Acórdão nº 139/16.0T9ACB-J.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelBRIZIDA MARTINS
Data da Resolução27 de Junho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

I.

Relatório.

1.1. Tramitado competente inquérito, o Ministério Público junto do DIAP – 1.ª Secção de Leiria deduziu pertinente acusação (conjunta) contra 24 arguidos, entre eles sobressaindo, ao que ora releva, os arguidos A…; B… e C…, todos entretanto já melhor identificados, mostrando-se ademais o primeiro e último preventivamente detidos à ordem dos presentes autos.

No subsequente desenvolvimento processual, de entre tais 24 arguidos, apenas um deles – D… – requereu a abertura de instrução, o que foi judicialmente deferido.

Já no âmbito desta fase facultativa, os indicados arguidos A…; B… e C…, nos termos expressos e ora certificadas de fls. 47/52 (correspondentes a fls. 5889/5895 dos autos de instrução), requereram que fosse declarada a incompetência, por conexão, para a apreciação, em conjunto, dos crimes imputados aos 24 arguidos, procedendo-se, em consequência, à correspondente separação de processos em distintos autos, de acordo com a segmentação (que alegam ter sido feita de forma quadripartida) constante da acusação.

1.2. O Ministério Público pronunciou-se sobre tal requerimento (fls. 55/58, certificação de fls. 5961/5964 dos autos principais), opondo da inverificação do seu fundamento.

1.3. Idêntica foi a posição assumida pela M.ma JIC que na decisão instrutória adrede proferida, ponderando tal pretensão, considerou (sic): «II – Saneamento: O Tribunal é competente em razão da matéria e hierarquia.

**A fls. 5889, vieram os arguidos A…, B… e C…, não requerentes da instrução, alegar que a acusação elegeu quatro grupos, identificando por referência a cada um dos grupos os arguidos envolvidos e descrevendo a factualidade imputada aos mesmos. De acordo com a descrição dos factos constantes na acusação a actuação de cada um dos grupos é independente e autónoma em relação à dos restantes, não existindo entre os grupos qualquer factor de conexão.

Face ao exposto, entendem os arguidos que não se verifica o condicionalismo tipificado no artigo 24.º, n.º 1 do CPP.

Assim sendo, requerem os arguidos que seja declarada a incompetência, por conexão, para a apreciação conjunta dos crimes imputados aos arguidos identificados na acusação e se proceda à separação de processos de acordo com a segmentação realizada na acusação.

O Ministério Público tomou já posição nos autos tendo promovido que: “ (…) Tendo em atenção a estrutura acusatória do nosso processo penal e considerando que a direcção do inquérito cabe ao Ministério Público e que a decisão sobre a verificação de conexão em inquérito, quer em ordem à apensação ou investigação conjunta, quer tendo em vista a separação de processos, cabe ao Magistrado titular do processo, certo é que, no caso em análise, entendeu aquele ser conveniente para a linha de investigação a conexão de processos. Concluiu pois pela investigação em conjunto da prática do crime de tráfico de estupefacientes, cometido por vários agentes, numa zona geográfica limitada ao centro do país (e à Comarca de Leiria), realçando-se a zona da (…), com maior incidência nos anos de 2016 e 2017.

Ora, tendo ocorrido a referida conexão na fase de inquérito, sem desrespeito por qualquer princípio ou norma legal, julgo que a separação de processos a efectuar neste momento resulta em maior dano do que benefício para todos, designadamente para os arguidos.

Aliás, a referida unidade processual não colidiu nem colide com qualquer direito de defesa dos arguidos e respeita em pleno o direito ao contraditório.

Acresce que, mostrando-se já designada a data para a realização de debate instrutório, mostra-se não só inconveniente à luz dos princípios de celeridade e economia processual, como prejudicial aos seus intervenientes, a multiplicação de processos no momento presente, o que implica além do mais que posteriormente algumas testemunhas venham por diversas vezes a juízo para repetirem a exposição de factos.

São as próprias regras da razoabilidade e do princípio da lealdade processual consagrado na CRP e ainda os princípios supramencionados que apontam para a manutenção da conexão, sendo que não se mostra presente nenhuma das situações retratadas no artigo 30.º do CPP.

Por fim, não posso deixar de realçar que os arguidos não vieram apresentar os contornos precisos quanto à concretização da requerida separação de processos, ficando por perceber em que moldes deveria a mesma ser efectuada.

Nestes termos, salvo melhor opinião, entendo que não deverá ser declarada a incompetência, por conexão, mantendo-se a apreciação em conjunto dos crimes imputados aos arguidos.” Cumpre pois apreciar e decidir.

Nos presentes autos a instrução foi apenas requerida pelo arguido D….

A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Ou seja, impõe-se nesta fase que o juiz de instrução aprecie dos indícios em ordem a proferir despacho de pronúncia ou de não pronúncia relativamente ao arguido que requereu a instrução.

Neste momento os arguidos A…, B… e C…, vieram colocar em causa o entendimento seguido pelo Ministério Público e que levou à investigação conjunta, nestes autos, da actividade desenvolvida pelos arguidos, entendendo que não se verificam quaisquer factores justificativos de conexão, requerendo que se proceda à separação de processos.

O inquérito é da competência do Ministério Público (art.º 263.º do CPP), a quem cabe exclusivamente a sua direcção, praticando como tal os actos e assegurando os meios de prova necessários “que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação” (art.º 262.º n.º 1 do Cód. Proc. Penal).

Assim e neste momento ao Juiz de Instrução apenas se impõe apreciar se existe fundamento para determinar a separação de processos ao abrigo do disposto no artigo 30.º do Código de Processo Penal.

A este respeito pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.06.2013, proferido no processo n.º 1244/12.8TBPRT-A.P1, Relator ANTÓNIO GAMA, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte.

  1. A “regra” de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial, não é uma regra legal expressa em matéria de competência, mas apenas uma decorrência lógica da finalidade e âmbito do inquérito, art.º 262.º do Código de Processo Penal, das regras de competência material, funcional e territorial, resultando também de uma leitura a contrario do art.º 29.º do Código de Processo Penal, inserido sistematicamente na competência por conexão.

  2. Tendo em vista objectivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como prevenir a contradição de julgados, em certas situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, a lei admite restrições ao funcionamento das regras gerais de competência material, funcional e territorial, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente, para a melhor realização da justiça, que todos sejam apreciados conjuntamente.

  3. A conexão pode operar na fase de inquérito, instrução ou julgamento, desde que os processos se encontrem simultaneamente na mesma fase.

  4. Operada a conexão e “organizado um único processo” também se admite, o caminho inverso, que em determinadas situações, verificados certos pressupostos, tenha lugar a separação de processos.

  5. Tendo em atenção a estrutura acusatória do processo penal, considerando que a direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, e que a decisão sobre a verificação de conexão em inquérito, quer em ordem à apensação ou investigação conjunta, quer tendo em vista a separação de processos, não consta das restrições dos art.ºs 268.º e 269.º do CPP, tem-se...

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