Acórdão nº 1543/05.5TBFIG-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelSILVA FREITAS
Data da Resolução02 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Nos autos de averiguação oficiosa de paternidade, Proc. 1543/05.5 TBFIG, do 1.º Juízo da Comarca da Figueira da Foz, que correm termos para a averiguação oficiosa da menor A.., o Ministério Público solicitou ao Instituto de Medicina Legal que providenciasse pela marcação de exame hematológico a realizar na pessoa da menor, de sua mãe, B.., e do pretenso pai, C..

O pretenso pai faltou ao exame agendado.

A Digna Magistrada do Ministério Público promoveu que o pretenso pai fosse condenado em multa e, bem assim, que fosse ordenada a sua comparência, sob custódia, no Instituto de Medicina Legal.

Por decisão proferida em 31 de Outubro de 2006, foi indeferida a douta promoção do Ministério Público.

**** Dessa decisão foi interposto recurso.

Foi proferido o despacho judicial a admitir o recurso como recurso de agravo, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.

E foi determinado, por esse mesmo despacho, que se notificasse o pretenso progenitor de que, em sede de recurso, é obrigatória a intervenção de Mandatário, pelo que, caso pretendesse apresentar alegações, deveria constituir previamente Mandatário (art. 32.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil).

**** A Digna Magistrada do Ministério Público apresentou doutas alegações e nelas formulou as seguintes Conclusões: 1- O processo de averiguação oficiosa de paternidade é de jurisdição voluntária – cfr. al. j) do artigo 146.º e artigos 150.º e 202.º da Organização Tutelar de Menores.

2- Nestes processos desenvolve-se toda uma actividade de averiguação de factos tendentes à recolha de provas capazes de constituírem fundamento ao pedido de declaração de paternidade em acção própria.

3- Sendo um processo de jurisdição voluntária, o tribunal pode, como estipula o n.º 2 do artigo 1409.º do Código de Processo Civil, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes.

4- O disposto no artigo 519.º do Código de Processo Civil é aplicável nos processos de averiguação oficiosa de paternidade, ex vi do artigo 161.º da O.T.M. e artigo 463.º do Código de Processo Civil.

5- O dever de colaboração cessa apenas perante as circunstâncias enumeradas no n.º 3 do artigo 519.º do Código de Processo Civil, ou seja, violação da integridade física ou moral das pessoas; se implicar intromissão da vida privada ou familiar, domicílio, correspondência ou telecomunicações e violação do sigilo profissional ou de funcionário público.

6- Contudo, o direito do pretenso pai à sua integridade física, (estando em causa a imposição de se sujeitar a exame hematológico) – artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa – não é superior ao direito do menor à sua identidade pessoal – artigo 26.º, n.º 1, do Diploma Fundamental.

7- No actual estado de evolução da medicina, os exames hematológicos constituem um elemento essencial na determinação da paternidade.

8- Pelo que a inviabilização da prova directa da procriação biológica frustrará um meio de prova de especial relevância na medida em que tal meio de prova se apresenta, só por si, apto a assegurar o êxito ou inêxito da acção.

9- Se o indigitado pai não compareceu para realização dos exames hematológicos, apesar de ter expressado, em momento anterior, vontade de se submeter à realização dos mesmos, é admissível compeli-lo a comparecer, sob custódia, no IML a fim de aí ser submetido a exame de sangue, devendo ainda ser condenado em multa processual.

10- O despacho de Mmo. Juiz ao indeferir a promoção do Ministério Público no sentido de condenar o indigitado pai em multa processual e ordenar a emissão de mandados de detenção sob custódia a fim de garantir a sua presença no IML, violou os artigos 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 1864.º e 1865.º, n.º 4, do Código Civil, 519.º, do Código de Processo Civil, e 202.º, da OTM.

11- Nesta conformidade, concedendo-se provimento ao recurso ora interposto pelo Ministério Público e decidindo-se pela revogação do douto despacho impugnado nos termos antes expostos, o qual deverá ser substituído por outro no qual se condene o pai da menor em multa processual e se ordene a emissão de mandados de detenção contra o mesmo a fim de o fazer comparecer no IML em nova data a designar para a colheita de vestígios hematológicos, Vªs Exªs farão, como sempre, inteira Justiça.

**** Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.

**** O Ex.mo Juiz proferiu despacho em que manteve a decisão em recurso e ordenou a remessa dos autos a este Tribunal da Relação.

**** Colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-Adjuntos, cumpre-nos decidir.

**** Analisando os autos, e considerando os elementos de prova documental que deles constam, devem atender-se aos seguintes elementos com relevância para a decisão sobre o objecto do recurso.

  1. Na Conservatória do Registo Civil de Figueira da Foz encontra-se lavrado o assento de nascimento n.º 219, respeitante à menor A.., nascida em 26 de Abril de 2005, natural da freguesia de São Julião da Figueira da Foz, concelho de Figueira da Foz, estando registada como filha de B...

  2. Em declarações prestadas em 3 de Novembro de 2005, nos Serviços do Ministério Público de Vila Real de Santo António, B.. indicou, como sendo pai de sua filha, António Manuel Gomes Fernandes, residente na Figueira da Foz, em virtude de ter namorado com o mesmo durante seis meses, período esse em que viveu com o mesmo numa casa deste situada numa rua ao lado da casa de sua mãe, que se situa na Rua da Fé, n.º 62 – 1º esqº na Figueira da Foz.

  3. Em declarações prestadas em 5 de Junho de 2006, nos Serviços do Ministério Público de Figueira da Foz, António Manuel Gomes Fernandes disse, em síntese, que viveu maritalmente com a B.. por um período que não pode precisar, mas que terá sido durante o ano de 2004.

    Depois disso a Ana Isabel saiu de sua casa, em data que já não pode precisar, mas que terá sido em finais do Verão de 2004.

    Cerca de 3 meses depois de ter saído de casa, a Ana Isabel disse-lhe que estava grávida de três meses.

    Que não tem a certeza de ser pai da menor, pelo que pretende fazer exames hematológicos.

  4. O Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação de Coimbra, designou o dia 11 de Setembro de 2006, pelas 9.30 horas, para a realização do exame.

  5. No entanto, por ofício de 11 de Setembro de 2006, o mesmo Instituto informou que a menor A.., a sua mãe e o pretenso pai faltaram ao exame marcado.

  6. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público na Comarca da Figueira da Foz, por despacho datado de 20 de Outubro de 2006, determinou a notificação da data de realização de novo exame, promoveu, uma vez que o pretenso pai da menor, devida e regularmente notificado, faltou ao exame, a remessa dos autos ao 1º Juízo para a sua condenação em multa e a emissão de mandados de condução sob custódia pelo tempo indispensável à realização da diligência marcada (cfr. artigo 519.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), e no que concerne à menor Leonor Isabel e à sua mãe e, atenta a justificação por esta apresentada, considerou justificada a sua falta.

    **** Invocou o Meritíssimo Juiz, no douto despacho recorrido, que “o processo de averiguação oficiosa da paternidade constitui um procedimento preliminar destinado, tão-só, a aferir da viabilidade de instauração de uma futura acção de investigação da paternidade (…), dirigindo-se à recolha de elementos para uma eventual acção de investigação”.

    “Por outro lado, a instrução reveste-se de natureza secreta e deve ser conduzida por forma a evitar ofensa ao pudor ou à dignidade das pessoas (art. 1812.º, do Código Civil).

    Nessa medida, entendeu que, no que respeita à averiguação oficiosa, não é legítima a ordem no sentido da comparência sob custódia de molde a possibilitar a realização de exames de sangue.

    A corroborar essa opinião, apoiou-se no entendimento de Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito de Família, volume II, Direito da Filiação, tomo I, Estabelecimento da Filiação, Adopção, págs. 196 e 197, que considera que “a lei determina ainda que a condução da instrução respeite a dignidade e o pudor das pessoas. Este regime parece garantir aos intervenientes uma protecção maior do que a que é conferida pela regra geral do art. 519º do Código de Processo Civil. Na verdade, este regime geral – que se pretende aplicar quando já está em curso uma acção judicial – permite a recusa de colaboração quando estiver em causa a integridade física ou moral das pessoas, ou a reserva da vida privada ou familiar; de um modo diferente, no âmbito da fase “administrativa” da averiguação oficiosa, qualquer interveniente parece estar autorizado a não cooperar se a instrução for conduzida de modo a ofender a sua dignidade ou, simplesmente, o seu pudor”.

    Considerou ainda o Ex.mo Juiz que, no decurso da averiguação oficiosa, atenta a sua natureza secreta, não há lugar à intervenção de mandatários judiciais, salvo na fase de recurso (n.º 2 do art. 203º da Organização Tutelar de Menores). “Por isso mesmo se nos afigura haver lugar a uma maior protecção dos intervenientes, não sendo, assim, admissível, nesta sede, a aplicação de uma medida tão drástica quanto é a privação da liberdade, a qual não pode, ademais, ser sujeita ao escrutínio do contraditório”.

    Em síntese, pelas razões expostas, considerou dever indeferir a douta promoção do Ministério Público.

    **** O desenvolvimento científico no campo da investigação biológica da filiação permite considerar que são de grande utilidade os exames hematológicos, como é do conhecimento geral e se evidencia na Nota Informativa emanada do Instituto de Antropologia «Dr. Mendes Correia», da Faculdade de Ciências do Porto, publicada no Bol. Min. da Justiça, n.º 333, págs. 5 e seguintes.

    Nesse Nota afirmou-se que “Esse avanço científico, por conjugação do estudo de um conjunto considerável de características genéticas, principalmente de ordem serológica e electroforética...

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