Acórdão nº 162/16.5T8IDN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução25 de Setembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I Relatório

  1. A C (…) instaurou a presente ação declarativa de simples apreciação negativa, para obter sentença que declarasse que a Ré não viveu em união de facto com o beneficiário F (…).

    No final foi proferida a seguinte decisão: «Com os fundamentos de factos e direito expostos, julgo a presente acção totalmente procedente e, em consequência, decide-se declarar a inexistência da união de facto entre a ré A (…) e F (…) desde o ano de 2010 até 01.04.2016.

    Custas a cargo da Ré (nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, Código do Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário concedido».

  2. É desta decisão que recorre a Ré, tendo formulado as seguintes conclusões: (…) c) A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

    (…) II. Objeto do recurso De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

    Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes: 1 - Em primeiro lugar cumpre apreciar a impugnação da matéria de facto declarada não provado que é esta: «

  3. Por volta do ano de 2011/2012 até Abril de 2016, a Ré passou a partilhar com F (…) a mesma habitação, despesas e companhia um do outro».

    b) Durante o período aludido em a), de forma ininterrupta, a Ré e F (…) partilharam a mesma cama, relacionando-se efectiva e sexualmente

    .

    c) A ré e F (…) recebiam amigos comuns em casa deste último

    .

    d) Frequentemente tomavam café com amigos e conhecidos num café ou restaurante em termas de M (...)

    .

    e) As despesas comuns da Ré e de F (…) designadamente com a alimentação, vestuário, transportes eram suportadas por ambos, ficando a cargo do falecido o pagamento das despesas da água, gás e energia elétrica onde viviam

    .

    «f) Familiares e amigos conheciam a relação existente entre a Ré e F (…).

    g) F (…) optou por esconder do filho a relação amorosa que partilhava com a Ré em virtude daquele não ter aceitado bem, numa fase inicial, a presença daquela na vida do pai

    .

    A recorrente pretende que estes factos sejam declarados provados.

    E pretende que seja declarado que «O referido em 5), 6) e 8) dos factos provados ocorria desde o ano de 2011/2012».

    2 - Em segundo lugar, se a impugnação for procedente, cumpre verificar qual a repercussão dos factos agora declarados provados sobre o mérito da causa, ou seja, de resulta dos mesmos a existência de uma situação de união de facto entre a Ré e o beneficiário (…) .

    1. Fundamentação a) Impugnação da matéria de facto.

    A questão central ao nível da impugnação da matéria de factos declarada provada e não provada reside na questão de saber se a Ré e F (…) viveram em união de facto e se este estado ocorreu a partir dos anos de 2011/2012.

    O tribunal considerou que a prova produzida não permitiu formar a convicção de que existiu tal união de facto.

    A Ré sustenta no presente recurso que a prova produzida só pode levar a essa convicção.

    Ouvidas as declarações e depoimentos prestados, verifica-se que as declarações que a Ré atribui às testemunhas que indicou para fundar a sua pretensão não contêm erros, ou seja, correspondem ao que foi dito na audiência.

    Desde já se adianta, que a prova produzida não tem capacidade para formar a convicção do tribunal no sentido de ter existido tal relação, pelas razões que vão ser indicadas de seguida.

    (1) Em primeiro lugar, uma vez que a ação humana assume uma importância fundamental na compreensão dos factos em análise, antes de prosseguir com a apreciação individualizada das questões colocadas no recurso da matéria de facto, cumpre deixar aqui uma exposição acerca da compreensão e explicação da ação humana, que nos permitirá entender, em geral, o significado e razão de ser da ação individual, na expectativa de assim contribuir para a compreensão da decisão que será tomada.

    I - Vejamos uma ação que certamente já todos executaram ou viram executar alguma vez e perguntamos: por que razão alguém coloca uma carta no marco do correio? Diremos que o agente, ao proceder assim, quis alcançar uma certa finalidade, ou seja, quis levar o conteúdo da carta ao conhecimento de um terceiro e sabia – tinha a crença – que, ao depositá-la no marco, o serviço de correios recolheria a carta e entregá-la-ia ao destinatário indicado no rosto do envelope.

    Dizemos que o agente, ao proceder como procedeu, agiu a coberto de uma intenção adequada a satisfazer o seu propósito de levar ao conhecimento do destinatário o conteúdo da carta.

    E sabia, isto é, tinha suficiente conhecimento da realidade social (crença), que aquela ação era apropriada a conseguir tal finalidade.

    Sendo assim, podem ser sintetizadas algumas regras que são, sem dúvida, regras de experiência, utilizáveis pelo juiz no âmbito da decisão sobre a matéria de facto, quando os factos controvertidos consistem em ações humanas, ou seja: (

  4. As pessoas possuem crenças acerca do funcionamento causal da realidade que as cerca, bem como da intencionalidade que governa as ações humanas.

    (b) As pessoas têm necessidades, interesses e desejos (próprios ou de terceiros, morais ou imorais, legais ou ilegais, etc.), enfim, motivos ou razões para agir, que procuram satisfazer através das ações; (c) As pessoas acreditam, ainda que possam laborar em erro, que tais ações serão as adequadas a satisfazer esses motivos ou razões para agir; (d) Assim, aquilo que o agente faz está intrínseca e necessariamente ligado a uma intenção e a uma crença, no sentido de que aquilo que faz é adequado a alcançar a finalidade que tem em vista.

    (e) A ação humana é, por isso, naturalmente intencional (ou, então, não é ação, mas simplesmente algo que aconteceu à pessoa) ([1]).

    Concluir assim, é concluir, afinal, por uma regra da experiência básica, primordial, que não pode deixar de ter uma elevada importância no momento em que o juiz aprecia criticamente as provas, mas que, talvez por isso, poderá passar despercebida.

    A regra é esta: a ação humana é intencional (ou, então, não é ação, o que não significa que o agente não possa ser responsabilizado pela sua não ação, por não ter agido de certa forma, por ter sido negligente).

    1. Explicar uma ação consiste, então, em eleger um fim perseguido pelo agente em relação ao qual a ação é instrumental. Por outras palavras, explicar uma ação é racionalizá-la ([2]), inferindo as crenças e razões do agente a partir da evidência empírica disponível para um observador.

    Explicar uma ação humana que ocorreu ou que é afirmada num processo como tendo existido, é apresentar um motivo – aquilo que move – que satisfaça uma necessidade, um desejo ou um qualquer interesse do agente, lícito ou ilícito, bom ou mau, altruísta ou egoísta, etc., e uma intenção correspondente que lhe dê execução através dos movimentos físicos, corporais, que o agente considera adequados para alcançar a satisfação desse desejo, interesse ou finalidade.

    Por conseguinte, quando os factos a provar consistem em ações humanas, a sua explicação apela para uma relação teleológica que se estabeleceu no passado entre os interesses, desejos ou razões do agente, as suas crenças acerca do funcionamento da realidade e a decisão de levar a cabo certas ações que teve como idóneas para atingir as finalidades que pretendeu alcançar.

    Concluindo: ao analisar os factos que são ações humanas, quer alegados, quer referidos pelas testemunhas nos depoimentos, devem ter-se presentes estes elementos estruturais da ação humana que nos permitirão verificar a probabilidade das ações terem ocorrido ou terem ocorrido da forma como são descritas, seja pelas partes ou pelas testemunhas.

    III- Outro aspeto a levar em consideração é o fundo factual onde os factos são situados historicamente pelas partes.

    Como é evidente, os factos que na realidade existiram não surgiram do nada; são antes resultados das leis causais que governam a natureza ou da atrás mencionada intencionalidade que governa as ações humanas.

    Daí que os factos históricos obedeçam a regras de experiência e revelem, por isso mesmo, regras de experiência que explicam a existência desses mesmos factos.

    Por isso, todo o facto controvertido que tenha efetivamente existido historicamente tem a característica de ser explicável.

    E é explicável através das regras de experiência aplicáveis, incluindo a outros factos anteriores que o «causaram», factos estes que valem como provas da sua existência.

    Por outro lado, um facto controvertido que efetivamente existiu produziu, em regra, outros factos que são seus resultados ou consequências e também, por isso mesmo, tais factos, que surgem como resultados ou consequências, são também provas da sua existência.

    Além disso, todo o facto que existiu, existiu num universo factual mais vasto onde o mesmo foi gerado, pelo que um facto histórico também é mais ou menos provável consoante o fundo onde o mesmo se inseriu era ou não mais propício à sua génese. Como todo o facto que existiu é explicável, logicamente o facto que não existiu não permite tecer uma explicação coerente e, por isso, não obterá efetiva corroboração em outros factos probatórios, quer sejam anteriores, contemporâneos ou posteriores.

    Se, porventura, forem apresentadas provas que aparentam corroborá-lo, então ou não são genuínas ou, se o são, a corroboração insere-se num processo de explicação necessariamente parcial e aparente que será refutado em globo por outras provas.

    Um facto que tenha existido é sempre adequado a obter múltiplas corroborações e é fértil (no sentido de ser apto), a produzir, a partir da sua matéria factual, novas conjeturas sobre possíveis outras provas que o corroborarão, não sendo refutável...

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