Acórdão nº 634/09.8TAFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Novembro de 2010

Data03 Novembro 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

No processo acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que condenou o arguido C como autor material de um crime de difamação agravado, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 183, nº 1, al a) todos do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 11,00 € (onze euros), o que perfaz a quantia global de 990,00€ (novecentos e noventa euros), a que correspondem sessenta dias de prisão subsidiária; Julgou o pedido cível deduzido nos autos parcialmente procedente e, em consequência, condenou o demandado C a pagar ao demandante, F a quantia de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-o do restante peticionado; Desta sentença interpôs recurso o arguido, C. sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso: Deverá ser revogada a sentença do Tribunal a quo, porquanto: 1. O Meritíssimo Juiz decidiu erroneamente ao afirmar estar "preenchida a previsão do artigo 180º, nº 1 do Código Penal, quanto à conduta objectiva".

  1. A ter lugar, a conduta do arguido "instigado" seria, in casu perfeitamente atípica, 3. A Junta de Freguesia não “tinha um papel decisivo neste processo, designadamente quanto à não renovação de contratos", emitindo apenas parecer conjunto com o Departamento Escolar. Esse "papel decisivo" cabia somente ao Município, caindo no âmbito de competências do executivo camarário, 4. Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal não fez uma correcta interpretação dos factos, 5. Do depoimento do arguido, registado em Acta de audiência de discussão e julgamento, a fls. 166 a 167 dos autos e gravação digital por aplicação do sistema informático H@bilus Media Studio, concluí-se de forma bastante inequívoca pela inexistência de poder decisório por parte da Junta de Freguesia.

  2. O mencionado "papel decisivo" da Junta de Freguesia era reconduzido à emissão de um parecer, sem carácter vinculativo, mas contudo normalmente aceite numa prática (e apenas numa prática, saliente-se) levada a cabo pela Câmara Municipal. A decisão relativa à contratação de funcionárias não derivava de qualquer função exercida peja Junta ou pelo seu Presidente, nem aos mesmos inerente, mas antes situada numa esfera que exorbitava as suas atribuições.

  3. O assistente nunca poderia ser o “instigador de um crime de abuso de poderes previsto e punido pelo artigo 26º, nº 1 da Lei 34/87, de 16 de Julho". pelo que inexiste qualquer ofensa à sua honra e consideração consubstanciada no facto de ao mesmo ser imputada a instigação à prática de um crime, acrescendo que tal facto configuraria, no caso, um oferecimento para delinquir não punível nem a eventualidade de uma tentativa impossível poderia ter lugar - art. 23º. Nº 1 do CP).

  4. A conduta do arguido, totalmente atípica. Em conjunto com facto mencionado supra em 8., para esta conclusão relevam, não só o contexto, circunstancialismo e natureza da afirmação, como também as próprias atribuições dos sujeitos envolvidos e as repercussões do facto no meio social.

  5. Todo o circunstancialismo que rodeou a conferência de imprensa se insere, indubitavelmente, no contexto da actividade político-partidária, onde a liberdade de expressão é reforçada e a consciência social dominante se mostra mais permissiva, tendo corno inócuas algumas atitudes e implicando um alargamento seus limites.

  6. A afirmação proferida pelo recorrente surge na sequência e como parte integrante de uma crítica política dirigida ao assistente que, à altura, desempenhava as funções de secretário coordenador da secção do Partido em que militava o recorrente.

  7. O facto de o recorrente considerar a existência de uma exigência por parte do assistente só se poderá enquadrar neste contexto de organização político-partidária, em que o arguido se achava numa situação de subalternidade 12. Se se considerasse, como o fez o Meritíssimo Juiz que se tratava de uma "sugestão, ainda que veemente ", tal divergência não poderá relevar no preciso e concreto contexto de actividade político partidária em que será insignificante considerar exagerada a referencia do recorrente a uma exigência.

  8. O uso da forma verbal no imperativo na frase ""Ela é para sair", não poderá deixar de implicar um comando, uma ordem.

  9. E é ainda neste contexto da actividade político-partidária que deve ser dada a mesma resposta caso se achasse relevante precisar os termos da concreta palavra exclusão utilizada pelo arguido, mesmo que se pensasse que esta implicaria um "acto abrupto de cessação de funções".

  10. Tudo o exposto se viu confirmado no depoimento da testemunha L, registado cm Acta de audiência de discussão e julgamento, a fls. 169 dos autos e gravação digital por aplicação do sistema informático H@bilus Media Studio, onde refere: "Estas declarações foram feitas no auge de um debate político interno pré-eleitoral em que foram feitas acusações de ambas as partes, em que foram trazidas para os jornais questões políticas internas, mal entendidos internos".

  11. Como figura pública, o político suporta uma exposição à discussão e critica pública maior do que as pessoas privadas, vendo a dignidade e carência de tutela penal da sua honra acentuadamente reduzidas.

  12. Os personagens públicos aceitam voluntariamente o risco de que os seus direitos subjectivos de personalidade resultem afectados por críticas ou revelações adversas.

  13. A imputação de factos que se traduzam numa diminuição da reputação das pessoas públicas pode ser lícita, o que in casu se verificou.

  14. Não resultou provado que "o assistente foi durante largos dias confrontado na rua por amigos e familiares que o questionaram sobre a veracidade das acusações proferidas pelo arguido" ou que "foi indagado pelos órgãos do Partido Socialista no sentido de esclarecer todas as questões imputadas" ou que se terá sentido "profundamente humilhado" pelo que daqui se retira que também inexistiu qualquer ofensa ao bem jurídico honra, no seu "lado social", enquanto consideração exterior.

  15. No circunstancialismo descrito estamos, quanto muito perante uma imputação de comportamentos indecorosos em sentido próprio, relacionados especialmente com a disciplina social, onde a inobservância dos imperativos é geralmente censurada, embora possa não constituir uma falta moral grave.

  16. Considerando que, como fez o Tribunal a quo, se encontra "preenchida a previsão do artigo 180º, n" 1 do Código Penal, quanto à conduta objectiva", ao contrário do decidido, sempre a mesma se encontraria justificada, ao abrigo do disposto no art. 180º. nº 2. alienas a) e b) do CP, 22. Decidiu o Meritíssimo Juiz que o recorrente não logrou a prova da verdade das imputações.

  17. Contudo, a instigação é a determinação de outrem à prática do crime, dependente de uma execução por este iniciada. Determinar é aqui sinónimo de induzir, produzir ou causar a decisão de realizar um concreto facto punível.

  18. No sentido do art. 26º é instigador quem produz ou cria no executor a decisão de atentar contra um certo bem jurídico-penal através da comissão de um concreto ilícito típico, se necessário inculcando-lhe a ideia.

  19. Bastará a simples indução ao cometimento do crime e as indicações abstractas do tipo de ilícito a executar, sendo suficiente "que ele [instigador] se refira ao concreto ilícito típico nos seus elementos constitutivos", Não tem que ser concretizado nem o lugar, nem o tempo do crime c não significa que "O dolo do instigador tenha de compreender a espécie e o modo de execução".

  20. Resultou provado da discussão da causa. pelos depoimentos prestados pelo arguido, registado em Acta de audiência de discussão e julgamento, a fls. 166 a 167 dos autos e gravação digital por aplicação do sistema informático H@bilus Media Studio, e pela testemunha MC registado em Acta de audiência de discussão e julgamento. a fls. 168 e 169 dos autos e gravação digital por aplicação do sistema informático H@bilus Media Studio, presente à data dos factos, que o assistente proferiu as palavras "Como é que é para fazer'? Ela é para sair! Há gente do Partido para meter.", demonstrando a intenção de, como mencionado na douta sentença, "possibilitar a entrada de pessoas ligadas ao Partido Socialista" e afastar a auxiliar em funções, por via da determinação do recorrente à emissão de parecer naquele sentido.

  21. É perfeitamente indiferente que se considere que o assistente o exigiu ou sugeriu, porquanto, em ambas as hipóteses, sempre se concluirá que procedeu de forma a inculcar, produzir ou causar a decisão, no espírito do recorrente, de substituir a funcionária.

  22. Conforme depoimento da testemunha MC, registado em Acta de audiência de discussão e julgamento, a fls. 168 e 169 dos autos e gravação digital por aplicação do sistema informático H@bilus Media Studio, e declarações do arguido, registadas em Acta de audiência de discussão e julgamento, a fls 166 a 167 dos autos e gravação digital por aplicação do sistema informático H@bilus Media Studio, a decisão de manter a funcionária em funções já tinha sido previamente tomada pela Junta de Freguesia, pelo que se conclui forçosamente que inexistia no espírito do arguido qualquer ideia ou intento, em momento anterior à abordagem do assistente, de abusar dos poderes ou violar os deveres inerentes às suas funções, com a intenção de causar prejuízo a outrem.

  23. Igualmente por irrelevante se deverá tomar a circunstância de se considerar que "A palavra excluir induz um acto abrupto de cessação de funções ( ... )", pois que, com já referido em sede de explanação das características do dolo na instigação, não tem que ser concretizado nem o lugar, nem o tempo do crime e não significa que "o dolo do instigador tenha de compreender a espécie e o modo de execução”.

  24. Pelas mesmas razões, em referência ao dolo na instigação, também se afigura que não será de concluir que tratava, somente "de aguardar pelo termo do prazo de vigência do contrato da funcionária e de então não lhe renovar o...

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