Acórdão nº 862/05.5TBAND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução04 de Dezembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. A...

(A. e neste recurso Apelante) intentou, na Comarca de Anadia, a acção declarativa de condenação com processo ordinário da qual emergiu a presente apelação, nela demandando B...

(R. e aqui Apelada), alegando ter “mutuado” a esta, com a obrigação de restituição até Setembro de 2001, a quantia de €13.218,13 (em duas entregas respectivamente de €8.230,16 e €4.987,97), sendo que pede a restituição da soma das quantias mutuadas acrescida de juros (€15.749,64) ou, em alternativa, com base na declaração de nulidade por falta de forma de tais mútuos, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 1143º e 220º do Código Civil (CC), a condenação da R. a restituir-lhe com juros o que dele recebeu.

Subsidiarimente, formula o A., por referência ao instituto do enriquecimento sem causa (artigos 473º e seguintes do CC), um pedido de restituição da mencionada quantia, caracterizando-o nos seguintes termos: “[…]14ºAssim não se logre prova da existência de qualquer mútuo entre A. e R., o que só por mero exercício intelectual de patrocínio se concebe; e em alternativa, certo é que a R. recebeu do A. a dita importância, que a integrou no seu património e que ainda não a devolveu ou procedeu à sua restituição;15ºDevendo por isso proceder à devolução ao A. da quantia de €13.218,14 com que injustamente se locupletou à custa deste.

16ºEstando a R. na presente data enriquecida, sem qualquer causa que o justifique, à custa do A. – cfr. artigo 473º e seguintes do Código Civil;17ºDevendo, por isso, restituir-lhe essa mesma e exacta importância, agora acrescida de juros legais desde a sua entrega para os termos da presente acção.

[…]” [transcrição de fls. 3 vº/4] A R. contestou, pugnando pela improcedência da acção, reconhecendo ter recebido as quantias em causa, mas indicando terem ocorrido tais entregas a título de doação, efectuadas pelo A. no quadro de uma relação extraconjugal com ela mantida entre 2000 e 2003.

1.1.

Saneado o processo, fixados os factos assentes na fase de condensação e elaborada a base instrutória (fls. 59/61), avançou-se para o julgamento documentado a fls. 139/141, findo o qual, apurados os factos provados nessa fase (fls. 142), foi proferida a Sentença de fls. 144/145 vº (constitui esta a decisão aqui recorrida), a qual, julgando a acção improcedente no seu todo, absolveu a R. dos pedidos.

1.2.

Inconformado, interpôs o A. a fls. 149 o presente recurso de apelação, admitido a fls. 153 e alegado a fls. 158/178, rematando-o com as seguintes conclusões, aqui transcritas nos seus elementos essenciais: “[…] 1. O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito e restringid[o] à aplicação do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473º e seguintes do CC).

Não se discute, ainda, a bondade da solução jurisprudencial e doutrinal referida na sentença recorrida mas, sim, apenas, a sua aplicação (e a forma como foi aplicada ao caso dos autos).

[…] 4. Após julgamento da matéria de facto, nem o A. logrou provar o mútuo, nem a R. logrou provar a doação, ficando no entanto provado que o A. lhe tinha entregue as ditas quantias e que a R. as tinha recebido do A..

  1. Perante os factos concretos a considerar nesta lide […] e a jurisprudência e doutrinas apontadas na sentença recorrida, não seria necessário o A. alegar razões, matéria, sobre a inexistência de causa justificativa para o enriquecimento da R. Isto é, perante o quadro factual concreto do processo, tal como foi alegado e definido pelas partes, mesmo aplicando essa doutrina e jurisprudência, não existe falta de alegação da matéria de facto […].

  2. De acordo com o disposto nos artigos 654º (com a excepção aí prevista do artigo 264º) e 664º do Código de Processo Civil, o Juiz conhece apenas os factos alegados pelas partes e só estes – fixando-se assim o objecto do processo […].

  3. Cada uma das partes trouxe a juízo a sua posição sobre aquelas entregas e recebimentos (mútuo e doação). Ora, a ser assim, poder-se-á ainda afirmar que o A, deveria ter alegado factos sobre a inexistência de causa justificativa? Quando apenas aquelas duas figuras estão em causa – com a preclusão de todas e quaisquer outras e quando apenas e só aqueles factos estão em discussão – poder-se-á ainda retirar a conclusão mencionada na sentença recorrida sobre a imposição de alegação sobre a inexistência de outras possíveis causas? Salvo o devido respeito parece-nos que não. Existem aquelas duas causas e apenas aquelas duas, com a preclusão de quaisquer outras que, em abstracto, se pudessem configurar para os factos «mãe»: entrega e recebimento daqueles «dinheiros».

    […] 11. […] foi a contestação da R. que fechou o «círculo» das hipóteses que interessava considerar e alegar (de forma negativa, isto é, pela sua inexistência) para a aplicação do instituto e que tornou desnecessária a alegação que a sentença recorrida conclui faltar para aplicação dos artigos 473º e segts. do CC.

    […]” [transcrição de excertos de fls. 172/178] A R. respondeu ao recurso a fls. 186/193, pugnando pela manutenção da decisão apelada.

    III – Fundamentação 2.

    Importa consignar, com interesse para toda a subsequente exposição, que as conclusões que o Apelante formulou, cuja transcrição consta do item antecedente, operaram a delimitação temática do objecto do presente recurso [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)].

    Assim, restringe-se a apelação, conforme o Apelante indica nas alegações e tem inteira correspondência nas conclusões que entendeu formular, à questão (de direito) de saber se se mostram preenchidos os pressupostos do enriquecimento sem causa relativamente ao recebimento pela R. das quantias apuradas, significando isto, importa consigná-lo desde já, que o Apelante “deixou cair” nesta fase de recurso os dois pedidos que eram preponderantes na estruturação da acção decorrente da petição inicial, a saber, aqueles que se construíam em função da existência de um mútuo. Assente isto, verificando-se que a matéria de facto não foi impugnada e que não há lugar à sua alteração, resta-nos acrescentar, em sede de observações preambulares, que se considera a mesma fixada, remetendo-se aqui, nos termos do artigo 713º, nº 6 do CPC, para a enunciação dos factos constante da Sentença a fls. 144 vº.

    2.1.

    Tudo se resume, assim, à determinação da incidência nos factos provados do instituto do enriquecimento sem causa, ou seja, da fonte obrigacional genérica que emerge da definição constante do nº 1 do artigo 473º do CC, nos seguintes termos: “[a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.

    Os factos pertinentes, expostos por referência à dinâmica argumentativa desenvolvida ao longo da acção (no balanço entre o que cada uma das partes alegou e logrou provar), são os seguintes: (a) invocou o A. ter mutuado à R. determinadas quantias pedindo a sua restituição[1], formulando, subsidiariamente (artigo 469º, nº 1 do CPC), um pedido de restituição dessas mesmas quantias a título de enriquecimento sem causa da R.; (b) A R. contrapôs terem sido tais quantias doadas, negando a...

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