Acórdão nº 1483/16.2T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução08 de Maio de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recorrentes…………………...

E (…) e esposa A (…) Recorrida………………………M (…)*I. Relatório

  1. O presente processo tem como objeto de litígio a determinação do titular do propriedade sobre o espaço melhor descrito no artigo 17.º da petição, relativo a um lugar de aparcamento na cave de um edifício constituído em propriedade horizontal, que a Autora afirma ser parte integrante da sua fração autónoma e a indemnização que alega ser-lhe devida pela ocupação de tal espaço pelos Réus.

    Para o efeito a autora, ora recorrida, formulou estes pedidos: «

  2. Declarar-se que a A. é a legítima proprietária e possuidora do imóvel melhor descrito no art.º 1º da P.I. que é a fração autónoma designada pela letra “…”, integrada no prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito no n.º … de polícia da Av. ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Guarda sob o art.º ..., descrito na Conservatória do registo Predial da Guarda sob a descrição ... de 02/11/1988 e o respetivo direito de propriedade aí inscrito a favor da A. sob a apresentação ... de 23/06/2016.

  3. Declarar-se que o espaço com cerca de 15 m² existente na 3ª cave, identificado com a letra “O”, destinado a estacionamento de veículos, sito entre a rampa de acesso e o espaço para aparcamento de veículos identificado com a letra “N”, está integrado na sobredita fração “O” fazendo parte integrante da mesma, sendo assim propriedade da A.

  4. Condenar o R. a deixar tal espaço livre e desimpedido da sua pessoa e bens.

  5. Condenar o R. a pagar à A., a titulo de indemnização pela ocupação abusiva de tal espaço, a quantia de 5,00 € diários, contabilizados desde a sua interpelação ocorrida em 03/08/2016 até a entrega efetiva de tal espaço à A., cifrando-se atualmente no montante de 460,00 € (quatrocentos e sessenta euros) tal valor indemnizatório».

    Os Réus contestaram, alegando, em síntese, que sempre ocuparam o lugar de estacionamento «O», exclusivamente, e que o lugar da Autora é o que se encontra assinalado com a letra «N», porquanto ocorreu na altura da constituição da propriedade horizontal a supressão da letra «K» atribuída a um a das frações habitacionais, pelo que o lugar de estacionamento que inicialmente esteve atribuído à fração «O» passou a ser o «N» e assim sucessivamente até ao lugar de estacionamento afeto à fração «L» que ocupou o lugar da primitiva fração «K», devendo, por isso, a ação improceder.

    No final foi proferida a seguinte decisão: «…o Tribunal decide julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência: - declara que a Autora M (…) é a legítima proprietária e possuidora do imóvel melhor descrito no artigo 1.º da petição inicial que é a fração autónoma designada pela letra “O”, integrada no prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito no n.º .. de polícia da Av. ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Guarda sob o art.º ..., descrito na Conservatória do registo Predial da Guarda sob a descrição ... de 02/11/1988 e o respetivo direito de propriedade aí inscrito a favor da Autora sob a apresentação ... de 23/06/2016; - declarar que o espaço com cerca de 15 m² existente na 3.ª cave, identificado com a letra “O”, destinado a estacionamento de veículos, sito entre a rampa de acesso e o espaço para aparcamento de veículos identificado com a letra “N”, está integrado na sobredita fração “O” fazendo parte integrante da mesma, sendo assim propriedade da Autora; - condena os Réus (…) a deixar tal espaço livre e desimpedido da sua pessoa e bens; - absolve os Réus do demais peticionado contra si pela Autora. 50 Custas a suportar pela Autora e Réus, na proporção do decaimento – cfr. artigos 527.º, n.º 1 e 2, 528.º, nº.1 do Código de Processo Civil».

  6. É desta decisão que recorrem os Réus tendo formulado as seguintes conclusões: c) A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

    (…) II. Objeto do recurso De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

    Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes: 1 – A primeira questão colocada pelo recurso respeita à impugnação da matéria de facto.

  7. Os Recorrentes pretendem que a matéria do facto provado n.º 17 passe a «não provada».

  8. Que a matéria declarada provada em 39 dos factos considerados como provados, passe a ser a seguinte: «Seja o Réu (e sua esposa), sejam os seus antecessores naquela fração ((…)), desde pelo menos 1... (altura em que este últimos passaram a viver na fração autónoma hoje pertencente ao réu), ocuparam e utilizaram o espaço físico destinado a aparcamento de viaturas, sito na 3ª cave do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal aqui em apreço identificado pela letra O na planta, o que os réus passaram a fazer de forma exclusiva a partir de 2001».

  9. Que a matéria declarada como provada em 42 dos factos considerados como provados, passe a ser a seguinte: «Exercendo tais poderes na convicção de que exerciam um direito em nome próprio, com exclusão de outrem».

  10. Deve dar-se como provado que: (I) «Da fração autónoma identificada pela letra P do prédio urbano acima identificado, faz parte integrante o espaço físico ora reivindicado pela autora (como lugar destinado ao aparcamento de veículos)».

    (II) «Os lugares de aparcamento de viaturas sitos na 3.ª cave (então já identificados com tinta no chão daquele piso) sofreram as alterações de identificação referidas em 23, 36 e 37».

    (III) «O lugar de aparcamento correspondente à fração autónoma hoje da propriedade da autora é aquele que se encontrava individualizado pela letra N (seja no piso da 3.ª cave, seja no projeto apresentado junto da Câmara Municipal da Guarda) e o lugar de aparcamento correspondente à fração autónoma hoje do réu (e de sua esposa) é aquele que se encontrava individualizado pela letra O (seja no piso da 3.ª cave, seja no projeto apresentado junto da Câmara Municipal da Guarda)» (IV) «O referido de 39 a 41 ocorreu sempre desde 1992, exclusivamente e sem oposição ou contestação de outrem».

    (V) «jamais os antecessores da autora na fração por esta adquirida ocuparam ou utilizaram tal lugar para estacionamento de veículos ou para o que quer que fosse».

    2 – Em segundo lugar, caso tenha procedido no todo ou em parte a impugnação da matéria de facto, cumpre verificar se face às normas jurídicas aplicáveis a ação improcede por não ser possível concluir que «o espaço com cerca de 15 m2 existente na 3.ª cave, identificado com a letra O, destinado a estacionamento de veículos, sito entre a rampa de acesso e o espaço para aparcamento de veículos identificado com a letra N, está integrado na sobredita fração O fazendo parte integrante da mesma, sendo assim propriedade da Autora».

    3 – Em terceiro lugar, verificar se compaginando a matéria de facto dada como provada em 25, 26, 27 e 28 com a disciplina jurídica do disposto no art. 1294º, Cód. Civil, se deve concluir que o lugar de garagem objeto de litígio foi adquirido pelos Réus.

    1. Fundamentação a) Impugnação da matéria de facto.

    Antes de iniciar a apreciação concreta cumpre deixar exaradas algumas ideias sobre o tem, na expetativa de que sirvam para melhor compreensão do irá ser dito e do sentido da decisão.

    Em primeiro lugar, contrapondo-se duas versões acerca dos factos, que mutuamente se excluem, como é o caso dos autos, só uma delas pôde ter existido, pois a realidade que nos cerca é só uma em cada momento histórico.

    Por ser assim, se o juiz declara um facto ou uma versão factual como provada, isso implica que a respetiva situação contrafactual não tenha existido e resulta logicamente não provada.

    Em segundo lugar, todo o facto controvertido que integra uma das hipóteses factuais em disputa, caso tenha existido, é explicável e é explicável através de outros factos anteriores, que o «causaram», digamos, e que valem como provas da sua existência.

    Como todo o facto que existiu é explicável, logicamente, o que não existiu não é explicável e, por isso, não obtém corroboração em outros factos, quer sejam anteriores, contemporâneos ou posteriores.

    Por outro lado, o facto controvertido que existiu efetivamente produziu, em regra, outros factos que são seus resultados ou consequências.

    Um facto que não tenha existido não é explicável, nem podem existir provas de onde se infira a sua existência. Ser porventura foram apresentadas provas que aparentam corroborá-lo, então ou não são genuínas ou, se o são, a corroboração insere-se num processo de explicação necessariamente parcial e aparente que será refutado em globo por outras provas.

    Em terceiro lugar, um facto que tenha existido é sempre adequado a obter múltiplas corroborações e é fértil no sentido de ser apto a produzir, a partir da sua matéria factual, novas conjeturas sobre possíveis outras provas que o corroborarão, não sendo refutável, salvo por ignorância de todas as circunstâncias factuais em que esteve inserido.

    A corroboração existe quando um facto probatório faça parte de um processo causal ou teleológico, no caso de se tratar de ações humanas, no âmbito do qual seja possível estabelecer uma ligação entre o facto a provar e o facto probatório e vice-versa.

    Em quarto lugar, em termos de raciocínio prático, o juiz partirá da ideia de que cada núcleo das versões factuais em confronto existiu e, seguidamente, verificará que dados empíricos, isto é, que provas corroboram ou refutam cada uma das versões.

    Em quinto lugar, a versão que corresponder à realidade histórica apresentará sintomas da sua existência como facto real.

    Assim, é sintoma de verdade o facto de um meio...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT