Acórdão nº 9/17.5T8PNI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO CORREIA
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação n.º 9/17.5T8PNI.C1 Juízo de Competência Genérica de Peniche _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]: I-Relatório AA, com a demais identificação que consta dos autos, intentou contra BB, também melhor identificada nos autos, a presente ação especial de prestação de contas relativas à administração da herança aberta por óbito de CC, exercida pela Ré enquanto cabeça-de-casal dessa herança.

Alegou, em síntese, - é filha da Ré e de CC; - no dia .../.../1991, faleceu CC, no estado de casado com a Ré, deixando como únicos herdeiros a Ré, e quatro filhos – AA, aqui autora, DD, EE e FF; - CC deixou bens, não tendo ainda sido realizada a partilha nem instaurado o respetivo processo de inventário; - desde o óbito de CC, tem sido a Ré a exercer o cargo de cabeça-de-casal, tendo recebido o preço das vendas outorgadas pelos herdeiros e efetuado pagamentos a credores.

* Foi admitida a intervenção principal provocada, na parte ativa, de EE e I..., LDA.

(cfr. despacho de fls. 122).

* A 05.07.2018 foi proferida sentença, julgando procedente a ação quanto à obrigação de prestação de contas pela Ré.

* Em virtude do falecimento da Ré AA, foram habilitados, na qualidade de herdeiros desta, DD e FF.

* Na ausência de prestação de contas pelos sujeitos passivos da ação, foram os sujeitos ativos notificados para prestarem essas contas, o que apenas fez a A. AA.

* A 14.06.2022 foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo: “julgo parcialmente válidas as contas apresentadas pela autora, fixando-se o saldo das mesmas, a favor da autora AA e da chamada EE no valor de 1.205,96€ (mil, duzentos e cinco euros e noventa e seis cêntimos) para cada uma e a favor da sociedade I..., LDA. no valor de 2.411,93€ (dois mil, quatrocentos e onze euros e noventa e três cêntimos), condenando-se a herança da primitiva ré, aqui representada pelos réus habilitados DD e FF, a pagar tais quantias àqueles”.

* Irresignada, a A. interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever, com exceção da contida na 17.ª (por se limitar a transcrever a factualidade dada como provada na sentença recorrida, factualidade essa que também será enunciada no presente acórdão) e retirados os acentuados a bold e sublinhados constantes do texto original: “1ª – Em 13 de Janeiro de 2021 a ora Recorrente veio apresentar requerimento com prestação de contas, tendo indicado como receitas da herança o valor global de 469.716,68 €, correspondente à soma da venda de imóveis e rendas recebidas relativas a imóveis arrendados, ao qual devia ser deduzido o montante referente a IMI entre os anos de 1991 e 2018, no montante global de 23.495,94 €, apurando-se deste modo o saldo.

I – Quanto à questão prévia 2ª – Na douta decisão recorrida como questão prévia foi analisada e decidida a “ … inserção como receita da herança do produto da venda dos imóveis pertencentes à Sociedade A..., Lda.”.

  1. – É referido a este propósito na douta sentença recorrida que a ora Recorrente carece de razão, porquanto o que compõe o acervo hereditário da herança é unicamente a quota de que o falecido era proprietário na Sociedade A..., Lda.. e não “a sociedade” ou o património desta.

  2. – Pese embora, seja verdade que o falecido detinha uma quota na sociedade e ser esta quota que faz parte do acervo hereditário, não é menos verdade que após a sua morte foram vendidos bens que constituíam activos, cuja receita entrou na sociedade e nada foi partilhado entre os herdeiros, tendo daí resultado a diminuição do valor da referida quota.

  3. –Porquanto o valor real de uma quota social, não corresponde exactamente ao valor nominal da mesma, mas está intrinsecamente ligado ao património da sociedade, ou seja, aos seus activos.

  4. – Na partilha que venha a ser realizada por óbito de CC, o herdeiro a quem vier a ser adjudicada a quota, recebe uma participação numa sociedade, que há data do falecimento de CC possuía bens imóveis.

  5. – Os referidos bens foram vendidos posteriormente ao óbito e por isso o herdeiro em questão receberá uma participação social com um valor inferior àquele que tinha à data do óbito, existindo igualmente prejuízo para os restantes herdeiros, cujas tornas serão inferiores.

  6. – Assim, o valor da quota do falecido na sociedade desvalorizou na directa proporção do património que a sociedade deixou de possuir com as vendas dos imóveis de que a mesma era proprietária, cuja receita gerou um valor global de 324.227,29 €, conforme melhor discriminado no requerimento de apresentação de contas, para o qual se remete. (Ref. Citius ...01) 9ª – A venda deste património, gerou uma receita, receita esta que à data, e atento o facto de o sócio ter falecido teria dado lugar à repartição entre os seus herdeiros deduzidos os encargos, o que não aconteceu.

  7. – Assim sendo, resulta daí um prejuízo para os herdeiros do falecido se apenas vier a ser partilhada a quota, no valor nominal de 1.396,63 €.

  8. – Por outro lado, possuindo a sociedade bens imóveis à data do óbito, os quais foram alienados pelo valor de 324.227,29 €, a quota pertencente ao falecido tinha um valor real muito superior ao que passou a ter após aquelas vendas.

  9. – Deste modo, não se colocando em causa que de facto o que faz parte do acervo hereditário é a quota do falecido, não deixa de ser verdade que a receita obtida, tem de ser considerada, uma vez que a venda de activos após o óbito daquele, tem influência directa no valor da quota.

  10. – Acresce que, à data do óbito de CC, os únicos sócios da Sociedade A..., Lda., eram o falecido e a Requerida BB, cabendo por este facto a esta última a gestão e administração da sociedade, com obrigação de prestar contas aos herdeiros.

  11. – Deste modo, não sendo de aceitar que o referido valor de venda dos activos deva ser objecto de prestação de contas, então a quota do falecido terá de ser avaliada tendo em conta esse valor.

  12. – Isto mesmo resulta além do mais do nº 1 do artigo 1021º do Código Civil, o qual reza assim: “Nos casos de morte, exoneração ou exclusão de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação; …” 16ª – Contudo, entende-se que tratando-se de acção de prestação de contas e não de partilha, o valor de alienação dos referidos imóveis deve ser considerado, para apuramento do saldo entre receita e despesas.

    II – Quanto à prestação de contas 17ª – (…): 18ª – Dos factos dados como provados consta que o falecido legou à primitiva Ré, por conta da quota disponível, o usufruto de todos os bens que venham a preencher os quinhões hereditários dos seus descendentes.

  13. – Ou seja, a primitiva Ré foi instituída por testamento como usufrutuária de todos os bens que, na partilha, venham a ser adjudicados aos descendentes do falecido, pois só na partilha se passará a saber quais os bens que preencherão o quinhão de cada herdeiro.

  14. – A Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” após proceder ao apuramento de um saldo (relativo a rendas e venda de um imóvel pertencente ao falecido e à primitiva Ré) concluiu que face ao legado deixado pelo falecido, os herdeiros não têm direito ao valor apurado quanto às rendas, pois que é a legatária/usufrutuária que tem direito às mesmas.

  15. – Ou seja, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” operou uma verdadeira partilha, quando não estamos face a um processo de inventário, mas apenas de prestação de contas, cuja finalidade é o apuramento de um saldo, que neste caso em particular, seria para levar à partilha uma vez que o direito de cada um dos herdeiros, só em sede própria será determinado.

  16. – A existência de um testamento através do qual se lega um usufruto por conta da quota disponível, que possa influir na distribuição do saldo apurado, só em sede de partilha pode ser dirimida, ainda para mais quando se trata de usufruto sobre o quinhão hereditário de todos os bens que venham a preencher os quinhões dos descendentes do testador, os quais (quinhões) só serão apurados no âmbito do inventário.

  17. – Porque também só no inventário se pode avaliar se com a deixa testamentária, o falecido fez legado que excede a quota disponível e consequentemente se há necessidade da sua redução por inoficiosidade, o que até poderá ser o caso.

  18. – Por outro lado, a cada acção corresponde uma causa de pedir e um pedido.

  19. – No presente caso a causa de pedir assentou no facto de a cabeça de casal não ter prestado contas como lhe competia e o pedido formulado pela Recorrente foi o seguinte: “Deve a Ré ser citada para apresentar as contas da sua administração ou contestar a presente acção, com a cominação de, não o fazendo, não se poder opor às contas que a Autora venha a apresentar.” 26ª – Pese embora, o artigo 941º do Código de Processo Civil preveja a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se, a essência deste tipo de acção é exactamente o apuramento do saldo e era isso precisamente que era pretendido com o pedido formulado.

  20. – Pelo que, na modesta opinião da ora Recorrente a decisão de que se recorre violou as alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C., porquanto não se limitou a proceder ao apuramento do saldo, resultante da receita e da despesa, deixando como deveria, para o processo de inventário as questões que lhe são próprias, como é o caso dos direitos decorrentes de um legado, da eventual ofensa da legítima com redução por inoficiosidade, etc..

  21. – E nesta medida, a decisão recorrida, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, bem como condenou em quantidade superior e em objecto diverso do pedido, pois a decisão tem de ter um mínimo de correspondência com o que foi pedido, o que não é o caso, o que é causa de nulidade da sentença.

  22. – Acresce que, além do que se deixou dito, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” foi mais uma vez além, quando decidiu que, para efeito de...

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