Acórdão nº 518/03.3TACTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução23 de Junho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

No Círculo Judicial de Castelo Branco, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido A…, casado, comerciante, com última residência conhecida na Rua …, actualmente preso no E.P. da Carregueira, sob imputação, na pronúncia de fls. 651/652, da prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p. pelos artigos 256.º, n.ºs 1, al. b), e 3, e 255.º, al. a), e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 202.º, al. b), todos do Código Penal.

* 2.

P…, constituído assistente, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia indemnizatória no valor global de € 40.358,61 (segundo alega, correspondente à desvalorização do veículo até à data da apresentação do pedido de indemnização, aos juros de um livrança que o demandante tencionava pagar com o produto da venda do veículo e ao valor de uma novo veículo que o demandante teve de comprar), acrescida da desvalorização do veículo ainda a verificar-se, montante a ser liquidado em execução de sentença, quantias a que acresceriam os juros legais, à taxa de 4,00% ao ano, desde a data da “venda” do veículo e até integral pagamento, a recair sobre o montante de € 53.400,00.

Para além destes pedidos, peticionou ainda o mesmo demandante declaração judicial no sentido de que o veículo de matrícula XXX... é sua propriedade única e exclusiva ou, caso assim não seja entendido, a condenação do demandado a pagar-lhe a quantia de € 53.400,00, correspondente ao valor total do veículo à data da “venda” .

* 3.

De igual modo, M... deduziu pedido cível contra o arguido, impetrando a condenação deste no pagamento ao demandante da quantia de € 18.880,00, a título de dano pela privação do uso do veículo, valor a rever na data da prolação da sentença, acrescida do montante € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais, devendo ainda a viatura em causa ser devolvida ao demandante.

Subsidiariamente, para o caso de ser entendido não dever a viatura ser-lhe entregue, pediu o demandante a condenação do arguido no pagamento do montante de € 47.500,00, referente ao valor pago pela aquisição da viatura de matrícula XXX…, e ainda da quantia de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais, valores acrescidos de juros legais, a contar da data da citação do demandado até integral pagamento.

Todavia, no início da audiência de discussão e julgamento, o demandante M..., em face da sentença entretanto proferida nos autos de Acção Ordinária com o n.º 1594/06.2TBCTB, transitada em julgado, requereu fosse apenas considerado, nos presentes autos, o pedido subsidiário.

* 4.

Por acórdão de 6 de Janeiro de 2010, o tribunal colectivo proferiu decisão do seguinte teor: A) julgou procedente, por provada, a pronúncia e, em consequência, condenou o arguido A…: 1. Pela prática de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 256.º, n.ºs 1, al. b), e 3, e 255.º, al. a), ambos do Código Penal, na pena 3 anos de prisão; 2. Pela prática de um crime de burla, p. e p. nos artigos 202.º, al. b), 217.º, n.º 1 e 218.º. n.º 2, al. a), todos do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; 3. Operado o cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  1. Julgou parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por P… contra o arguido/demandado A… e, em consequência, condenou o demandado a pagar ao demandante a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a data do acórdão, por se mostrar actualizada tal quantia nesse momento, juros estes à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.

  2. Julgou procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por M… contra o arguido/demandado A… e, em consequência, condenou o demandado a pagar ao demandante: - A quantia de € 47.500,00 referente ao valor pago pelo demandante pela aquisição da viatura de matrícula XXX…, a que acrescem juros desde a data da notificação ao arguido do pedido de indemnização civil, 25-09-2009, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento; - A quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, a que acrescem juros que se venham a vencer desde a data do acórdão, por se mostrar actualizada tal quantia nesse momento, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.

    * 5.

    Inconformado, o arguido interpôs recurso do acórdão, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – É ininteligível porque imperceptível a gravação relativa ao depoimento do Senhor arguido e testemunha, primo do ofendido, J... - acta do dia 9-12-09.

    1. – Pelo que, sendo ininteligível a gravação relativa ao depoimento de uma testemunha e arguido, essa lacuna insuperável inviabiliza uma apreciação global da prova, tanto mais que o depoimento do arguido e da testemunha em apreço é fundamental na determinação da matéria de facto, mais concretamente para aferir da astúcia ou engano; 3.ª – Esta irregularidade - artigo 118.º, n.º 1, do CPP - afecta o valor do acto – artigo 123.º, n.º 2, do CPP, visto que a sua verificação é prejudicial para os direitos do recorrente e tem influência no exame e decisão da causa, pelo que deve ser ordenada a reparação da irregularidade, sob pena de violação dos direitos de defesa e ao recurso do arguido, vertidos no artigo 32.º da CRP.

    2. – O Tribunal deu como provado que o arguido assinou o cheque e se intitulou patrão da B... para enganar o ofendido e levar a viatura sem pagar.

    3. – Quanto à assinatura do cheque, baseou-se na prova indirecta, já que o arguido negou que assinara o cheque, e quanto às restantes testemunhas refere: “é certo que ninguém relatou ter visto o arguido a assinar o cheque”.

    4. – O recorrente, apesar de ter admitido que preencheu o cheque, sempre negou tal assinatura, alegando que o mesmo lhe foi entregue pelo seu sócio, C..., para a realização da compra da viatura e como pagamento de uma dívida tida por este último para com o ora recorrente.

    5. – Muito embora tal justificação não tenha sido acolhida pelo Tribunal recorrido e na falta de outras provas em contrário, não podia este concluir, como concluiu, que o cheque foi assinado pelo recorrente, em momento anterior à sua entrega ao ofendido.

    6. – Aliás, não tendo o Tribunal conseguido descortinar o modo como foi assinado o cheque, mais não lhe restava, perante a dúvida, senão aplicar o princípio constitucional de in dubio pro reo e presunção de inocência do arguido.

    7. – Por outro lado, a testemunha N... da Cletolar admitiu na audiência de 9 de Dezembro que o cheque lhe fora retirado provavelmente por um seu segurança que se dava com o C... que lhe foi dito que era sócio do arguido.

      De facto, esse foi sócio do arguido na sociedade shop-car, onde este, através da sua companheira Marta, detinha uma quota.

    8. – Face ao depoimento do arguido, em contradição com o do ofendido, e com fundamento no depoimento de N..., considerando a dúvida suscitada, impunha-se, de acordo com o princípio da descoberta da verdade material, que o Tribunal apurasse quem foi o verdadeiro autor da assinatura no cheque, sem ter que recorrer à tal prova indirecta, e ordenando de imediato o exame grafológico do cheque.

    9. – Não o tendo feito, não deveria considerar-se como provada a referida falsificação pelo arguido, o que ao fazer-se viola, nesta parte, o disposto no artigo 340.º, n.º 1, do CPP, tendo havido, pois, omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade material – artigo 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, padecendo o acórdão do vício do artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.

    10. – O Tribunal não fez correcta apreciação da prova (incorreu em erro na apreciação da prova, o qual era facilmente perceptível e resulta do texto da decisão recorrida, enquadrando-se na al. c) do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, impondo-se, por isso, a realização de audiência onde tal exame seja feito.

    11. – Por isso, o Tribunal não poderia ter dado como provado que o arguido assinou o cheque nos termos dos artigos 4.º e 23.º do texto decisório.

    12. – Quanto ao engano, de acordo com as regras da experiência comum, nos termos do artigo 127.º do CPP, não faz sentido que: a) Em momento anterior à sua deslocação a Castelo Branco para negociar o “jeep”, solicitou uma redução de preço ao ofendido e só após essa redução se deslocou àquela urbe no sentido de proceder às negociações tendentes à compra da mesma; b) Mesmo depois de ver o veículo, e ponderada a sua aquisição, renegociou novamente o preço, oferecendo menos 3750 € em relação ao valor anteriormente acordado telefonicamente; c) Facultou ao ofendido o seu Bilhete de Identidade e Cartão de Contribuinte, permitindo a este efectuar fotocópias desses documentos; d) Já após se encontrar na posse do veículo e respectiva declaração de venda, telefonou ao ofendido a solicitar-lhe o NIB, pedindo-lhe para confirmar esse número pelo menos três vezes; e) Contactou o ofendido, dando-lhe conta que não conseguia transferir o valor acordado na venda, na data combinada; f) Se o recorrente pretendia de facto enganar o ofendido, porque apenas decidiu deslocar-se de Lisboa a Castelo Branco após conseguir, por telefone, uma redução do preço pedido pelo arguido no anúncio da venda do automóvel, em vez de esperar para fazer esse pedido quando se encontrassem pessoalmente se a sua intenção não era pagar? g) E depois dessa redução substancial de preço, porque motivo voltou a renegociar uma nova baixa no valor de 3750 €, arriscando perder o negócio? h) Porque é que facultou os seus documentos pessoais, autorizando que fossem os mesmos fotocopiados pelo ofendido, em vez de se limitar a que os seus dados de identificação fossem copiados desses documentos, sabendo, caso fosse intenção enganar o ofendido, que tal facto o comprometeria...

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