Acórdão nº 768/08.6TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em Fevereiro de 2008[1], a empresa A..., Lda.

(A. e Apelada relativamente ao presente recurso) demandou a sociedade B..., Lda.

(R. e aqui Apelante), invocando uma encomenda por esta realizada, em Fevereiro de 2007, de 78 cabines de hidromassagem a fornecer até ao final desse ano. A R. não só não procedeu ao pagamento de uma cabine que efectivamente lhe foi entregue desde logo (em 06/03/2007)[2], destinada a um “andar modelo”, como, contactada em Novembro de 2007 pela A., para indicar a data e o local de entrega das restantes cabines, dirigiu a esta a comunicação de fls. 11, informando-a da “anulação” dessa mesma encomenda [3].

Porque a A. já havia recebido e pago ao fabricante 30 dessas cabines, cuja devolução este não aceitou, ficou a A. prejudicada no valor dessas (30) cabines (que mantém em armazém), sendo que com a frustração do negócio referente às restantes 47 cabines, deixou a A. de auferir a margem de lucro que obteria com essa venda, ou seja, através do exacto cumprimento do contrato[4].

1.1.

A R. contestou negando os termos do acordo caracterizados pela A.: ter-se-ia, segundo diz, limitado a receber uma cabine para exposição e eventual aceitação dos seus clientes (compradores dos andares por ela comercializados), o que não aconteceu, sendo esta a razão do cancelamento da encomenda através do fax de fls. 11. A isto acresce a circunstância da A. ter aceite – defende a R. na contestação –, designadamente ao não proceder à entrega da mercadoria no final de 2007, o cancelamento ou resolução do contrato.

1.2.

Findo o julgamento, fixados que foram os factos provados por referência à base instrutória (fls. 139/140 vº), proferiu o Tribunal a Sentença de fls. 142/152 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, julgando a acção nos seguintes termos: “[…] [C]ondena-se a R. a: a) pagar à A. a quantia de €2.061,84, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados às taxas supletivas aplicáveis aos créditos das empresas comerciais sucessivamente em vigor desde as datas de vencimento da factura e nota de débito até integral pagamento; b) receber as 30 cabines de hidromassagem «New Holliday ASO Thermostatic» encomendadas que a A. ainda tem na sua posse e a pagar-lhe o preço das mesmas, no montante global de €35.875,29; c) pagar à A. a quantia de €5.606,16, a título de lucros cessantes, relativamente às restantes 47 cabines encomendadas.

[…]” [transcrição de fls. 152] 1.3.

Inconformada, interpôs a R. o presente recurso, motivando-o a fls. 155/167, formulando a rematar tal motivação as conclusões que aqui se transcrevem: “[…………………………………………] [transcrição de fls. 163/167] A A./Apelada respondeu ao recurso a fls. 173/177, pugnando pela integral confirmação da Sentença.

Relatada que está a marcha do processo até à presente instância, cumpre apreciar os fundamentos da apelação.

II – Fundamentação 2.

Conhecendo do objecto desta, ter-se-á presente que o respectivo âmbito objectivo foi delimitado pela Apelante através das conclusões que formulou, a cuja transcrição procedemos no antecedente item [vale a tal respeito o teor dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)]. Constata-se, assim, apreciando essas conclusões, que os factos provados, os elencados na Sentença como tal, são aceites pela Apelante, dirigindo-se a crítica desta, exclusivamente, às asserções jurídicas que determinaram a respectiva condenação por incumprimento do contrato celebrado com a empresa aqui A.

Assim, estando definitivamente fixado o acervo fáctico que emerge do julgamento da acção, e constituindo ele a base de trabalho que se oferece a este recurso, aqui transcrevemos esse elenco, nos exactos termos em que a Sentença apelada o enunciou no respectivo texto, combinando as respostas à base instrutória com os factos anteriormente assentes: “[…………………………………………..] [transcrição de fls. 145/146] 2.1.

Estrutura-se o recurso – como dissemos, nos termos delimitados pelas conclusões – em torno de um primeiro argumento (conclusões 1. a 3.

) dirigido à questão do incumprimento do contrato, entendendo a Apelante que determinados segmentos dos factos (concretamente os constantes dos pontos 6. e 11. do elenco acima transcrito) expressam um elemento patológico da relação contratual entre a A. e a R. correspondente, tão-só, ao incumprimento pela A. desse contrato, através da falta de entrega por esta, no prazo convencionado, das 77 cabines encomendadas[5].

A questão do incumprimento do contrato (rectius, a questão de quem incumpriu o contrato) posiciona-se, assim, como um dos fundamentos do recurso a tratar na subsequente exposição, importando controlar a asserção da Sentença de que existiu incumprimento por banda da R.

Noutra vertente argumentativa expressa nas conclusões (conclusões 4. a 9. e 10. a 13.

), desta feita aceitando que alguma responsabilidade indemnizatória lhe seja assacável quanto à frustração do contrato, discute a Apelante a compatibilidade dos itens indemnizatórios fixados na Sentença (pagamento pela R. das 30 cabines com a respectiva entrega, mais o pagamento pela R. do lucro que a A. obteria com a venda das restantes 47 cabines). Pressupondo – pressupõe-no a Apelante no recurso – a aceitação pela A./Apelada do cancelamento ou resolução do contrato pela R., haveria lugar – e estamos só a caracterizar os argumentos da R./Apelante, parafraseando afirmações suas no recurso –, haveria lugar, dizíamos, segundo a R., apenas, à satisfação de um “interesse contratual negativo”[6], e não ao pagamento de lucros cessantes (interesse contratual positivo), por incompatibilidade destes com o que a Apelante qualifica como aceitação da “resolução ou cancelamento” do contrato[7].

A questão da natureza e compatibilidade das indemnizações devidas à A. pela frustração do contrato, posiciona-se, assim, como outra das questões a tratar no presente recurso.

Finalmente, como terceira vertente argumentativa da apelação (conclusões 14. a 17.

), discute a Apelante se a cláusula de supressão do desconto inserida na factura de fls. 8, para a hipótese de não pagamento no vencimento da factura, constitui uma “cláusula contratual geral” não regularmente comunicada à R.

Esta possível natureza – de “cláusula contratual geral” – dessa previsão de exclusão do desconto na factura que acompanhava a (única) cabine fornecida, constitui, enfim, o derradeiro fundamento do recurso.

Importa, pois, apreciar estes três fundamentos da apelação, esclarecendo, preliminarmente, aliás secundando o correcto entendimento expresso na Sentença quanto à natureza do contrato celebrado entre a A. e a R., corresponder este a uma compra e venda mercantil bilateral (no sentido de assumir natureza comercial tanto para o vendedor como para o comprador)[8]. Estamos, pois, perante uma venda pela A. à R. (para ulterior comercialização por esta, após incorporação em fracções prediais por ela comercializadas a terceiros) de 78 cabines de hidromassagem, com a entrega imediata de uma delas destinada a um andar modelo e o fornecimento posterior (até ao final de 2007) das restantes 77. Estamos, enfim, e é o dado que aqui interessa reter, perante um contrato de compra e venda [artigo 874º do Código Civil (CC)], no qual a A. foi a vendedora e a R. a compradora, consistindo a obrigação daquela em transmitir para a R. a propriedade de 78 cabines de hidromassagem, com determinadas características, sendo a correspondente obrigação da R. a de receber essas cabines e pagar o respectivo preço[9].

Pressupondo este enquadramento da situação, importa apreciar os fundamentos do recurso antes enunciados.

2.1.1.

Começando pela questão indicada em último lugar (conclusões 14. a 17.

), destacando-a da patologia de fundo da relação contratual adiante focada, abordaremos desde já a questão da supressão pela A. do desconto no preço da única cabine efectivamente entregue (e reconhecidamente não paga) ao abrigo da factura de fls. 8, apreciando concretamente se essa cláusula (a que elimina o desconto verificada determinada condição) contém, desvaliosamente – rectius, como cláusula nula –, alguma “cláusula contratual geral”, isto no quadro da convocação da chamada Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG)[10].

A afirmação de corresponder a uma “cláusula contratual geral” a referência constante de uma factura, acompanhando a primeira cabine (a única destacada do todo das 78 encomendadas pela R. através da nota de fls. 7) destinada ao andar modelo, de que o preço aí indicado dessa unidade (também aí expressamente determinado por subtracção de um desconto de 21%[11]), só é considerado com esse desconto se a liquidação for efectuada até à data do vencimento indicada nessa mesma factura, tal afirmação, dizíamos, não se sustenta minimamente face à caracterização da realidade correspondente ao conceito de “cláusula contratual geral”, para efeitos de aplicação do regime de exclusão deste tipo de cláusulas previsto no artigo 8º da LCCG que a Apelante pretende aqui convocar.

Com efeito, concorrem na não aplicação neste caso concreto desse regime, tanto a específica natureza assumida pela inserção na factura desse elemento respeitante à determinação do preço a pagar dentro de determinado prazo, como a natureza empresarial/comercial das entidades (A. e R.) envolvidas no negócio, quando esta natureza corresponde aqui a agentes económicos colocados no mercado numa situação de igualdade substancial que expressa um funcionamento concorrencial normal desse mercado[12].

Corresponde tal cláusula, desde logo, a uma forma – por sinal usual e lógica na prática comercial (perda do benefício do desconto pela mora) – de determinação antecipada do preço pelo vendedor, enquanto elemento situado no domínio intangível de liberdade de estipulação deste num mercado concorrencial, elemento relativamente ao qual a celebração do contrato já pressupõe um acordo prévio com o comprador ou a aceitação livre, por este, de...

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