Acórdão nº 98/09.6TBSRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução23 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível): * Recorrentes (Autores) J (…), residente em (…) .; e ……………………………A (…), residente em (…) Fundada.

Recorridos (Réus)…….Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de .; ……………………………Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de .; ……………………………I (…) Provedora da Santa Casa da Misericórdia de .; ……………………………C (…), Vice-Presidente da Santa Casa da Misericórdia de .; ……………………………A (…), Tesoureiro da Santa Casa da Misericórdia de .; ……………………………T (…), Secretária da Santa Casa da Misericórdia de .; ……………………………A (…), Secretário da Santa Casa da Misericórdia de .; ……………………………I (…), Directora do Lar da Santa Casa da Misericórdia de .; …………………………M (…), Directora do Lar da Santa Casa da Misericórdia de .; e ………………C (…), Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de ..

* I. Relatório

  1. Os Autores instauraram a presente acção declarativa, com processo ordinário, com o fim de obterem a anulação da deliberação tomada pela Mesa da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de . (doravante designada apenas por Misericórdia) no dia 09 de Setembro de 2008, constante da acta desta entidade com o n.º 299, que consistiu, em síntese, na exclusão dos Autores como membros da Associação Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de ..

    Pedem, em segundo lugar, a condenação dos Réus a pagarem-lhes uma indemnização de €25 00,00 euros, a cada um deles, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais.

    Baseiam esta pretensão, em resumo, no facto de terem sido demitidos do universo dos associados da Ré Misericórdia apenas pelo facto de terem reagido através dos tribunais civis, contra o que entenderam constituir violação das regras eleitorais para a constituição da Mesa da Misericórdia, o que fizeram através da acção n.º ...-, com vista a obterem a anulação do acto eleitoral ocorrido em 2005.

    Na sequência desta acção, os Autores acabaram por instaurar outros processos em tribunal, com o fim, segundo eles, de assegurarem a eficácia da mencionada acção, pois foram marcados posteriormente outros actos eleitorais, pelo que, caso estes outros actos posteriores não fossem impugnados, acabariam por produzir o efeito de tornar inútil a primeira acção, o que levou à dedução, em cascata, das providências cautelares ...-, com vista a impedir as novas eleições marcadas para 29 de Outubro de 2006; a providência cautelar n.º ..., a que se seguiu a acção n.º ...; a providência cautelar n.º ..., destinada a impedir os efeitos de outras eleições marcadas para 26 de Novembro de 2006; a providência cautelar n.º ... destinada a definir judicialmente o conceito de «pleito» a que alude a al. c), do artigo 40.º, do Compromisso (estatutos) da Ré Misericórdia, bem como a providência cautelar n.º ..., destinada a suspender a produção de efeitos da deliberação da Ré Misericórdia de 14 de Outubro de 2007.

    Por terem reagido desta forma, usando os tribunais judiciais, os Autores acabaram por ser excluídos da Misericórdia através da apontada deliberação de 09 de Setembro de 2008, constante da acta desta entidade com o n.º 299, quando é certo que no âmbito dos processos anteriores acima identificados, os tribunais judiciais entenderam serem competentes para dirimir tais questões entre Autores e Misericórdia, sem que esta Ré tivesse colocado em questão, através de recurso, a competência que os tribunais judiciais entenderam assistir-lhes.

    Em resumo, os Autores pedem a anulação da aludida deliberação com base em duas ordens de razões: (1) Por terem sido excluídos do seio da irmandade unicamente por haverem reagido através dos tribunais civis contra violações ocorridas no processo eleitoral dos órgãos internos da Misericórdia.

    (2) Pelo facto de terem participado nessa deliberação de demissão elementos estranhos à Mesa Administrativa da Ré, isto é, as directoras de lares (…) e (…) e ainda a funcionária administrativa (…).

    Pedem ainda, como se disse, uma indemnização por danos não patrimoniais.

  2. Os Réus contestaram e começaram por invocar a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria.

    Dizem que a Santa Casa da Misericórdia de . tem personalidade jurídica de direito canónico e que a deliberação em causa não pode ser apreciada pelo tribunal judicial por se tratar de uma matéria do foro canónico, na medida em que se baseia numa decisão da Diocese de ..., com base em preceitos do direito canónico, na qual foi declarada a existência de uma situação de abandono da comunhão eclesiástica por parte dos Autores, facto que, depois, levou à sua exclusão do seio da Misericórdia.

    Por outro lado, existe um acordo internacional (Concordata) entre o Estado Português e o Estado da Santa Sé, onde se prevê, expressamente, que as matérias relativas ao foro da Igreja Católica, como é o caso, fiquem à margem da jurisdição comum do Estado Português, pelo que, no caso, os tribunais judiciais portugueses não têm competência, face ao tipo de matéria em apreciação, para dirimirem o conflito que opõe os Autores à Ré Misericórdia, relativo à exclusão dos primeiros do universo dos seus associados.

  3. Os Autores replicaram para reafirmarem que o tribunal é competente porque a matéria que deu origem ao processo se refere ao processo eleitoral para os órgãos sociais da Santa Casa da Misericórdia de ., isto é, ao seu funcionamento e à inibição dos seus poderes e não a questões relacionadas com a fé dos seus «Irmãos», estas sim, da competência do tribunal canónico.

  4. Findos os articulados, em sede de audiência preliminar, o Sr. juiz, ao abrigo do preceituado nos artigos 101.º 105.º n.º 1, 493.º n.º 2 e 494.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil, julgou procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal judicial da comarca da ..., em razão da matéria, e, em consequência, absolveu os Réus da instância.

    É desta decisão que vem interposto o presente recurso.

  5. Os Autores recorrem, em síntese, por entenderem, como já se disse e como logo referiram na petição inicial, que a matéria em causa não é do foro canónico.

    Com efeito, dizem, a deliberação impugnada tem por fundamento o facto dos Autores terem sido demitidos da Irmandade pelos seguintes motivos: (1) Pelo facto do Sr. Bispo ter declarado em relação a eles o «abandono da comunhão eclesiástica» para efeitos da aplicação do Cânone 316, n.º 1 e 2 do Código do Direito Canónico.

    (2) Declaração que teve por fundamento o facto dos Autores terem recorrido aos tribunais judiciais, como se deixou indicado, para evitarem a produção de efeitos relativos a actos ilegais praticados no acto eleitoral de 18 de Dezembro de 2005, e terem sido, segundo declaração da tutela eclesiástica, «admoestados» por esta, no sentido dos tribunais judiciais não serem competentes para conhecer destes factos, e, por terem, segundo a mesma tutela eclesiástica, posto em causa o Decreto Episcopal de 24 de Novembro de 2006, ao terem instaurado processos no tribunal judicial.

    Dizem que a deliberação de expulsão, por se fundar, não em questões de fé, mas no simples facto dos Autores terem recorrido ao tribunal judicial, é inconstitucional, violando, os artigos 13.º n.º 2 e 20.º da Constituição da Republica Portuguesa, que assegura a todos o acesso ao direito e aos tribunais, para defesa dos direitos e interesses dos cidadãos portugueses, quando é certo existirem já decisões no âmbito de processos judiciais anteriores, entre as mesmas partes, a declararem a competência dos tribunais civis para conhecer destas matérias, com as quais a Ré Misericórdia se conformou.

    Alegam ainda que a Ré Misericórdia se rege pelos seus estatutos, mas sendo uma instituição particular de solidariedade social (IPSS), cai sob a alçada do regime destas entidades traçado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro.

    A matéria controvertida nos presentes autos corresponde a matérias relacionadas com processo eleitoral para os órgãos sociais da Misericórdia, bem como relativas ao seu funcionamento e à inibição de poderes dos órgãos sociais que compõem esta entidade, e à possibilidade de recorrer ou não aos tribunais civis, para apreciação dessas matérias.

    E a vida interna de uma Misericórdia, não é algo que seja alheio ao Estado Português e consequentemente, à legislação que o norteia, em especial a Constituição da República Portuguesa e ao já citado Decreto-Lei n.º 119/83.

    Por conseguinte, o tribunal é materialmente competente para conhecer da matéria constante da presente acção, ou seja, anular a deliberação que demitiu os Requerentes da Associação Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de ., atendendo aos fundamentos nela constantes.

  6. Não houve contra-alegações.

  7. O objecto do recurso consiste, por conseguinte, em saber se os tribunais judiciais são competentes, em razão da matéria, para decidirem em relação às seguintes situações: 1 – Anulação da deliberação que excluiu os Autores do seio da irmandade da Santa Casa da Misericórdia da ... com fundamento no facto do Sr. Bispo ter declarado, o «abandono da comunhão eclesiástica por parte dos autores» para efeitos da aplicação do Cânone 316, n.º 1 e 2, do Código do Direito Canónico.

    Declaração episcopal que, por sua vez, teve por fundamento:

  8. O facto dos Autores terem recorrido aos tribunais judiciais com o fim de evitarem a produção de efeitos do acto eleitoral de 18 de Dezembro de 2005 relativo à eleição dos órgãos internos da Misericórdia; b)Terem sido, segundo declaração imputada pelos Autores à tutela eclesiástica, «admoestados» por esta de que os tribunais judiciais não eram competentes para conhecer destes factos; c) Por terem, segundo a apreciação valorativa da tutela eclesiástica, posto em causa o Decreto Episcopal de 24 de Novembro de 2006 ao terem instaurado a dita acção no tribunal judicial.

    2 – Apreciação da regularidade da deliberação que excluiu os Autores pelo facto de terem participado nessa deliberação de demissão elementos estranhos à Mesa Administrativa da Ré, isto é, as directoras de lares (…) e (…) e ainda a funcionária administrativa...

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