Acórdão nº 337/09.3TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelGONÇALVES FERREIRA
Data da Resolução06 de Julho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A (…), Lda., com sede em (…), Coimbra, intentou acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra M (…) e mulher, M V (…), residentes na (…), em Coimbra, e contra M L (…) e marido, A J (…) residentes na ..., alegando, em síntese, que: No exercício da sua actividade comercial de compra e venda de veículos automóveis, ligeiros e pesados, da marca VOLVO e outras, novos e usados, máquinas para obras públicas e construção, peças sobressalentes e, ainda, de reparações e assistência a tais veículos, celebrou com a sociedade comercial por quotas (…) Lda., com sede na Rua dos (…) ..., que se dedica à actividade de transporte nacional e internacional de mercadorias, dois contratos de compra e venda a prestações, relativos a veículos pesados (contratos n.ºs 6/2007 e 7/2007), acordando que o pagamento do preço se realizaria mediante um pagamento inicial, um pagamento complementar e o remanescente em 60 prestações mensais, bastando a falta de um pagamento para exigibilidade imediata das prestações seguintes, com perda do benefício do prazo pelo comprador.

Para garantia do bom e pontual cumprimento integral de todas as obrigações assumidas, a referida sociedade aceitou uma letra, relativamente a cada um dos contratos, avalizada, a favor da aceitante, pelos primeiros réus e por outro casal, entregues em branco, mas com autorização de preenchimento.

A sociedade (…) Lda. deixou de liquidar, relativamente a ambos os contratos, as prestações que se venceram, inclusive, a partir de 1 de e 8 de Agosto de 2008, respectivamente.

Apesar das diligências feitas junto da devedora e dos avalistas, em vista do cumprimento, designadamente por cartas registadas de 21.11.2008, não logrou qualquer resultado, pelo que preencheu as duas letras pelos montantes em dívida, do que resulta serem os primeiros réus devedores do montante de € 154.034,38.

Por escritura de 16 de Julho de 2008, outorgada em Cartório Notarial de Lisboa, os ditos primeiros réus, que são casados entre si sob o regime da comunhão geral de bens, doaram à terceira ré, sua filha, casada com o quarto réu no regime da comunhão de adquiridos, com dispensa de colação e com a cláusula de incomunicabilidade, um conjunto de oito bens imóveis, reservando para si o direito de uso e habitação de um deles.

E, por escritura de 7 de Novembro de 2008, outorgada no Cartório Notarial de Fornos de Algodres, doaram à mesma ré (para integrar o património comum do casal formado por esta e pelo quarto réu), um outro bem imóvel.

O crédito já existia à data das doações e era do inteiro conhecimento dos réus, que sabiam, também, que estas causavam prejuízo à autora.

Aos réus são desconhecidos quaisquer outros bens, razão pela qual as doações a impossibilitaram, como impossibilitam, de obter a satisfação integral do seu crédito.

Concluiu, pedindo se considerassem ineficazes, em relação a si, as mencionadas doações e, bem assim, a reserva e constituição de um direito de uso e habitação a favor dos primeiros réus, podendo ela executar os prédios no património dos obrigados à restituição.

Regularmente citados, os réus contestaram, afirmando, em resumo, que: A sociedade (…), Lda., principal devedor, apesar de declarada insolvente, dispõe de bens que podem assegurar o pagamento da dívida que assumiu.

Por outro lado, os primeiros réus não foram os únicos a assumir a posição de avalistas, pois que também (…) e mulher prestaram aval.

Os avales foram prestados de boa fé, na convicção de que os contratos iriam ser pontualmente cumpridos até ao pagamento da dívida, nunca pensando os primeiros réus que poderiam vir a ser accionados por força das obrigações daqueles decorrentes.

De resto, os actos impugnados foram praticados numa data em que o primeiro réu marido já não acompanhava os negócios da (…), Lda., sendo certo que, nessa altura, ainda não havia incumprimento ou, se havia, era deles desconhecido.

Não estão, por isso, os primeiros réus de má fé, antes tendo exercido um livre direito de disposição dos seus bens.

Sobre os veículos vendidos existia uma cláusula de reserva de propriedade, que assegurava a posição da autora e da qual esta desistiu no âmbito da insolvência da sociedade (…), Lda.

Ademais, os imóveis doados têm um valor patrimonial global de € 224.015,17 e um valor de mercado nunca inferior a € 500.000,00, pelo que a impugnação de todas as transmissões é manifestamente excessiva, devendo, nessa medida, verificar-se uma redução do pedido e ser operada uma restituição de bens na medida do interesse da autora.

Terminaram pela procedência apenas parcial da acção, com a redução do pedido na medida do interesse da autora.

A autora replicou, defendendo a improcedência da argumentação dos réus, designadamente no que se refere à excessividade ou desproporcionalidade da acção, e concluindo como na petição inicial.

No despacho saneador foram declaradas a validade e a regularidade da lide, julgada improcedente a generalidade das excepções deduzidas (que se não identificaram em concreto) e relegado para momento ulterior o conhecimento da excessividade da impugnação de todas as transmissões.

A selecção da matéria de facto (factos assentes e base instrutória) não foi alvo de reclamação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento e fixada, sem reparos, a matéria de facto, foi proferida sentença, que julgou a acção procedente e declarou ineficazes em relação à autora os actos formalizados através das escrituras públicas de 16.07.2008 e de 07.11.2008, conferindo a esta o poder de executar os imóveis doados, na medida do necessário para obter o pagamento do seu crédito.

Inconformados, os réus interpuseram recurso, que acompanharam da respectiva alegação, finalizada com 27 conclusões, que, sem grande dificuldade, se podem resumir a, apenas, 4: 1) Não se verifica o primeiro requisito da impugnação pauliana (anterioridade do crédito), porque, à data dos actos impugnados, o mesmo não estava vencido; 2) Também se não verifica o último requisito (impossibilidade de satisfação integral do crédito, ou o seu agravamento), porque, aquando dos actos impugnados, a devedora/avalizada estava, ainda, a laborar e existia uma cláusula de reserva de propriedade dos bens adquiridos à autora, de que esta poderia ter lançado mão, para além de que havia outros avalistas, não demandados, e de que os recorrentes tinham como pagar a dívida, se os bens doados, de que se mantém a receber os frutos, não tivessem sido arrestados; 3) Os actos ora impugnados não causaram qualquer prejuízo à autora, pelo que não é legítimo o uso da impugnação pauliana; 4) De qualquer modo, houve excesso de condenação, dado que o montante do prejuízo é muito inferior ao do valor dos bens.

A autora respondeu à alegação dos réus, começando por suscitar uma questão prévia – o incumprimento pelos réus do disposto nos números 1 e 2 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil – e rebatendo, depois, ponto por ponto, a argumentação daqueles.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Em face das conclusões vertidas na alegação dos recorrentes, que delimitam o âmbito da impugnação, são duas as questões a requerer resolução: a verificação dos requisitos da impugnação pauliana e o excesso de condenação.

Não poderá, no entanto, deixar de ser apreciada, e em primeiro lugar, a questão prévia do alegado incumprimento pelos apelantes do preceituado nos números 1 e 2 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil.

II. A matéria de facto: Na sentença recorrida foram dados por assentes os seguintes factos: I – A autora, “A (…) LDA.”, é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de veículos automóveis, ligeiros e pesados, da marca VOLVO e outras, novos e usados, máquinas para obras públicas e construção, peças sobressalentes e ainda a efectuar reparações e assistência aos veículos mencionados – alínea A) dos Factos Assentes.

II – O 1.º réu marido, M (…), foi sócio e gerente da sociedade comercial por quotas com a firma (…), LDA., com sede na Rua ... ..., que se dedica à actividade de transporte nacional e internacional de mercadorias, estando registada desde 29.05.2008 a cessação de tais funções por parte daquele pela Ap. ...., na matrícula respectiva – alínea B dos factos assentes.

III – No exercício das actividades comerciais de ambas as empresas, a autora e a (…), Lda.” celebraram, por documento particular, em 22 de Janeiro de 2007, um contrato de compra e venda denominado “contrato de compra e venda a prestações n.º 06/2007”, no qual a autora declarou vender e a sociedade (….), Lda. declarou comprar o camião Volvo, modelo FH-38 (4x2), matrícula XX, pelo preço total de venda a prestações de € 117.151,47 (cento e dezassete mil, cento e cinquenta e um euros e quarenta e sete cêntimos), IVA e IA incluídos, às taxas legais em vigor (documento n.º 1 da P.I., aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – alínea C dos factos assentes.

IV – Em tal data (22-01-2007), a autora e a sociedade “(…)acordaram, ainda, e, em conformidade, declararam, no citado documento, que o pagamento do preço se realizaria do seguinte modo:

  1. Pagamento inicial, realizado na data da conclusão do acordo, de € 10.000,00 (dez mil euros); b) Pagamento, em 8 de Abril de 2007, do montante de € 7.860,55 (sete mil, oitocentos e sessenta euros e cinquenta e cinco cêntimos), através de cheque pós-datado, entregue aquando da subscrição do acordo; c) O remanescente, no montante de € 99.290,92 (noventa e nove mil, duzentos e noventa euros e noventa e dois cêntimos), seria realizado em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, cada no valor de € 1.654,85 (mil, seiscentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos), pagáveis até ao dia 1 de cada mês a partir de 1 de Maio de 2007 e a realizar mediante transferência bancária para conta da autora (citado documento n.º 1) – alínea D dos factos assentes.

    V – Foi estabelecido entre a autora e a sociedade “(…) Lda.” que, no que...

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