Acórdão nº 715/08.5TBACN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução02 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I.RELATÓRIO R (…), residente na Rua (…), ...., instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra AB (…) residente na Rua (…) Alcabideche, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado em 1 de Outubro de 2007 relativo ao rés-do-chão do prédio urbano, sito na Rua ...., freguesia de ...., concelho de Alcanena, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....; que a Ré seja condenada a entregar, imediatamente, ao Autor o local arrendado, livre e devoluto; e que a Ré seja condenada a pagar ao Autor as rendas vencidas e não pagas, no montante de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros), bem como as vincendas até entrega efectiva do arrendado e os juros de mora.

Para tanto, alega que, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de (…) e por contrato celebrado em 1 de Outubro de 2007, o Autor deu de arrendamento à Ré o mencionado prédio urbano e que esta deixou de pagar a correspondente renda mensal, no valor de €225,00 (duzentos e vinte e cinco euros), a partir de Janeiro de 2008.

Pessoalmente e validamente citada, a Ré não contestou.

Foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu “julgar procedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir”, absolvendo-se a Ré da instância, e condenando nas custas do processo o Autor.

Discordando desta decisão, dela interpôs o Autor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões, assim sintetizadas: -“A. A sentença é nula porquanto conheceu de questão que não podia conhecer, uma vez que a excepção da falta de interesse em agir não foi suscitada pelas partes – artigo 668”, n.°l, alínea b) do CPC.

  1. Tendo a Ré sido regularmente citada e não tendo a Ré contestado, face ao artigo 484°, n.°l do CPC consideram-se confessados os factos articulados pelo Autor.

  2. Face à revelia da Ré a Mma. Juiz devia ter dado cumprimento ao disposto no n.°2 do artigo 484° do CPC.

  3. De todo o modo não se verifica no caso dos autos falta de interesse em agir por parte do Autor /ora Recorrente.

  4. O interesse em agir basta-se com a existência de “risco para o credor, quando conduta do devedor tal crie, no momento da sua exigibilidade, e mesmo que sobre a boa fé dessa oposição”, outro entendimento é violação da regra do artigo 8° do CC e art. 384° n°l in fine, e art. 472° n° 2 ou 662° n° l do CPC.

    (…) G. O Autor instaurou a presente acção de despejo peticionado a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, pelo que, existe manifestamente, interesse processual em agir, por banda do Autor, que se traduz na necessidade objectivamente justificada de recorrer à acção judicial, para satisfação de um direito, em relação a cuja existência existe incerteza objectiva e grave.

  5. É nosso entendimento que assiste ao Autor ora Recorrente (na qualidade de senhorio) o direito de intentar a acção declarativa, com vista à resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento da renda, independentemente da duração da mora, mesmo que tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial, I. A opção ou escolha por uma dessas vias há-de depender da própria iniciativa do senhorio, podendo este, perante o caso concreto, lançar mão da solução que melhor lhe aprouver ou se configurar como a mais adequada à defesa dos seus direitos.

  6. Em abono deste entendimento podem coligir-se diversos argumentos, desde logo o facto desta solução não ter sido de alguma forma afastada pelo legislador, porquanto ao criar um novo enquadramento jurídico em matéria de arrendamento urbano, sabedor que tal questão forçosamente se iria colocar, na futura aplicação da lei, nada fez para excluir essa possibilidade.

  7. A Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento Urbano n° 34/X, evidencia que se pretendeu apenas permitir/facultar a formação de título executivo extrajudicial, possibilitando ao senhorio o recurso imediato à acção executiva, mas não impor-lhe esta via; (…) N. A possibilidade de recurso à via judicial em caso de falta de pagamento de rendas superior a três meses, encontra correspondência no texto legal e é o que melhor reconstitui o pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias específicas do tempo em que é aplicado, bem como o desejável acerto e adequação das soluções consagradas (artigo 9° do CC na redacção dada pela NRAU) dispõe de forma inequívoca, que a notificação é uma possibilidade e nunca uma obrigação.

  8. A exclusão do respectivo regime da figura da acção de despejo criaria incongruências, como a não aplicação do disposto no artigo 14° do NRAU relativamente ao incidente de despejo imediato por falta de pagamento de renda, e impossibilitaria o senhorio de peticionar o pagamento de rendas não vencidas há menos de 3 meses.

  9. A mora do arrendatário diz respeito às diferentes rendas que se vão vencendo, em regra mensalmente, pelo que se quanto à primeira que deixou de ser paga o atraso é superior a três meses, já quanto às demais ainda não tem essa duração e, pretendendo o senhorio, certamente, fundar a resolução na falta de pagamento de todas as rendas em atraso, terá de recorrer à acção de despejo, assim o impondo a lei.

  10. Veja-se ainda que nos casos em que o senhorio pretenda resolver extrajudicialmente o contrato por não pagamento da renda, a impugnação do depósito da renda deve ser efectuada em acção de despejo a intentar no prazo de 20 dias contados da comunicação do depósito.

  11. De onde resulta que o senhorio pode quando assim o pretenda resolver judicialmente o contrato por não pagamento de renda, sendo obrigado a instaurar a referida acção, com vista a impugnar o depósito efectuado.

  12. Não existe aqui qualquer lógica de celeridade no raciocínio da Mma. Juiz, uma vez que se por um lado, se impõe o recurso à via extrajudicial, por outro, logo se obriga o senhorio ainda que tenha recorrido à resolução extrajudicial, a propor uma acção com vista a impugnar o depósito, exigindo-se assim ao senhorio a utilização de dois procedimentos, com todos os prazos e custos inerentes aos mesmos.

  13. Se a intenção do legislador fosse impossibilitar o recurso à acção de despejo para resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas nos casos em que esta podia operar por via extrajudicial, não faria sentido exigir-se o contrato de arrendamento para servir de titulo executivo quando em inúmeros casos de arrendamento, nem sequer existe documento escrito, pelo fica desde logo impossibilitado o recurso à resolução extrajudicial.

  14. No caso dos autos sempre o Autor teria de se socorrer da acção de despejo, uma vez que fundou a resolução do contrato na falta de pagamento de rendas de Janeiro a Dezembro de 2008, dizendo a mora respeito a diferentes rendas, sendo que as últimas três vencidas e peticionadas como fundamento da acção, a saber - Outubro, Novembro e Dezembro de 2008-, não tinham à data da propositura da acção – 17/Dezembro/2008- mora superior a três meses.

    V. A interpretação feita pela Mma. Juiz no sentido de considerar vedado ou inadmissível o recurso à acção de despejo para resolução do contrato arrendamento fundada em falta de pagamento das rendas em caso de mora superior a três meses implica um retrocesso na tutela judicial do direito de propriedade do senhorio, constitucionalmente consagrado no artigo 62° da CRP e uma denegação do direito de acção, contrariando os princípios consagrados no artigo 20° também da Lei Fundamental.

  15. As normas jurídicas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas, com o alcance sustentado, como possibilitando o recurso à acção de despejo, para obter a resolução judicial.

    X. A decisão recorrida cometeu um erro de julgamento e violou, assim, o disposto nos artigos 20° e 65° da CRP, o artigo 1083°, n.°3 e artigo 1084°, n.°l Código Civil”.

    Pugna, enfim, pela revogação da decisão recorrida e, confessados os factos por falta de contestação, conhecendo-se do mérito da causa, julgar-se a acção procedente.

    Não foram apresentadas contra – alegações.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

    II.OBJECTO DO RECURSO 1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

    1. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente: - se existe nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 668º, nº1, d)[3] do Código de Processo Civil; - se a resolução do contrato de arrendamento fundado na falta de pagamento de rendas apenas pode operar por via extrajudicial, ou se, pelo contrário, também é admissível o recurso à via judicial.

      III. FUNDAMENTO DE FACTO Para além do consignado no relatório supra, mostram-se provados os seguintes factos com relevo para a apreciação do recurso: 1.Na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de (…), o Autor, ora apelante, por contrato escrito de 1 de Outubro de 2007, deu de arrendamento à Ré, ora recorrida, o rés-do-chão do prédio urbano sito na ...., freguesia de ...., concelho de Alcanena, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena com o nº .... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...., pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de Outubro de 2007, prorrogável por períodos de tempo de três anos, caso não fosse denunciado pelas partes.

    2. A renda mensal acordada foi de € 225,00, actualizável de acordo com os...

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