Acórdão nº 542/16.6GCVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução08 de Maio de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO Nos presentes autos: - a assistente AS deduziu acusação particular (fls. 45/47) contra a arguida AA, imputando-lhe a prática, em concurso real e na forma consumada, de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º e de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º, ambos do Código Penal (deduzindo também pedido de indemnização civil, a título de danos não patrimoniais).

O Ministério Público acompanhou a acusação deduzida (fls. 51).

Por despacho de fls. 58/63, tal acusação particular, apresentada pela assistente, foi rejeitada por manifestamente infundada (uma vez que os factos imputados à arguida, tal e qual se encontram descritos, não constituem crime), nos termos do artigo 311º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d) do CPP.

Mais foi determinado o arquivamento dos autos.

* A assistente interpôs recurso de tal despacho, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: 1. O despacho recorrido rejeitou, por manifestamente infundada, a acusação particular deduzida pela assistente, determinando o arquivamento dos autos.

  1. Alegando que a assistente não descreve todos os factos que permitam imputar à arguida uma pena ou uma medida de segurança pela prática dos crimes imputados.

  2. Alegando ainda que a assistente omite os factos alusivos à consciência da ilicitude por parte da arguida, ou seja, que a mesma agiu, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

  3. Concluindo que, “..

    . além da acusação estar ferida de nulidade, os factos, pelos motivos supra expostos, tal e qual se encontram descritos, não constituem crime, pelo que, deverá tal acusação particular ser rejeitada, por manifestamente infundada.” 5. Determinando, em consequência, o arquivamento dos autos.

  4. Contudo e, analisada a acusação particular deduzida pela assistente, verifica-se que se encontram preenchidos os elementos típicos (objectivos e subjectivos) dos crimes, objeto da acusação particular, a que aludem as alíneas a) a g) do n° 3 do art. 283° do C.P.P., nomeadamente na alínea b), de modo a que a mesma não seja considerada nula, mas, válida e legal.

  5. Até porque e, como resulta desta norma, basta uma narração sintética dos factos que fundamentam os elementos típicos, objectivos e subjectivos, do crime, que se verificam no caso concreto.

  6. No que se refere ao elemento subjetivo do crime de injúrias e do crime de difamação, em que assenta o despacho sob censura, a assistente alegou que: “...

    tais expressões proferidas pela arguida dirigidas à assistente pretenderam ofender a honra, consideração e imagem pessoal desta, Objectivo, in casu, totalmente atingido, na estrita medida em que a assistente se sentiu bastante ofendida na sua honra, consideração e imagem pessoal…” 9. Concluindo em 14° da acusação que: "A arguida atuou de forma livre, consciente e com o propósito de ofender o bom nome, honra e consideração devidas à assistente; 10. Entendendo, pois, a recorrente, que a alegação de tais factos consubstanciam, factualmente, consciência da ilicitude, entendida esta, como uma exigência da actuação dolosa do agente na realização do facto típico, integrando tal narração, os elementos intelectual e volitivo do dolo, dolo ofendendi e difamandi, integrantes dos ilícitos descritos na acusação.

  7. Sendo certo que, mesmo que assim se não entendesse, no caso concreto, nunca estaríamos perante a ausência da narração de factos subjacentes aos elementos subjectivos dos crimes de injúrias e de difamação, pois, nesse caso, i.é, de deficiente, e não, ausência de narração, dos factos integradores do elemento subjectivo do tipo (dolo) pode sempre ser integrada, em julgamento, por recurso à lógica, racionalidade e normalidade dos comportamentos humanos, donde se extraem conclusões suportadas pelas regras da experiência comum.

  8. Isto porque, não constitui nulidade, a deficiente (e não, inexistente), descrição dos elementos subjectivos dos ilícitos criminais constantes da acusação.

  9. Até porque e, como já se referiu, a assistente alegou que a arguida “… atuou de forma livre, consciente e com o propósito de ofender o bom nome, honra e consideração devidas à assistente.

    Objectivo, in casu, totalmente atingido, na estrita medida em que a assistente se sentiu bastante ofendida na sua honra, consideração e imagem pessoal ...

    “ 14. Sendo pois certo que, nos referidos crimes dolosos (injúrias e difamação) imputados à arguida, consta expressamente da acusação particular deduzida pela assistente que a arguida agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - a arguida pôde determinar a ação), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade - o arguido é imputável).

  10. Encontrando-se, pois, estes elementos preenchidos na alegação da assistente mencionada em 8. e 13., tendo, pois, a arguida agido livre, deliberada e conscientemente.

  11. De tal factualidade se extrai ou, pelo menos, é possível extrair, o conhecimento do ato criminoso constante das expressões imputadas - elemento intelectual e a vontade de praticar e atingir um ato e resultado criminoso elemento volitivo.

  12. Ademais e, mesmo que assim se não entendesse, sempre se diria que, a nulidade prevista no n.º 3 do art. 283° do C.P.P. não é insanável.

    Neste sentido, Ac. RP de 6 de dezembro de 2006, Proc. 0644697, Rel. Pinto Monteiro e ainda no mesmo sentido, Ac. STJ de 7 de dezembro de 1994, BMJ 442, pág. 76.

  13. "Só a omissão total do elemento subjectivo, e insusceptível de ser suprida é que constitui fundamento para a rejeição" (Ac. RE de 15 de Julho de 2008, CT, XXXIII, T.III, pág. 264).

    (o sublinhado e o negrito são nossos).

  14. O que não se verificou, de todo, na acusação particular dos autos, como resulta do atrás exposto.

  15. A recorrente entende que, com a sua alegação, encontram-se preenchidos os elementos subjectivos dos crimes que imputa à arguida.

  16. Mesmo que assim se não entendesse, o que apenas se equaciona por hipótese de raciocínio, sempre se diria que, há mesmo quem considere que, nos casos em que os elementos do crime não se encontram completamente enunciados na acusação, que a acusação não é manifestamente infundada, não podendo, por isso, ser rejeitada.

    Neste sentido, Ac. RL de 26 de setembro de 2001 - Proc. 0075443, Rel. Adelino Salvado e Ac. RL de 12 de novembro de 2008 - Proc.5736/2008-3a, Rel. Telo Lucas.

  17. Concluindo, entre outros, o Ac. RP de 5 de dezembro de 2007, Proc. 0745339, Rel. Artur Oliveira que: "Não é fundamento de rejeição da acusação a falta de alegação da consciência da ilicitude." (o sublinhado e o negrito são nossos) 23. Entendendo pois a recorrente que a sua alegação, nos termos expostos e referente ao elemento subjectivo dos crimes de que deduziu acusação, não constitui qualquer omissão do referido elemento subjectivo, uma vez que, e com referência ao momento volitivo (vontade de realização do tipo objectivo de ilícito) encontra-se totalmente preenchido, e mesmo que se equacionasse por mera cautela, haver, quando muito, uma deficiente ou precária narração quanto ao seu elemento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta), a mesma, tendo em conta o conjunto da restante factualidade narrada dos elementos subjectivos pode ser colmatada nos termos atrás expostos.

  18. Não sendo, pois, em nosso entender, tal...

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