Acórdão nº 1879/03.0TBACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelGON
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: M V (…) (representado por sua mãe A (…), residente na Rua (…), Benedita, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros (…) S.A. (presentemente, Companhia de Seguros (…) S.A.), com sede (…), Lisboa, e contra Companhia de Seguros (…), S.A., com sede na Rua (…) Lisboa, alegando, em resumo, que: No dia 10 de Março de 2002 ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes os veículos de matrículas ...DN (propriedade de A (…) e conduzido por J (…), no qual viajava como passageiro), ...DR e ...LZ. O acidente deveu‑se a culpa exclusiva do condutor do DR, que entrou na via sem prestar atenção ao trânsito que por ela circulava, tendo cortado a marcha ao DN que, por isso, se viu obrigado a invadir a faixa de rodagem contrária, embatendo frontalmente no LZ, que por ela circulava.

Do acidente sobrevieram-lhe múltiplas lesões, tendo ficado tetraplégico.

São, assim, avultados os danos sofridos, tanto os patrimoniais, como os não patrimoniais, estimando aqueles em € 582.882,00 e estes em € 99.760,00.

A ré (…) assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pela circulação do veículo DR, enquanto que a ré (…) assumiu a responsabilidade civil por danos sofridos pelos ocupantes do DN.

Pediu, a final, a condenação da ré (…) ou, subsidiariamente, a ré (…) no pagamento das quantias de € 582.882,00 e de € 99.760,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente.

Regularmente citadas, as rés contestaram do seguinte modo: Ré (…) – o acidente deveu-se a culpa exclusiva do condutor do veículo no qual viajava o autor, por circular desatento e a mais de 100 km/hora – dentro de uma povoação e em local com sinalização de proibição de circulação a mais de 50 km/hora –, o que levou a que não conseguisse imobilizar o seu veículo quando fez a curva e se deparou com o DR a circular na mesma hemi‑faixa, assim invadindo a hemi‑faixa de rodagem contrária. Desconhece os danos alegados pelo autor.

Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Ré (…) – desconhece os factos alegados pelo autor; de qualquer modo, a sua eventual responsabilização sempre terá de se conter nos limites do capital seguro.

Terminou, igualmente, pela sua absolvição do pedido.

O autor não replicou.

O Centro Hospitalar de Coimbra, com sede em ....., em Coimbra, deduziu incidente de intervenção principal espontânea, alegando ter prestado assistência médica ao autor, devido às lesões por este sofridas no acidente relatado nos autos.

Pediu que as rés fossem condenadas a pagar-lhe a importância de € 125.803,14 (mais tarde reduzida em € 15.028,20, por alegado erro na indicação do valor de uma das facturas não pagas), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.

Por força de diversas ampliações do pedido, sucessivamente admitidas, o pedido atinge, agora, a quantia de € 156.326,65.

As rés contestaram o pedido do interveniente, afirmando ambas desconhecer o alegado, mais acrescentando a ré (..) que a culpa na produção do acidente cabe exclusivamente ao segurado da ré (…).

No despacho saneador foram afirmadas a validade e a regularidade da lide.

O despacho de selecção da matéria de facto (factos assentes e base instrutória) não sofreu reclamação.

Posteriormente, foi ordenada a apensação aos autos de duas acções declarativas de condenação, com forma de processo sumaríssimo, que corriam seus termos no 2.º Juízo de Alcobaça (acções 2043/04.6TBLRA e 509/05.0TBACB), propostas, ambas, pelo Hospital de Santo André, S.A., com sede na ..., contra as rés (…) e (…) (a primeira) e contra a ré (…) (a segunda).

Na acção 2043/04, alegou o Hospital ter prestado cuidados médicos ao aqui autor e a (…) (ocupante do veículo LZ), no valor de € 2.089,10, acabando por pedir a condenação da (…) no pagamento dessa quantia, acrescida de juros vencidos (no montante de € 120,88) e vincendos, ou, subsidiariamente, no caso de se não entender que o acidente se deveu a culpa exclusiva do segurado desta, a condenação de cada qual das rés no pagamento do valor dos tratamentos prestados ao ocupante do respectivo veículo seguro, ou seja, € 507,62 para a ré (…) e € 1.581,48 para a (…), acrescidos, em qualquer caso, de juros de mora vencidos e vincendos.

A (…)contestou, defendendo que o acidente se deveu a culpa exclusiva do veículo DR, o que acarretaria a responsabilidade exclusiva da (…).

Entretanto, o autor na acção veio informar que a (…) lhe pagou a quantia peticionada, o que levou à prolação de despacho de extinção da instância quanto a essa ré, por inutilidade superveniente da lide.

Na acção 509/05, o Hospital, alegando ter prestado cuidados médicos a J (…) (condutor do veículo DN) no valor de € 1.138,57, pediu a condenação da (…) a pagar-lhe essa importância, acrescida de juros vencidos (no montante de € 26,70) e vincendos.

A ré em causa contestou, afirmando que o acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo DN, por circular desatento e a mais de 100 km/hora.

Realizado o julgamento e dadas, sem reparo, as respostas aos pontos de facto da base instrutória, foi proferida sentença que condenou: 1) Ambas as rés, a pagar ao autor (…) a quantia de € 440.000,00, na proporção de 50% para cada qual (imputando-se na quantia a suportar pela (…) o valor das prestações por ela efectuadas no âmbito do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, apenso à acção), acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.

2) Ambas as rés, a pagar ao Centro Hospitalar de Coimbra a importância total de € 141.298,45, na proporção de 50% para cada uma, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da citação relativamente ao valor de € 111.077,94, e para cada um dos valores de ampliação dos pedidos de folhas 144, 274, 424, 550 e 772, desde a data da notificação das rés desses pedidos, e, ainda, juros vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.

3) A ré (…) a pagar ao Hospital de Santo André a quantia de € 569,29, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, e juros vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento (relativamente à acção sumaríssima 509/05).

4) A ré (…) a pagar ao Hospital de Santo André a importância de € 507,62, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da citação, e vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento (quanto à acção sumaríssima 2043/04).

Inconformados, tanto as rés, como o autor, interpuseram recurso e apresentaram, oportunamente, as respectivas alegações, que concluíram assim: Ré (…): 1) O facto provado em L) da sentença resultou da resposta ao artigo 5.º da base instrutória; 2) Ora, a prova testemunhal produzida não permitiu apurar a que distância se encontrava o veículo DN (seguro na recorrente) quando o veículo DR (seguro na (…) invadiu a estrada nacional, matéria que é relevante para a decisão; 3) O tribunal não explicou o motivo de não ter logrado concretizar essa distância, justificando-se que fundamente a resposta, com repetição, se necessário, da produção de prova; 4) Em face dos factos insertos nas alíneas B), I), J), K) e L), é de concluir que a culpa pela produção do acidente coube, na totalidade, ao condutor do veículo DR, que, provindo de um parque de estacionamento, entrou na estrada, sem verificar se o podia fazer sem perigo e sem ceder, como se lhe impunha, a passagem ao veículo DN; 5) O comportamento do condutor do DN, que travou e desviou a sua trajectória para a meia faixa contrária, é o que teria tido qualquer condutor médio, em vista do aparecimento súbito de um obstáculo imprevisível à sua frente; 6) A sentença violou o disposto nos artigos 12.º, n.º 1, e 31.º do Código da Estrada e 483.º, 562.º e 563.º do Código Civil, pelo que deve ser alterada e substituída por outra que condene somente a ré (…) a indemnizar o autor (…), o Centro Hospitalar de Coimbra e o Hospital de Santo André, S.A.

Ré (…): 1) Tendo em conta os depoimentos das testemunhas (…) (condutor do DR) (…) e do relatório de Reconstrução de Acidente de Viação e Nota Técnica Complementar, deve considerar-se especificamente provado o quesito 16.º: “E para o fazer, verificou até à distância de 30 metros para trás e previamente que não se aproximava qualquer veículo a circular pela faixa de rodagem em que passou a transitar”; 2) Mesmo que assim se não entenda, a omissão de olhar previamente pelo espelho retrovisor é inócua, dado que, à velocidade a que transitava, o DN nunca seria visível para o DR; 3) A responsabilidade pela eclosão do sinistro é imputável ao condutor do DN, por violação dos artigos 24.º, 25.º e 27.º do Código da Estrada, pois que transitava a, pelo menos, 76,5 Km/hora e em curva fechada; 4) Se circulasse a 50 km/hora, teria tempo e espaço para dominar o seu veículo e, até, parar, uma vez que, após a curva, avistou o DR a uma distância sempre superior a 30 metros; 5) A sentença, ao co-responsabilizar o condutor do DR, infringiu os artigos 483.º e 487.º do Código Civil, devendo, pois, ser dado provimento ao recurso e absolver-se a recorrente do pedido.

Autor: 1) Encontra-se tetraplégico e afectado de uma incapacidade permanente geral de 80%, a que acresce mais 10%, a título de dano futuro, precisando, nessa medida, de apoio especializado para o resto da vida; 2) Embora seja, ainda, criança, poderia vir a auferir o salário médio que um trabalhador com a escolaridade mínima pode obter, ou seja, cerca de € 700,00 mensais, a partir dos 18 anos, e aspirar a ter um período de vida activa até aos 70 anos; 3) Nessa medida, e recorrendo às tabelas financeiras habitualmente utilizadas, a indemnização pelo dano patrimonial futuro deveria ser fixada em € 580.000,00; 4) A indemnização pelos danos não patrimoniais, por outro lado, não deverá ser inferior a € 125.000,00; 5) A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483.º, 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil.

O Hospital de Santo...

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