Acórdão nº 458/17.9T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução23 de Outubro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 04.4.2017, J (…), Lda., intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, a presente acção declarativa comum contra M (…) (1ª Ré), M (…) (2ª Ré) e H (…), Lda. (3ª Ré), pedindo que seja declarada a nulidade dos seguintes negócios:

  1. Contrato de compra e venda titulado por escritura pública celebrada, em 09.6.2005, entre M (…), a 1ª e a 2ª Rés e a 3ª Ré, inerente ao prédio rústico denominado “L…”, situado no lugar de …, freguesia de …, concelho da Guarda, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial (CRP) da Guarda, sob o …o, daquela freguesia de …; b) Contrato de compra e venda titulado por escritura pública celebrada em 19.3.2008, entre a 3ª Ré e a A., inerente ao prédio rústico, denominado “L…”, sito em …, freguesia de …, concelho da Guarda, descrito na CRP da Guarda, sob o número …, da indicada freguesia de ….

    Peticiona, ainda, que se ordene o cancelamento de todos os registos posteriores ao registo de aquisição do mesmo prédio (designadamente os registos de negócios mencionados na alínea a) e quaisquer outros posteriores), bem como o cancelamento da inscrição do prédio urbano, participado à matriz através da declaração Mod.1 do IMI n.º …, entregue em 17.

    1. 2005, sito em …, …, freguesia da …, com área total de terreno de 6 887 m2, inscrito sob o artigo provisório …, da freguesia de …, concelho da Guarda.

      Alega, em síntese: adquiriu à 3ª Ré o prédio rústico que identifica, por se tratar de um terreno para construção urbana, fazendo-o exclusivamente com a finalidade de nele proceder à execução do projecto de edificação aprovado pela Câmara Municipal da Guarda (CMG), com licença de construção a pagamento, cujo processo camarário era o n.º …, dado que caso contrário, não o teria adquirido por preço nenhum, sendo certo que o preço que acordaram teve em vista, exclusivamente, a finalidade construtiva do Lar de Idosos; deu entrada na CMG o pedido de averbamento do processo de licenciamento, sendo que em 28.3.2008 a CMG emitiu o alvará de licenciamento de obras n.º …, em nome da 3ª Ré, referente ao processo de titulava a aprovação de tais obras; todavia, a área, configuração e confrontações do prédio, já não eram as que se encontravam descritas aquando da aprovação da informação prévia, em virtude de um destaque operado pelas 1ª e 2ª Rés, com conhecimento da 3ª Ré, o que determinou que, aquando da aquisição pela A., na realidade, não fosse possível a construção do lar de idosos porque as condições que haviam sido apreciadas no âmbito da informação prévia requerida pela 3ª Ré e que foram seguidas no processo de licenciamento foram alteradas por um destaque; o destaque produzido, ao fraccionar o terreno em dois, teve como efeito a duplicação de índices e a multiplicação dos parâmetros urbanísticos, pelo que deverá ser declarada a nulidade dos contratos de compra e venda; atento o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, bem como o Pano Director Municipal (PDM) da Guarda, designadamente no que respeita à localização de equipamentos urbanos, é nula a deliberação da CMG de 31.

      3.2004 que atribuiu interesse municipal, não produzindo quaisquer efeitos, nulidade da deliberação camarária que pode ser declarada a todo o tempo por órgão administrativo ou qualquer Tribunal, pelo que sobre um acto nulo não pode constituir-se qualquer relação jurídica ou situação de facto, devendo o mesmo ser erradicado da ordem jurídica; a competência para atribuição de interesse municipal pertence à Assembleia, por ser o órgão que aprovou o PDM, o que no caso concreto não sucedeu, dado que foi uma deliberação da CMG, pelo que também por esse motivo - e atento parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional Centro - tal deliberação é nula; a nulidade da deliberação da CMG tem por efeito a nulidade dos contratos de compra e venda titulados pelas escrituras públicas aqui em causa, por impossibilidade de objecto, nulidade decorrente também da violação de normas de carácter imperativo do RGEU; em virtude da alteração da área dos prédios e do destaque que foi feito, quando a CMG emitiu, em 28.3.2008, o alvará de licença de obras, a situação de facto do prédio, designadamente área, configuração e confrontações já se haviam alterado, pelo que tal impedia que se mantivesse o licenciamento, motivo pelo qual tal licenciamento padecia de nulidade insuprível; faltando um dos elementos essenciais do acto administrativo, tal gera a sua invalidade nos termos do art.º 133º, n.º 1 do CPA, pelo que a construção do lar de idosos, nunca poderia ser levada a cabo nas condições que haviam sido apreciados no pedido de informação prévia, motivo pelo qual as vendas são nulas por impossibilidade de objecto, sendo fisicamente impossível concretizar o projecto de edificação aprovado pela CMG.

      As Rés vieram contestar a acção, alegando, para além do mais Que se prende com a eventual existência de litispendência ou prejudicialidade relativamente aos embargos de executado que referem e nos quais dizem ser peticionado pela aqui A., ali embargante/executada, a declaração de nulidade da deliberação da CMG por violação das normas que invoca, e invalidade também do acto administrativo por não ter sido tal deliberação submetida à Assembleia Municipal., que as 1ªs Rés apresentaram o requerimento de 26.

    2. 2004 à CMG, tendo tido resposta favorável, por estarem cumpridos os requisitos legais, designadamente resultantes do PDM, tendo vendido posteriormente à 3ª Ré o terreno em causa, nos termos constantes da respectiva escritura pública, formal e materialmente válida e legal; reportam-se, ainda, aos pedidos de informação prévia efectuados junto da CMG e aos condicionantes do PDM por o terreno se encontrar em área rural, tendo, em consequência do mesmo, sido proferida a deliberação de 31.3.2004 da CMG, que deliberou conceder interesse municipal ao empreendimento, sendo tal deliberação válida e eficaz, sendo certo que era sempre a CMG, munida dos pareceres técnicos necessários, e não a Assembleia, a atribuir tal interesse municipal; assim, o projecto foi aprovado e à data da celebração da escritura pública entre a A. e a 3ª Ré, como era do conhecimento das partes, o projecto estava concluído, e licenciado, pelo que a A. apenas não edificou o projecto resultante do processo de obras aprovado pela CMG por razões que apenas ela sabe.

      As Rés pediram a intervenção acessória provocada da Município da Guarda, invocando, designadamente: a posição processual da chamada tem por objecto e causa de pedir as nulidades imputadas às Rés por violação do PDM da Guarda e demais disposições de ordenamento, planeamento e edificação, pelo que decorrentes de actos de gestão municipal; estando pendente uma acção, pode nela intervir um terceiro que tenha interesse em que a causa não seja decidida favoravelmente a uma das partes, e pode também intervir um terceiro que tenha interesse em ser abrangido pelo caso julgado da decisão; resulta expresso dos pedidos da A., tal como configurados na acção, que uma eventual procedência daqueles, implicaria entre as Rés, uma sucessão de danos e prejuízos, pois, em caso de procedência do presente pleito, a A. ficaria desobrigada do pagamento do preço à 3ª Ré pela compra e venda descrita em b), supra, e esta, por sua vez, a exercer o seu direito de crédito sobre as 1ª e 2ª Rés, impendendo sobre estas a obrigação de restituição do preço pelo negócio titulado em a) do mesmo pedido; porém, dada a intervenção da CMG em todos os factos jurídicos em que actuou munida do seu ius imperii, as Rés teriam direito a ser indemnizadas pela anulação das respectivas escrituras; na medida em que o prejuízo para as Rés, na procedência da pretensão da A., é (ou possa ser) imputável à violação de procedimentos administrativos, que, afinal, estavam na base da relação contratual que (também) fundamenta a presente acção (o destaque e a impossibilidade do objecto, levando, no limite, à impossibilidade legal e física de edificação do lar de idosos) estabelecida fica a conexão legalmente exigida e a que se refere o art.º 321º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), dado que as Rés para se defenderem, terão de invocar a estrita conformidade entre a sua actuação privada e o decidido/deliberado pela CMG, pelo que se justifica que se faça intervir o restante sujeito desse procedimento, estando verificados os pressupostos exigidos pelo n.º 1 do art.º 321º e pelo n.º 2 do art.º 322º, do CPC, para se admitir a intervenção, como associada das Rés, da chamada CMG.

      Por despacho de fls. 279, não obstante a oposição da A., foi admitida a requerida intervenção acessória do Município da Guarda, considerando-se preenchido o requisito a que alude a parte final do art.º 321º, n.

      º 1 do CPC.

      O Município da Guarda contestou, pugnando, desde logo, pela incompetência do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda em razão da matéria, considerando, em síntese: pretende a A. que se venha declarar a nulidade dos contratos de compra e venda titulados pelas escrituras públicas de 09.6.2005 e de 19.3.2008; para tanto, vem invocar a existência de vícios de violação de lei e de violação do PDM da Guarda no procedimento administrativo prévio a tais escrituras, os quais inquinaram (de forma necessária e irremediável) os ditos contratos de compra e venda; sempre, e de acordo com a argumentação expendida pela A.

      , tais vícios determinaram a existência de nulidades que, inquinando o procedimento administrativo conducente à emissão de alvará de licença de obras para construção de um empreendimento determinado (ao qual terá sido reconhecido interesse municipal) a ser edificado no terreno que foi objecto dos contratos de compra e venda titulados pelas referidas escrituras, acabaram por invalidar estes dois negócios; por esse motivo, pretende a A. o reconhecimento judicial da existência de tais vícios, e, por arrastamento, a declaração de nulidade dos negócios que tiveram por objecto o terreno onde presumidamente seria efectivado o...

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