Acórdão nº 2411/10.4TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO AREIAS
Data da Resolução18 de Setembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO M (…) intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra V (…), Lda.

e P (…), Lda., alegando, em síntese: ter sido atingida por um produto que continha ácido sulfúrico, produzido/comercializado pela ré “V (…)” e adquirido à ré “P (…)”; tal produto, que se destinava a desentupir canos, foi vendido sem qualquer ficha técnica; no momento em que a autora procedia à abertura da embalagem, a tampa soltou-se e o seu conteúdo atingiu-a, causando-lhe graves lesões corporais.

o sinistro deveu-se ao não cumprimento das normas de segurança no fabrico da embalagem do produto, designadamente da sua tampa.

Conclui, pedindo a condenação solidária das rés a pagar-lhe a quantia de € 95.000,00, na qual computou os danos morais por si sofridos, acrescida de juros legais, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Cada uma das Rés apresenta a sua contestação: excecionando a prescrição do direito indemnizatório de que se arroga a autora, por terem decorrido mais de três anos desde a data do sinistro até ao momento de interposição da ação, nos termos do disposto no artigo 498º, nº 1 do Código Civil; arguindo a respetiva ilegitimidade processual, por serem meras importadoras, distribuidoras e redistribuidoras do produto em questão, não tendo qualquer responsabilidade na sua produção, fabrico, classificação, rotulagem e embalagem, respeitando a relação material controvertida em debate ao produtor; arguindo a ineptidão da petição inicial, por a autora não ter esclarecido em que condições lhe foi processada a indemnização laboral, em que valor esta foi fixada e qual a entidade que a liquidou, e ainda por não ter esclarecido a factualidade relativa à participação criminal que alegou ter efetuado; argumentando não lhes caber qualquer responsabilidade no sinistro em causa, tanto mais que foi a autora que solicitou a terceiro a abertura do frasco e que, de forma imprudente, o manuseou, derramando sobre si própria o líquido que continha; a autora foi elucidada pela co-Ré P (…) risco de utilização do produto, desconhecendo as rés se foi o produto por ambas distribuído que causou os danos invocados, cujas caraterísticas, de todo o modo, eram do conhecimento da autora, por o vir manuseando ao longo dos anos na sua atividade profissional, sendo que, do rótulo do produto constavam indicações precisas, designadamente quanto à sua perigosidade e quanto ao facto de se destinar a uso profissional.

Concluem pela procedência das exceções invocadas, com as legais consequências, ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da ação.

A autora apresentou réplica, alegando, em síntese: o facto ilícito por si invocado constitui crime, pelo que é aplicável o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 498º, nº 3, do Código Civil; as rés são partes legítimas por terem colocado no mercado um produto com defeito na embalagem e sem a necessária ficha técnica, concluindo ainda que a petição inicial não padece de ineptidão.

Foi proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as exceções de prescrição, de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade.

*Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo as rés do pedido.

*Inconformada com tal decisão, a Autora dela interpõe recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: (…)*Não foram apresentadas contra-alegações por qualquer uma das Rés.

Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Impugnação da matéria de facto.

  1. Responsabilidade das Rés por defeito de informação.

  2. Indemnização por danos morais III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Impugnação da matéria de facto (…)*A. Matéria de facto São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, com as alterações aqui introduzidas em sede impugnação à decisão proferida sobre a matéria de facto: 5.1 – No dia 14/8/2006, pelas 12 horas, em Viseu (…), a autora M (…) foi vítima de um acidente (alínea A dos factos assentes); 5.2 – O produto de limpeza com nome comercial “W (…)” tem uma chamada tampa de segurança, sendo necessário premir com bastante força a tampa e só depois rodá-la (alínea B dos factos assentes); 5.3 – Pelo dito acidente, a autora apresentou participação criminal nos serviços do Ministério Público de Viseu, a que deu lugar o inquérito nº 568/08.3TAVIS, tendo sido aí proferido, em 15/3/2011, despacho de arquivamento (alínea C dos factos assentes); 5.4 – A ré participou o acidente ao tribunal de trabalho de Viseu, dando origem ao processo de AT nº 171/07.5TTVIS, onde lhe foi fixada uma indemnização por IPP (alínea D dos factos assentes); 5.5 – A autora, no exercício das suas funções de trabalho de limpeza, atividade que exercia por conta própria, nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 5.1, foi atingida por um produto que continha ácido sulfúrico (artigo 1º da base instrutória); 5.6 – A autora, por intermédio da ação de (…), então seu companheiro, havia adquirido nesse mesmo dia do acidente, da parte da manhã, no estabelecimento da ré “P (…)”, um produto de limpeza comercializado pela ré “V (…)”, com o nome comercial “W (…) (artigo 2º da base instrutória); 5.7 – Esse produto destinava-se a desentupir canos, e assim foi solicitado à vendedora, a ré P (…)” (artigo 3º da base instrutória); 5.8 – Do seu rótulo constavam a menção de “corrosivo” e os dizeres “W (…)”, bem como instruções de manuseamento aí se mostrando expresso que o mesmo se destinava a uso profissional e alertando para o facto de conter 90% (ou mais) da sua constituição, em ácido sulfúrico, sendo que, tanto o nome do produto como as demais informações a eles respeitantes se encontravam aí apostas unicamente em espanhol (artigos 4º, 28º e 29º da base instrutória); 5.9 – No momento mencionado em 5.6 não foi entregue pela ré “P (…)” qualquer ficha técnica, nem advertiu da sua composição (artigo 5º da base instrutória); 5.10 – Da ficha técnica, obtida posteriormente, resulta que tal produto tem na sua composição cerca de 90% de ácido sulfúrico (artigo 6º da base instrutória); 5.11 – Tal ficha técnica foi alterada após o acidente quanto à composição do produto (artigo 7º da petição inicial); 5.12 – A autora muniu-se de luvas de proteção (artigo 8º da base instrutória); 5.13 – No dia referido em 5.1, em condições que em concreto não foi possível apurar, quando manuseava a embalagem do produto “W (…)”, o seu conteúdo foi subitamente projetado para fora da embalagem, atingindo a autora na zona torácica, pescoço, braço esquerdo, barriga e pernas (artigo 9º da base instrutória); 5.14 – Ato contínuo, a autora pediu socorro, tirou a roupa, tendo sido de imediato levada para o Hospital de Viseu por um terceiro, e daí foi transferida para Coimbra, onde ficou internada (artigos 10º e 11º da base instrutória); 5.15 – Durante o seu internamento hospitalar na unidade funcional de queimados, a autora foi sujeita a quatro sessões de balneoterapia com indução anestésica, e duas sessões operatórias que consistiram em: -23/8/2016, escarectomia do membro superior esquerdo, tórax, abdómen e região cervical; - 28/8/2006, auto enxertos cutâneos no abdómen e membro superior esquerdo (artigo 12º da base instrutória); 5.16 – A autora teve alta para o domicílio em 31/8/2006 (artigo 12º da base instrutória); 5.17 – Em 4/9/2006, a autora foi observada na consulta externa de queimados, onde foi feito penso (artigo 12º da base instrutória); 5.17.a. De então para cá foi submetida a várias intervenções cirúrgicas, e no momento está a fazer correções a cicatrizes (artigo 13º da Base instrutória); 5.18 – A autora sofreu lesões, concretizadas em queimaduras de 2º grau e 3º grau em aproximadamente 6% da superfície corporal, abrangendo a região cervical, tronco anterior, braço esquerdo e pernas, provocadas pelo referido produto (artigo 14º da base instrutória); 5.19 – A autora padece hoje com caráter definitivo e permanente de sequelas de vária ordem, designadamente: Pescoço: cinco cicatrizes de aspeto queloide na face anterior e lateral, a maior com sete centímetros e a menor com dois centímetros; Tórax: doze cicatrizes de aspeto queloide na face anterior, a maior com dezassete centímetros e a menor com um centímetro; Abdómen: cicatriz operatória com 51 centímetros e sete cicatrizes supra umbilicais a maior com oito centímetros e a menor com um centímetro; Membro Superior Esquerdo: várias cicatrizes de aspeto queloide, a maior com vinte centímetros e a menor com um centímetro; Membro Inferior Direito: cicatrizes de aspeto queloide, a maior com dezasseis centímetros e a menor com quatro centímetros e outra na perna com sete centímetros (artigo 15º da base instrutória); 5.20 – Nos HUC de Coimbra, a autora foi submetida a plásticas reconstrutivas, tendo dado entrada em 14/8/2006, transferida do Hospital de Viseu (artigo 16º da base instrutória); 5.21 – Por força das lesões sofridas no acidente, a autora teve dores que se situam no grau 5, numa escala de sete valores (artigo 17º da base instrutória); 5.22 – As cicatrizes mencionadas no facto 5.19, de que a autora ficou portadora, provocam-lhe um dano estético permanente situado no grau cinco, numa escala de sete valores (artigo 18º da base instrutória); 5.23 – Na zona das cicatrizes, a pele da autora ficou muito sensível ao calor, pelo que nunca pode andar com o tronco à mostra, nem de biquíni na praia, tendo vergonha de o...

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