445/21.8T8CVL.C1 1.- Relatório 1.1.- Nos presentes autos veio AA, solteira, maior, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua ..., ... ..., requerer nos termos do art.º 1099, do C.P.C., inventário, por óbito do seu avô, BB, falecido em .../.../2019, natural do concelho da ... e residia na rua ..., ... – ... ..., quando se encontrava em Portugal, vindo, no entanto, a falecer em França, ..., Rue, ....

Para tanto refere que o falecido deixou como herdeiros: CC, viúva, residente em ..., Rue, ... – França e acidentalmente na rua ..., ..., ... ..., seu cônjuge.

e dois filhos: DD, solteiro, maior, residente em ..., Rue, ... – França e acidentalmente na rua ..., ..., ... ..., e.

EE, que repudiou a herança de seu pai, sucedendo-lhe a aqui requerente sua filha AA.

Para cabeça de casal indicou a viúva, CC.

*** 1.2. – Em 31/3/2022 CC, indicada para exercer o cargo de cabeça de casal, veio, nos termos do n.º 2, do art.º 1103 do Código de Processo Civil (CPC), suscitar INCIDENTE DE ESCUSA *** 1.3.- Em 4/5/2022 foi proferido despacho do seguinte teor: “ Compulsados os autos, analisando o assento de óbito do BB, constata-se que, não obstante seja referido na petição inicial que o mesmo residia na Rua ..., ..., ... ..., consta daquele documento que a sua residência habitual se situava em ..., Rue, ..., França.

Destarte, antes do mais, notifique-se a Requerente e a Cabeça-de-casal para virem aos autos informar qual a residência habitual do de cuius aquando do seu falecimento, juntando documentos comprovativos do alegado.

“Para o efeito, concede-se o prazo de 10 (dez) dias”.

*** 1.4. – Por requerimento de 17/5/2022, CC, a indicada para cabeça de casal, notificada do teor aludido no ponto 1.3., apresentou requerimento do seguinte teor: “notificada para vir informar os presentes autos sobre a última morada habitual do BB e bem assim juntar documento comprovativo da mesma, diz: A última residência habitual do inventariado foi no nº ..., Rue, ..., República Francesa.

Como prova do alegado, junta-se cópia do recibo de arrendamento do qual era titular na residência onde habitava”.

*** 1.5. – Em de 31/5/2022 foi proferido despacho do seguinte teor: “ Compulsados os autos, constata-se que o Inventariado teve a última residência habitual em França.

Destarte, antes do mais, notifique-se a Requerente e a cabeça de casal já nomeada para virem aos autos, querendo, se pronunciarem quanto à eventual verificação da exceção de incompetência absoluta deste Tribunal (cf. artigo 4.º, do Regulamento (UE) N.o 650/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 4 de julho de 2012).

Para o efeito, concede-se o prazo de 10 (dez) dias”.

*** 1.6. – Em 3/6/2022 a requerente AA, apresentou requerimento do seguinte teor: “Notificada, para se pronunciar sobre o a eventual verificação da exceção de incompetência do tribunal, vem dizer o seguinte: A alegação feita pelo tribunal, sobre a sua possível incompetência, encontra-se enquadrada no artº 4 do regulamento 650/2012 do Parlamento Europeu e do conselho.

Ora, de tal normativo resulta que, o tribunal competente será aquele, onde o falecido tinha a sua residência habitual.

Contudo tal conceito (residência habitual), à luz do direito europeu não pode ser interpretado de forma simplista, pois não existe nenhum preceito que defina o que é a residência habitual.

Efetivamente, a residência habitual é mais do que a mera permanência no território de um estado, (como neste caso concreto), é sim uma relação estreita e estável com um estado.

Deve assim, o tribunal proceder a uma avaliação global das circunstâncias da vida do falecido (a sua residência, o seu local de trabalho, a localização do seu património, a sua nacionalidade, o seu domicílio fiscal, a sua ligação afetiva com o país, a compra de património, a presença de familiares, as relações administrativas com as autoridades do estado e por último e mais importante a sua vontade).

Para poder fazer a integração do conceito de residência habitual.

Ora, Este tribunal encontra-se apenas habilitado com os elementos, que referem que o falecido teve a sua residência em França, onde veio a falecer e não mais do que isso.

Importa assim, habilitar o tribunal de outros elementos, para poder tomar a decisão sobre a sua competência ou não! A requerente entende que o tribunal competente é o Tribunal ..., porquanto: Além dos considerandos supra referidos, quanto ao conceito de residência habitual.

O falecido tinha uma relação manifestamente mais estreita com Portugal, pois, - Sempre manteve a sua nacionalidade portuguesa e estava inscrito no consulado português.

- Todo o seu património se encontra localizado em Portugal.

- Tem residência/domicilio em Portugal (Rua ..., ... ...) - Tem domicílio fiscal em Portugal.

- Sempre manifestou vontade e orgulho de ser português.

- Quis ser enterrado em Portugal.

- Sempre manifestou vontade que fosse a lei portuguesa a regular a sua sucessão.

Logo, mesmo que se entenda que o conceito de residência habitual, nos leva a que a sucessão seja regulada pela França, Atentas as razões aduzidas, estamos perante uma exceção que se enquadra no artº 21º nº 2 do regulamento 650/2012 do Parlamento europeu.

Pois duvidas não restam que, o conjunto das circunstâncias elencadas, resulta claramente que no momento do óbito, o falecido tinha uma relação mais estreita com o estado Português.

Daí ser, o tribunal competente, o Tribunal ..., tudo de acordo com o artº 21º nº 2 do regulamento 650/2012 do Parlamento Europeu e do conselho.

Termos em que, deve este tribunal declara-se competente e processo prosseguir, tudo com as legais consequências.

Caso o tribunal entenda que se deve produzir prova sobre os factos alegados, quanto a mais estreita ligação com o estado português, indica-se desde já, a seguinte prova testemunhal: - A irmã do falecido FF, a apresentar.

- A sua filha EE, a apresentar”.

*** 1.7. – Face ao teor do requerimento que antecede, em 25/6/2022 foi proferido despacho do seguinte teor: “ Antes do mais, com vista a aquilatar da residência habitual do de cuius e em face do teor do requerimento mencionado em epígrafe, notifique-se a Requerente e a cabeça de casal para virem aos autos esclarecer quanto tempo esteve o Inventariado em Portugal nos anos de 2018 e 2019 e bem assim há quanto tempo se encontrava em França aquando do seu óbito.

Para o efeito, concede-se o prazo de 10 (dez) dias.

*** 1.8. – Face ao teor do despacho aludido no ponto 1.7., veio a requerente AA, apresentar requerimento do seguinte teor: “O falecido no ano de 2019 (dois meses) esteve em França nomeadamente para receber tratamento médico, antes do seu falecimento, que aconteceu em .../.../2019.

Quanto ao ano de 2018, o falecido esteve a maior parte do ano em Portugal, ou seja passou mais tempo em Portugal do que na França”.

*** 1.9. – Por sua vez a cabeça de casal, face ao despacho referido em 1.7. veio apresentar requerimento do seguinte teor: “ CC, notificada para vir informar os presentes autos sobre a última morada habitual do BB e ainda esclarecer quanto tempo esteve em Portugal nos anos de 2018 e 2019 e bem assim há quanto tempo se encontrava em França aquando do seu óbito, diz: O inventariado esteve em Portugal pela última vez no ano de 2017 durante o mês de Agosto a gozar férias de Verão, não mais tendo voltado em consequência do agravamento das suas condições de saúde que o obrigaram a ficar em França em tratamentos até ao infausto desenlace do seu falecimento”.

*** 1.10. – Em 16/9/2022 foi proferida decisão do seguinte teor: “Da (in)competência do Tribunal A Interessada AA veio intentar a presente ação especial de inventário, para partilha da herança aberta por óbito de BB.

Juntou para o efeito, assento de óbito do de cuius, no qual consta como residência habitual do mesmo “..., Rue, ..., França”, bem como que o mesmo faleceu em .../.../2019, em ..., República Francesa (cf. documento n.o ... junto com o requerimento inicial).

Por despacho proferido em 04.05.2022 (cf. referência ...76), foi determinada a notificação da Requerente e da cabeça-de-casal para virem aos autos informar qual a residência habitual do de cuius aquando do seu falecimento, juntando documento comprovativos do alegado.

A Requerente nada disse ou requereu.

A cabeça de casal veio aos autos juntar o requerimento com a referência ...78, no qual esclarece e que a última residência habitual do Inventariado foi em ..., Rue, ..., República Francesa” e bem assim junta cópia de recibo de arrendamento do qual era titular na residência onde habitava.

Nessa sequência, foi determinada a notificação da Requerente e da cabeça de casal já nomeada para virem aos autos se pronunciarem quanto à eventual verificação da exceção de incompetência absoluta deste Tribunal (cf. referência ...98).

Veio a Requerente apresentar o requerimento com a referência ...12, pugnando pela competência deste Tribunal para apreciar a presente ação.

* Cotejados estes elementos, cumpre apreciar e decidir.

Com relevância para a presente decisão, encontram-se assentes os seguintes factos: 1. BB faleceu em .../.../2019, em ..., República Francesa (cf. assento de óbito, junto como documento n.o ..., com o requerimento inicial).

  1. Consta no assento de óbito de BB que a sua última residência habitual se situa em “..., Rue, ..., França” (cf. assento de óbito, junto como documento n.o ..., com o requerimento inicial).

  2. BB esteve em França desde, pelo menos, 01.01.2019 (facto admitido por acordo).

  3. BB recebia tratamento médico em França (facto admitido pela Requerente).

    Ora, no que tange à competência internacional do tribunal, no seio da União Europeia, para conhecer de questões relativas à sucessão mortis causa de uma pessoa, importa atender, desde logo, ao Regulamento (UE) n.o 650/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho de 04 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação...

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