Acórdão nº 10/17.9GCALD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE FRANÇA
Data da Resolução20 de Junho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA No Juízo Central Cível e Criminal da Guarda, J-1, da Comarca da Guarda, nos autos de processo comum (colectivo) que aí correram termos sob o nº 10/17.9GCALD, foi o arguido A… submetido a julgamento, acusado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de perturbação de funcionamento de órgão constitucional, p. e p. pelo artigo 334º, parte, da alínea a), do Código Penal.

Levado a efeito o julgamento, viria a ser proferido acórdão, decidindo nos seguintes termos: Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem o Tribunal Colectivo em julgar a acusação deduzida pelo Ministério Público improcedente, e em consequência: Absolver o arguido A… da prática do crime de perturbação de órgão constitucional p. e p. no artigo 334º nº1 a) do Código Penal que lhe vinha imputado.

Sem custas Proceda ao depósito do Acórdão (cfr. artigo 372º do CPP).

Inconformado, o Digno Magistrado do MP interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos: 1 – O presente recurso vem interposto do douto acórdão que julgou improcedente a acusação pública e, em consequência, absolveu o arguido A… da prática do crime de perturbação do funcionamento de órgão constitucional, p. e p. no art.º 334º, al. a), do Código Penal.

2 – No entanto, o Tribunal a quo deu como provado, além do mais, a seguinte factualidade: “1.No dia 3 de Março de 2017, pelas 13h30, o arguido A… dirigiu-se para a Secretaria do Juízo de B… – Comarca da Guarda, sita na área de C…, aparentando já se encontrar embriagado.

  1. Aí chegado, o arguido abeirou-se do balcão de atendimento da Secção Central e foi atendido pelo funcionário D…, que o questionou se precisava de algo e logo de seguida, em voz alta e tom alterado e por várias vezes proferiu as seguintes expressões: “como é que eu me chamo?”, “ eu chamo-me E…?”, “ eu não sou mentiroso,”, nunca matei ninguém”, “ nunca roubei ninguém" e “andam a brincar comigo”.

  2. Nesse momento o funcionário F…, que exerce as funções de Escrivão de Direito, abeirou-se do arguido de molde a indagar o porquê dessa expressão, mantendo o arguido a mesma postura.

  3. Apurou-se, entretanto, que a causa de tais afirmações tinha como origem um lapso de escrita no nome do arguido que constava num despacho de acusação.

  4. Entretanto, o arguido continuava a proferir em voz alta e tom exaltado as referidas expressões.

  5. A ilustre Procuradora Adjunta aí a exercer funções e que se encontrava no seu gabinete a trabalhar ouviu voz alterada e em tom alto, vindo da Secretaria do Tribunal, o que se manteve durante alguns minutos, o que a desconcentrou do seu trabalho.

  6. A certa altura, como a situação não cessava, a ilustre magistrada dirigiu- se à Secretaria e pediu ao arguido para se acalmar e parar de falar alto porque estava num tribunal e devia respeito ao local onde se encontravam funcionários que estavam a trabalhar, dizendo-lhe que estava a perturbar o normal funcionamento dos serviços.

  7. O arguido manteve a mesma postura de falar alto e proferiu diversas expressões sem sentido e muitas delas impercetíveis e pediu para falar com a referida magistrada, que lhe disse que já lhe tinham sido dadas todas as informações pretendidas, nada mais havendo a esclarecer e que estava a perturbar os serviços e deveria abandonar o Tribunal, sob pena de ser chamada a G.N.R. para o retirar do edifício.

  8. Entretanto o funcionário F… convidou o arguido a abandonar as instalações e disse-lhe que havia sido solicitada a presença da patrulha da G.N.R.

  9. Passado alguns minutos o arguido deixou em cima do balcão uma nota do BCE de 50€ (cinquenta euros) e repentinamente saiu da Secretaria apressado.

  10. Nesse momento o funcionário F… foi no encalço do arguido ordenando que regressasse à Secretaria a fim de recolher a nota de 50€, o que este veio a fazer depois de muitas insistências.

  11. Entretanto chegou ao local uma patrulha da G.N.R. de C…, composta pelos Guardas G… e H…, que de imediato disseram ao arguido para abandonar voluntariamente as instalações, o que este recusou, pelo que houve a necessidade de ser usada a força estritamente necessária para retirar o arguido do local.” 3 - Por sua vez, a douta decisão recorrida, deu como não provados os seguintes factos: “1. Nas circunstâncias referidas em 6. dos factos provados trabalho da Exma. Procuradora Adjunta foi perturbado pelo arguido.

  12. Nas circunstâncias referidas em 9. dos factos provados, o arguido disse que não saía, e que a G.N.R vinha para lhe bater como era habitual.

  13. Nas circunstâncias referidas em 10. dos factos provados o arguido bateu com a palma de uma das mãos com força no balcão, 4. Com as condutas descritas causou o arguido tumultos, desordens e vozearias na secretaria do Tribunal de C…, perturbando o normal funcionamento do Tribunal enquanto órgão de soberania.

  14. Bem sabia o arguido que com a sua conduta perturbava o normal trabalho dos funcionários que aí se encontravam a laborar e bem assim o trabalho da ilustre Procuradora-Adjunta aí a exercer funções, perturbava indevida e ilegitimamente o normal funcionamento do Tribunal, enquanto órgão de soberania.

    4 – O douto acórdão recorrido considerou que a conduta do arguido não perturbou o funcionamento do Tribunal de C…, mas que “apenas” desconcentrou a Senhora Procuradora Adjunta do seu trabalho.

    5 – No ponto 6 dos factos provados, o Tribunal recorrido deu como provado que “A ilustre Procuradora Adjunta aí a exercer funções e que se encontrava no seu gabinete a trabalhar ouviu voz alterada e em tom alto, vinda da Secretaria do Tribunal, o que se manteve durante alguns minutos, o que a desconcentrou do seu trabalho” – sublinhado nosso.

    6 – No entanto, no ponto 7, dos factos provados, o Tribunal a quo julgou provado que a “a certa altura e como a situação não cessava, a ilustre magistrada dirigiu-se à Secretaria e pediu ao arguido para se acalmar e parar de falar alto porque estava num tribunal e devia respeito ao local onde se encontravam funcionários que estavam a trabalhar e que estava a perturbar o normal funcionamento dos serviços.” 7 – É para nós manifesto que, se devido à circunstância de o arguido se encontrar na secretaria do tribunal a falar em tom de voz elevado e alterado [aos berros, como aquela referiu nas suas declarações], a Senhora Procuradora Adjunta interrompeu o seu trabalho, deslocou-se à secretaria a fim de se inteirar da situação e procurar pôr termo àquela desordem, o seu trabalho foi perturbado pela atuação do arguido.

    8 – Em nosso entender, dos factos julgados provados pelo Tribunal recorrido nos pontos 2, 4, 5, 6, 7, 8 e 12, dos factos provados, impõe-se que o Tribunal dê também como provado que a atuação do arguido perturbou o trabalho da Senhora Procuradora Adjunta bem como a atividade dos Senhores Funcionários Judiciais que se encontravam na secretaria a cumprir os despachos proferidos em diversos processos - como resulta também evidenciado nos depoimentos do Senhor Escrivão de Direito, F…, bem como da Senhora Procuradora Adjunta, I…, nas passagens que se indicam e transcrevem parcialmente, na parte da motivação do presente recurso, e que aqui se dão por reproduzidos.

    9 - Da parte da fundamentação da convicção do Tribunal, designadamente das referências aos depoimentos das testemunhas (…), melhor discriminadas na parte da motivação do presente recurso, decorre igualmente que a conduta do arguido em causa nestes autos perturbou o trabalho da Sr.ª Procuradora Adjunta que se encontrava a trabalhar no seu gabinete - a ultimar um despacho de acusação - pois que, a fez interromper o seu labor, deslocar-se à secretaria e entrar em diálogo com o arguido com vista a fazer cessar aquela situação de desordem na Secretaria do Tribunal, o que só foi conseguido com a presença da Guarda Nacional Republicana, que retirou o arguido do Tribunal.

    10 – Temos para nós que, na presente situação, a conclusão extraída pelo Tribunal recorrido no sentido que a Sra. Procuradora Adjunta poderia ter continuado a fazer o seu trabalho, e que, a atuação do arguido apenas a desconcentrou, está em manifesta oposição com os factos julgados como provados nos pontos 2, 4, 5, 6, 7, 8 e 12 (dos factos provados), bem como com toda a prova direta produzida e apreciada em audiência de julgamento, sendo certo que, esta ilação também não encontra qualquer apoio nas regras da experiência comum.

    11 - Em nosso entender, existe uma patente contradição entre os factos julgados provados, nos pontos 5, 6, 7 e 8 (factos provados) e entre os factos não provados descritos nos pontos 1, 4, 5 e 6 (factos não provados) e bem assim entre estes e a parte da fundamentação da convicção do Tribunal.

    12 – A harmonização dos factos provados deverá, na nossa perspetiva, conduzir a que no ponto 6, dos factos provados, passe a constar que o arguido perturbou o trabalho da Senhora Procuradora Adjunta e que sejam julgados como provados também os factos inscritos nos pontos 4, 5 e 6 dos factos não provados, eliminando-se, em conformidade, o ponto 1 dos factos não provados.

    13 – Temos para nós que, em face da fundamentação da convicção do Tribunal e mesmo da prova produzida e apreciada, indicada na parte da motivação, o douto acórdão recorrido julgou incorretamente o facto descrito no ponto 6, dos factos provado, e nos pontos 1 e 4, dos factos não provados, na parte em que refere a intensidade de afetação do trabalho da Senhora Procuradora Adjunta e da perturbação do funcionamento do Tribunal de C…, provocado pelo arguido.

    14 - A factualidade que consta do ponto 4, dos factos não provados, deve ser julgada provada, na medida em que resulta dos factos provados nos pontos 2, 4, 5, 6, 7, 8 e 12, que com a descrita conduta o arguido provocou tumultos, desordens e vozearias na secretaria do Tribunal de C..., perturbando o normal funcionamento do tribunal enquanto órgão de soberania.

    15 - Temos para nós que, a douta decisão recorrida enferma também de manifesto erro na...

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