Acórdão nº 1341/16.0T9CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução24 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

*I.

Relatório.

1.1. No âmbito dos autos supra epigrafados, realizado o contraditório, o arguido AA, entretanto já melhor identificado, acabou condenado, isto tal como, aliás, se mostrava acusado pelo Ministério Público, da autoria material de um crime de falsidade de testemunho agravado, p.p.p. art.º 360.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de quatrocentos (400) dias de multa, à razão de cinco euros (€ 5,00) dia, ou seja, num total de dois mil euros (€ 2.000,00) de multa.

Precavendo a possibilidade de verificação da hipótese do art.º 49.º, n.º 1, do mesmo Código Penal, consignou-se ainda que cumprirá, então, duzentos e sessenta e seis (266) dias de prisão subsidiária.

1.2. Porque inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da correspondente motivação as seguintes conclusões e pedido (transcrição parcial): «(...) v) A sentença recorrida apenas dá como provado que, em dias diferentes e perante órgãos distintos, o arguido prestou depoimentos parcialmente diversos ou contrários. Não descreve qual o acontecimento real que o arguido alterou, e que tinha consciência de estar a alterar, nem em que momento o fez.

vi) Sem essa demonstração não podia o arguido ter sido condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho agravado p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal.

vii) Como decorre do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 29.06.2009, no âmbito do processo n.º 840/08.2TABRG.G1: “I. Não basta para a condenação por crime de falsas declarações que se prove que a testemunha, em dois momentos distintos, fez depoimentos contraditórios que mutuamente se excluem.

  1. É necessário que se demonstre que houve desconformidade entre a palavra (ou palavras) e a verdadeira história e que, no momento em que o prestou, a testemunha sabia que afirmava como verdadeiro um facto inexistente.” viii) Para apurar a existência ou não de falso testemunho há que considerar duas teorias: uma objectiva – de acordo com a qual se considera que há falso testemunho quando o que foi dito não corresponde ao efectivamente sucedido; - outra subjectiva – para esta teoria há falsidade de testemunho quando não há correspondência com o que a testemunha percebeu, privilegiando, por isso, a percepção que o arguido teve dos factos.

ix) De acordo com o que entende Medina de Seiça, in Comentário Conimbricense pág. 477, o depoimento prestado é falso se a testemunha relata de modo díspar o acontecimento dos factos que o Tribunal vem a dar como provado. Isto é, será falso o depoimento da testemunha que conhecia a realidade tal como o Tribunal a dá como provada, mas apesar disso, e intencionalmente, a deturpou.

x) No caso dos autos, nem a acusação referia qual a realidade dos factos que acabou por ser dada por provada; nem em sede de audiência de julgamento ficou demonstrado qual era essa realidade que supostamente o arguido teria deturpado, nem em que momento, ou melhor, em qual dos seus depoimentos, o fez. Pelo que não houve, nem podia ter havido qualquer confronto dos depoimentos prestados pelo arguido com a realidade objectiva.

xi) O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães já citado dispõe a este respeito que: “A verdade que se busca para determinação do elemento típico do crime de falso testemunho não é a verdade formal, mas sim a que corresponde a um dado acontecimento histórico conhecido de quem depõe e que é intencionalmente negado, ou do conhecimento de um facto inexistente que intencionalmente se afirma como verdadeiro.” xii) E termina a mesma decisão afirmando que: “em qualquer situação (adira-se à teoria objectiva ou à subjectiva da falsidade, tanto importa), é sempre imperioso que se demonstre o contrário daquilo que foi declarado (de uma ou de todas as versões) e, mais que isso, que se alegue e demonstre que a testemunha, agindo intencionalmente, conhecia o contrário daquilo que declarou. No caso, nada disto resulta sequer indiciado, pelo que o arguido deve ser absolvido.” xiii) Da prova produzida nos autos, quer do depoimento da testemunha T1 que, de acordo com a acta de audiência de julgamento, se encontra gravado na plataforma Habilus através do programa WMA – Windows Media Áudio (inicio:13h:02m; fim:13h:10m), quer dos documentos indicados pelo Tribunal como base à formação da sua convicção de fls. 2 a 11, fls. 101 a 114, fls. 200/1 e fls. 182 a 192, bem como ainda em presunções naturais, não decorre qual a verdade dos factos. O que impunha decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo.

xiv) Não podiam ter sido dado como provados os pontos 23 e 24.

xv) Não constando da acusação, nem tendo sido produzida qualquer prova (tanto mais que tal não foi dado como provado) que permita afirmar qual o acontecimento verdadeiro que o arguido, enquanto testemunha naquele outro processo, deturpou com consciência de que o fazia, não é possível condenar o arguido pela prática do crime de falsidade de testemunho (p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do CP). Pois, de outro modo, viola o Tribunal o disposto no artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal.

xvi) Impõe-se, antes, a sua absolvição, o que deve ter lugar por revogação da sentença recorrida e substituição por outra que absolva o arguido da prática do crime de que vinha acusado.

xvii) E mesmo que assim não se entendesse, o que apenas por cautela de patrocínio e de raciocínio se equaciona, nunca deveria o Tribunal a quo ter condenado o arguido pelo crime de falsidade de testemunho agravado (art.º 360.º, n.ºs 1 e 3 do CP), mas apenas pelo crime de falsidade de testemunho simples (art.º 360.º, n.º 1 do CP).

xviii) Com efeito, da factualidade dada como provada, ou da fundamentação da sentença de que ora se recorre, não é possível extrair qual dos depoimentos prestados pelo arguido é que o Tribunal considerou como falso, já que, em momento algum o Tribunal refere qual das versões dos factos relatadas pela testemunha, aqui arguido, se verifica corresponder à verdade e qual delas, ao invés, é falsa.

xix) Não resulta de qualquer das provas existentes nos autos, e produzidas em sede de audiência de julgamento, que tenha sido o depoimento prestado perante o Tribunal aquele em que o arguido, como testemunha, tivesse falado com falsidade. Mais a mais, quando, conforme dito supra, nem sequer se disse qual era afinal a realidade dos factos, e se confrontou essa verdade com os depoimentos prestados pelo arguido.

xx) Por isso, ao considerar que as declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de julgamento são falsas, sem afirmar quais os factos objectivos e concretos donde emerge tal afirmação, limita-se o Tribunal a quo a proferir uma conclusão, um juízo de valor desacompanhado das provas e fundamentos donde aquela se pudesse extrair.

xxi) Isto importa, desde logo, para a tipificação legal do crime de que o arguido vinha acusado e pelo qual foi condenado, como explanado supra, mas também no que respeita à condenação em crime de falsidade de testemunho agravado, considerando a circunstância agravante do n.º 3 do artigo 360.º do Código Penal. E, consequentemente, importa também para efeitos de determinação da pena aplicada.

xxii) Para que se possa imputar ao arguido o crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º, n.º 1 do Código Penal, exige-se que a prestação de depoimento falso por parte da testemunha perante Tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova o seu depoimento; e que o agente tenha conhecimento de que o seu depoimento é falso e ainda assim tenha intenção de o prestar.

A pena prevista para este tipo legal de crime é de prisão de 6 meses a 3 anos ou de multa não inferior a 60 dias.

xxiii) Já o crime de falsidade de testemunho agravado, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, além daqueles elementos constitutivos do tipo legal de crime, exige ainda que o agente tenha prestado depoimento falso após ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe. E aqui a moldura penal é de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias.

xxiv) Não existindo na sentença recorrida qualquer prova ou fundamentação para que seja considerado que foi em sede de audiência de julgamento, único momento processual em que o arguido prestou juramento como se viu, que o arguido prestou depoimento falso, deve ser aplicada ao arguido a norma que lhe é mais favorável: o n.º 1 do artigo 360.º do Código Penal.

xxv) Pelo que, não podia o Tribunal ter condenado o arguido pela prática de um crime de falsidade de testemunho agravado, p. e p. pelo artigo 360.º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, mas apenas pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.º 1, do Código Penal (cujo limite máximo da pena de multa a aplicar se encontra fixado em termos gerais no artigo 47.º do Código Penal e se cifra em 360 dias).

xxvi) Neste sentido decidiu já, aliás, o Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão proferido em 30.10.2013, no âmbito do processo n.º 802/11.2TAPBL.C1.

xxvii) Importa então considerar o artigo 47.º do Código Penal que determina que, em regra, a pena de multa tem como limite mínimo 10 dias e limite máximo 360 dias. E, nessa sequência, a pena aplicada ao arguido deveria ter-se situado algures entre o mínimo fixado no artigo 360.º, n.º 1 do CP (60 dias) e o limite máximo de 360 dias.

xxviii) Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 360.º e 47.º, ambos do Código Penal devendo a sentença de que ora se recorre ser revogada, e substituída por outra que apenas condene o arguido pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360.º, n.º 1 do Código Penal, diminuindo em conformidade a pena aplicada.

Sem prescindir, xxix) Não pode o arguido concordar nem conformar-se com a pena que lhe foi aplicada, pois a mesma revela-se excessiva, desproporcional e desmedida, em total desrespeito e violação das...

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