Acórdão nº 568/05.5TAAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Novembro de 2007

Magistrado ResponsávelJORGE RAPOSO
Data da Resolução07 de Novembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I. RELATÓRIO.

  1. No processo em epígrafe, findo o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra a arguida A..

    .por crime de ameaça do art. 153º, nº2, ex vi dos art.s 202º al. b) e 213º nº 2 al. a) do Código Penal.

    Inconformada com a acusação pública, a arguida requereu abertura de instrução.

    Após realização de diligências instrutórias, foi proferido despacho de não pronuncia da arguida A...pela prática do crime de ameaça do art. 153º, nº2, ex vi dos art.s 202º al. b) e 213º nº 2 al. a) do Código Penal.

    O Sr. Juíz de Instrução fundamentou da seguinte forma a sua decisão instrutória de não pronúncia que se reproduz parcialmente: “Vem descrito na acusação pública que a arguida, na sequência de uma discussão com a ofendida B..., proferiu a seguinte expressão “que quando lhe apanhasse o carro a jeito, lhe riscaria o carro”. Diz-se ali também que a ofendida é dona de uma viatura que havia adquirido em 17 de Maio de 2002, pelo preço de 20.824,81€.

    Mas, será que só isto chega para preencher o elemento objectivo do crime porque a arguida vem acusada? Uma primeira observação se impõe, desde logo, pois que a ameaça de riscar o carro da ofendida não pode ser aferida através do valor patrimonial do mesmo pois a ameaça não foi da sua destruição integral mas apenas e tão só do valor da sua pintura e mão de obra correspondente e tal não vem referido na acusação pública.

    Depois, seguindo o entendimento do Prof. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense..., Tomo I., Pág. 346, “Quando a ameaça tiver por objecto a prática de crime contra bens patrimoniais, poder-se-á dizer que, em geral, embora não necessariamente, ou haverá crime de ameaça qualificada (art. 153º - 2) ou pura e simplesmente não haverá crime de ameaça. Isto, porque, se o bem patrimonial não for de considerável valor (art. 153º - 1), não há sequer crime de ameaça; e se o bem patrimonial for de considerável valor (=valor elevado do art. 202º a), então já haverá ameaça qualificada (art. 153º - 2), uma vez que, na generalidade dos casos, os crimes contra o património, em que esteja em causa um valor considerável ou elevado (p. ex. furto qualificado: art. 204º-1 a); dano qualificado: art. 213-1 a)), são puníveis com pena de prisão superior a três anos.” Seguindo este entendimento, temos, in casu, que a ameaça só ocorreria se o valor patrimonial da pintura do automóvel da ofendida e correspondente mão de obra, fosse de montante superior a 50 unidades de conta, valor que, à altura dos factos, se cifrava em 3.990,50€ (50X79.81€). Para tal efeito, deixando de parte a questão de saber se o veículo que possuía a queixosa era um Fiat Punto ou um novo Peugeot 307, apurou-se que o valor de pintura deste último veículo, a que se faz referência na acusação (cfr. doc. de fls. 97) importa em 1.494,35€, conforme informação de concessionário oficial da marca Peugeot - fls. 303.

    Assim, e sem necessidade de mais considerandos, impõe-se concluir que não se encontram nos autos elementos que possam sedimentar a acusação pública, concluindo-se, ao invés, que a conduta da arguida, mesmo a ter acontecido, nunca consubstanciaria a prática pela mesma do crime de ameaça, atento o “valor da ameaça” proferida.

    Em conclusão, não se torna muito provável a futura condenação da arguida pelo crime de que vem acusada ou esta seja mais provável que a sua absolvição, pelo que se entende que não existem indícios, reputados de suficientes, para pronunciar a arguida”.

  2. Da decisão de não pronúncia que veio a ser a final proferida, interpôs recurso o Ministério Público, sustentando a pronúncia da arguida e apresentando as seguintes conclusões: 1º A decisão instrutória recorrida merece a nossa discordância, em especial, pela interpretação do conceito de considerável valor contido no artº153º nº 1 do C. Penal.

    1. No art° 153° n° 1 do C.Penal o legislador utilizou o conceito indeterminado de "considerável valor" - sendo certo que, no mesmo Código Penal foram definidos outros conceitos legais com significado patrimonial diverso.

    2. No art° 202° do C.P., o legislador optou por definir os conceitos legais de "valor elevado", "valor consideravelmente elevado" e "valor diminuto" - e se tais conceitos foram definidos, tal só se compreende tendo em vista a sua utilização, no mesmo Código Penal, para todos os casos em que se pretendesse aludir ao seu significado.

    3. Como tal, não obstante o respeito devido à interpretação de que "considerável valor" é igual a "valor elevado" não pode com a mesma concordar-se, pois seria totalmente irrazoável que o legislador, para aludir a um valor superior a 50 unidades de conta, fosse utilizar outro conceito diverso da terminologia do seu próprio "dicionário".

    4. Pelo contrário: das definições legais do art° 202° se retira o inequívoco sentido de que a utilização de um conceito diferente (considerável valor) tem como clara intenção referir uma realidade patrimonial diferente das aí contempladas (valor diminuto, elevado ou consideravelmente elevado).

    5. "Considerável valor" será, pois, independentemente da sua quantificação, um valor importante ou relevante - para um homem médio, será, sem dúvida, o valor de um automóvel ou mesmo o valor da pintura do dito automóvel no montante de 1.494,35€.

    6. Acresce que não é legítimo fazer distinção entre o valor do bem visado e o valor do prejuízo causado no bem visado - e não é legítimo fazer essa distinção porquanto a mesma não é feita pelo próprio tipo de crime.

    7. Assim, o tipo exige a ameaça de prática de crime contra bens patrimoniais de considerável valor e não a ameaça da prática de crime patrimonial com prejuízo de considerável valor ...

    8. O crime de dano pode consistir em destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar, ou tomar não utilizável coisa alheia -mas nem o tipo de crime de dano nem o tipo de crime de ameaça exigem a destruição, ainda que parcial, para a verificação do crime; 10º Sendo imputada à arguida a ameaça com a prática de crime (de dano = desfigurar = riscar) contra um bem patrimonial (automóvel adquirido pelo preço de 20.824,81 €), tal há-de ser bastante para ser proferido despacho de pronúncia.

    9. O despacho recorrido violou o disposto no art° 153° n° 1 e 2 do Código Penal.

  3. A arguida respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso e concluindo: Quando a ameaça tiver por objecto, como é o caso dos autos, a prática de um crime contra bens patrimoniais, só existirá crime de ameaça, se o bem patrimonial sobre o qual promete a prática de um crime for de considerável valor, sendo que tal considerável valor corresponde ao valor elevado a que alude o art. 202º alínea a) do Código Penal, isto é, aquele que exceda cinquenta unidades de conta, no momento da prática do facto, ou seja, 3.990,5 Euros (50X79,81 Euros) 4.

    Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso. Sustenta tese diversa que merece ser aqui transcrita na sua parte mais relevante: …os conceitos que, como é o caso das alíneas do citado 202°, quantificam os valores dos bens a ter em conta nos crimes contra a propriedade ou contra o património em geral, são naturalmente aqueles que deverão servir também de referencial para a definição ou...

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