Acórdão nº 4280/21.0T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva Cristina Neves Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

M... Lda., e Companhia de Seguros Allianz Portugal SA interpuseram recurso autónomo e subordinado, respectivamente, da sentença do Senhor Juiz de Direito do Juízo Central Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ... que, julgando parcialmente procedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, intentada pela primeira contra a segunda, condenou a última no pagamento à primeira do total de € 35.000,00, correspondente às seguintes quantias: 1- € 17.099,99, a título de perda total do veículo; 2- € 17.900,01, a título de paralisação do veículo; 3- Juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

A autora - que pede, no seu recurso que se decida que o valor da perda total é de € 55 000,00, ao qual deverá ser deduzida a franquia e o valor dos salvados, que o valor a atribuir, à razão de € 120,00 dia pela privação do uso do veículo deve ser calculado desde a data do sinistro até ao pagamento da indemnização e que os juros são devidos desde a ocorrência do facto ilícito - rematou a sua alegação com as conclusões seguintes: 1. A recorrente celebrou com a recorrida um contrato de seguro de responsabilidade civil de danos próprios ramo automóvel, titulado pela apólice ...5, em 19 de Dezembro de 2018, viatura matrícula ..-QG-.., com diversas coberturas, inclusive a cobertura de choque colisão ou capotamento, mediante o pagamento de um prémio que sempre pagou; 2. Do referido contrato faz parte a cobertura choque, colisão ou capotamento, para a dita viatura ..-QG-.., sendo o valor seguro de € 55 000,00, com uma franquia no valor de € 1 100,01; 3. No dia 11.09.2020 ocorreu um sinistro com a referida viatura; 4. A recorrente no dia 18.08.2020 participou o sinistro à recorrida que após a vistoria dos danos da viatura, entendeu que a reparação não se mostrava aconselhável, já o seu o custo era superior ao valor venal do veículo; 5. Os salvados da viatura foram avaliados pela recorrida em € 1 888,00; 6. A título de indemnização popôs liquidar o valor de € 10 852,00, correspondente à diferença entre o valor atribuído ao veículo, o valor dos salvados e deduzida a franquia; 7. A recorrente não aceitou a proposta apresentada, não só por não concordar com o valor atribuído por ser inferior ao valor de mercado, mas também porque o capital seguro era de € 55 000,00; 8. A recorrida recusou-se a satisfazer esta indemnização 9. A recorrente desde a data do acidente não mais pode utilizar o veículo; 10. A declaração de seguro a que corresponde a apólice ...5, formalizada pela recorrida determina o início do seguro é reportado às 00.00 horas do dia 01.05.2020 e o seu termo é reportado a 30.04.2021; 11. A mesma apólice consigna que o valor seguro de danos próprios por choque, colisão ou capotamento é de € 55 000,00; 12. Explicitando-se em rodapé que este valor sofre uma valorização automática com base nas Tabelas de Desvalorização em vigor: 13. A recorrida quanto aceitou segurar o veículo no valor de € 55 000,00 deveria ter-se justificado da justeza daquele valor de € 55 000,00, designadamente em função da idade do veículo e da influência depreciativa de que esta exercer na valia económica desse bem de consumo, e se não o fez foi porque não quis ou por negligência dos respectivos serviços, pelo que, nem mesmo “facto que passou despercebido aos serviços da recorrida” a exonera da obrigação de realizar a prestação convencionada; 14. Da conjugação dos disposto nos art.°s 3, 4 e 8, n.° 2, do Dec. Lei 214/97, de 16.08, retira-se que no âmbito do seguro facultativo de danos próprios em viatura automóvel, enquanto não for actualizado, nos termos legais, o valor do veículo seguro, a considerar para efeitos de indemnização em caso de perda total, nem for comunicada essa actualização ao tomador do seguro, as seguradoras ficam constituídas na obrigação de responder, em caso de sinistro, com base no valor seguro apurado à data do vencimento do prémio imediatamente anterior à ocorrência do sinistra; 15. A recorrida não só não comunicou à recorrente qualquer alteração ao valor, a não ser em Março de 2021, já o sinistro tinha ocorrido.

16. Como também a recorrida emitiu em 01 de Maio de 2021 uma apólice e cujo teor apontava de forma cristalina para um capital seguro de € 55 000,00; 17. Assim a recorrida responde com base no valor seguro à data do vencimento do prémio - 01.05.2020, faz como que seja condenada a pagar a quantia de € 55 000,00; 18. O tribunal a quão, ao ter decidido como decidiu, incorreu em erro de julgamento, violando o disposto nos art.°s 3, 4 e 8, n,° 1, do Dec. Lei 214/97; 19. Provado que a privação de uso de um veículo que se perdeu totalmente deve arbitrar-se o respectivo valor ressarcitório; 20. O tribunal fixou, com recurso à equidade, o valor diário de € 120,00, que se aceita; 21. O que não se aceita nem se compreende, a razão pela qual o valor arbitrado deve ser idêntico ao valor do veículo; 22. A recorrente foi impedida de utilizar o veículo desde ..., sendo que o valor a indemnizar deve ser calculado até à data da satisfação da indemnização; 23. A decidir-se como se decidiu, o tribunal a quo violou o disposto na segunda parte do n.° 1 do art.° 566 do Cod. Civil, 483, n.° 1, do Cod. Civil; 24. Sendo que o valor a indemnizar deve ser calculado desde a ocorrência do sinistro até à data em que se verificar a efectiva entrega à recorrente da indemnização; 25. A recorrente pede condenação do pagamento dos juros, o tribunal à quo entende que os juros são devidos desde a citação; 26. Existe mora do devedor, independente de interpelação se a obrigação provier de facto ilícito; 27. O acidente de viação e um facto ilícito, o direito à indemnização reporta-se à data do cometimento do facto ilícito; 28. Assim, os juros são devidos desde a data do sinistro; 29. Ao decidir-se como se decidiu, o tribunal violou o disposto na al. b) do n.° 2 do art.° 805 do Cod.

Civil.

Por sua vez, a ré - que pede, no seu recurso a revogação da sentença impugnada e o proferimento de acórdão que reduza a indemnização fixada a título de perda total do veículo no montante de € 1.888,00 e que julgue integralmente improcedente o pedido de indemnização a título de paralisação do veículo - rematou a sua alegação com as conclusões seguintes: 1. Como resulta da matéria de facto dada como provada, o salvado do “QG” é dotado de valor económico, pelo que a desconsideração do valor económico do mesmo na fixação da indemnização devida a perda total gera um enriquecimento indevido por parte da Recorrida subordinada.

2. Com a perda total do “QG”, a Recorrida subordinada não sofreu uma perda patrimonial do valor venal do veículo, tendo ao invés visto o valor venal do seu veículo - de Eur. 18.200,00 - ser reduzido para o valor venal do salvado do mesmo, concretamente Eur. 1.888,00.

3. Pelo exposto, considerando o princípio do contraditório contratual e legal, sempre se dirá que a indemnização devida pela perda total do “QG” deve ser deduzida não só da franquia contratualmente aplicável, como do valor do seu salvado, devendo, consequentemente, a indemnização devida a título de perda total ser reduzida para o montante de Eur. 15.211,99 (valor venal de Eur. 18.200,00 deduzido da franquia contratual de Eur. 1.100,01 e do valor do salvado de Eur. 1.888,00).

4. No contrato de seguro em apreço não foi contratada qualquer cobertura a título de privação do uso do veículo, o que é invocado nos termos do disposto no artigo 130.° do Decreto-Lei n.° 72/2008 de 16 de abril.

5. Uma vez que encontramo-nos perante responsabilidade civil contratual e não aquiliana, considerando que a Recorrente subordinada sempre cumpriu de forma cabal e rápida às suas obrigações contratuais, jamais lhe será imputável qualquer indemnização pela paralisação do “QG”.

6. Nos presentes autos não foi provado qualquer dano efectivo pela A. apesar de a mesma o ter alegado - vide factos não provados 31, 34, 35 e 36 - pelo que, sendo a Autora uma sociedade comercial jamais poderá ser fixado qualquer dano pela paralisação do veículo, muito menos com recurso à equidade que não se encontra assente em qualquer dano efetivo dado como provado na matéria de facto.

7. Por tudo o supra exposto, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 342.° e 483.° e seguintes do Código Civil e o artigo 5.° n.° 2 al. b) e 414.° do Código de Processo Civil, 8. Sendo certo que de acordo com a devida interpretação das supra aludidas normas jurídicas deve a indemnização fixada a título de perda total do veículo ser reduzida para o montante de Eur. 15.211,99 e deve o pedido de indemnização a título de paralisação do veículo ser julgada integralmente improcedente, como é de Justiça.

A recorrente subordinada concluiu, na reposta ao recurso principal, pela sua improcedência; a recorrente principal não respondeu ao recurso subordinado.

2.

Factos provados.

O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos: 2.1. Factos provados (por referência os números que, originariamente, lhes foram atribuídos nos articulados donde provêm).

petição 1 A A. é dona do veículo automóvel, trator pesado, de marca ..., com o número de matrícula ..-QG-...

2 A A. celebrou com a Ré um contrato seguro do ramo automóvel, que para além do obrigatório, previa coberturas facultativas, relativas a danos próprios, que viessem a produzir-se no seu veículo trator pesado de marca ..., com o número de matrícula ..-QG-.., em consequência da respetiva circulação.

3 Tal contrato era titulado pela apólice ...5.

4 O prémio comercial e anual do contrato de seguro celebrado foi pago pela A. e recebido pela Ré.

5 Aquando da inclusão do veículo na apólice de seguro, a ...9 de Dezembro de 2018, foi atribuído ao veículo seguro o valor de 55.000,00 €.

6 O contrato identificado abrangia a cobertura de danos próprios de choque, colisão ou capotagem, com o capital seguro de 55.000,00 €.

7 Tendo...

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