Acórdão nº 1566/05.4TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelRIBEIRO MARTINS
Data da Resolução23 de Junho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Criminal de Coimbra – I- 1- No processo comum 1566/05 da comarca de Viseu, AC foi condenado na pena única de 300 dias de multa à taxa diária de €7,50 resultante do cúmulo jurídico de duas penas de 200 dias de multa pela prática, respectivamente, dum crime de falsificação p. e p. pelo art.º 256/1 alínea a Nas circunstâncias enunciadas a violação do princípio só será de atender se resultar da sentença que o tribunal num estado de dúvida sobre algum ou alguns dos pontos da matéria de facto sobre eles optou por entendimento decisório desfavorável ao arguido.) e 3 e dum outro de burla p. e p. pelo art.º 217/1, ambos do Código Penal.

Foi ainda condenado a pagar a M a quantia de €5.531,41 com juros de mora contados desde a notificação do pedido até integral e efectivo pagamento, a título de danos patrimoniais. 2_ O arguido recorre concluindo – 1) O arguido foi acusado de três crimes de falsificação de documento, um crime de falsificação de documento e um crime de burla.

2) Pela queixosa/ofendida foi deduzido pedido de indemnização cível.

3) O tribunal entendeu julgar a acusação procedente e condenar o arguido como autor material dum crime de falsificação de documento na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 7,50 e um crime de burla na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 7,50. Efectuando o cúmulo jurídico das penas impostas, foi o arguido condenado na pena de 300 dias de multa à taxa diária de €7,50.

4) Foi julgado procedente o pedido cível e condenado o demandado/recorrente a pagar à demandante a quantia de € 5.531,41 a título de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação do pedido cível até integral pagamento.

5) É desta decisão, com a qual não se concorda, que se recorre porquanto, 6) Não foi produzida qualquer prova que permita concluir pela condenação do arguido. Ao invés, 7) As testemunhas arroladas foram parciais, nada isentas, confusas, bem como o seu depoimento e, muitas vezes, entram em contradição, seja umas com as outras, seja com os documentos juntos.

8) Em nosso entender, mal andou o tribunal ao interpretar a prova no sentido de dar como provados os factos constantes dos pontos 1), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 16), 17), 18) e 24).

9) Na verdade, atendendo a toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento deve o tribunal de recurso proceder à alteração da decisão de facto, 10) Devendo considerar como «não provada», por falta de prova, a matéria constante dos pontos 1), 3) a 14), 16) a 18) e 24).

11) De modo algum se provou que o arguido tenha praticado qualquer dos factos que lhe são imputados.

12) Esta falta de prova resulta de toda a documentação e depoimentos prestados como passaremos a analisar. Assim, 13) Do ofício do Millenium BCP resulta que a conta bancária onde foi depositado o cheque não pertence nem nunca pertenceu ao arguido.

14) Do documento interno da seguradora pode retirar-se que alguém que não foi possível apurar fez-se passar, intitulando-se "ACR", telefonando dum telemóvel que não é nem nunca foi pertença do arguido, mas sim de uma empresa, podendo ter sido utilizado por qualquer um dos seus sócios, funcionários ou colaboradores, 15) Da certidão do assento de casamento retira-se que este se encontra divorciado e não separado, como conclui a sentença.

16) Do teor do relatório de exame pericial retira-se apenas como «provável» que as escritas suspeitas sejam da autoria do arguido. Não concluído que sejam, ou sequer que sejam muito provável que sejam.

17) E o facto do relatório pericial concluir que "a assinatura do tomador do seguro (a aqui queixosa) ... resulta da utilização de um carimbo", também não permite concluir que essa carimbo tenha sido utilizado ou aposto pelo recorrente.

18) Mas a alteração da decisão de facto também se impõe por força dos depoimentos probatórios prestados pelas testemunhas. Nomeadamente, 19) O depoimento da testemunha M (…): Advogado - Ver, a senhora nunca viu o senhor AC… falsificar a sua assinatura, nomeadamente aquelas que a senhora diz que não são suas? Testemunha: Não, nunca vi. Testemunha: Não vi".

20) O depoimento da testemunha AM (…): " Juiz - É capaz de reconhecer nessa assinatura algum traço que a mesma pudesse ter sido feita pelo seu pai? Testemunha – Não( ...) O meu pai levava a letra a casa, ao almoço ou ao jantar e a minha mãe assinava. Pelo menos, que eu tenha presenciado, foi sempre isto que aconteceu. Advogado - Teve conhecimento de em alguma dessas letras seu pai ter feito a assinatura da sua mãe? Testemunha – Não. Advogado - O senhor presenciou várias vezes em que o seu pai pedia à sua mãe para assinar? Testemunha – Exactamente. Era à hora do almoço que ele levava e a minha mãe assinava".

21) O depoimento de AB (…)Testemunha – (…) É uma mera suposição minha. Advogado - O que lhe peço é que me diga se viu, alguma vez, o senhor AC fazer a assinatura da sua irmã? Testemunha - Ver, não".

22) O depoimento de L (…). Testemunha É uma mera suposição minha .... Testemunha – Deve ter sido, presumo eu ... a quem isso não sei". Testemunha - Não exigimos nada de especial porque como está assinado só tem que levar o bilhete de identidade, mas isso consta aqui uma cópia e a assinatura é parecida. Não exigimos nada de especial. Mas, portanto, o cheque é cruzado e só pode ser depositado na conta do beneficiário. Que foi. Segundo nos disse o Banco, que foi .... presumo eu".

23) Assim fica claro, e melhor ficará com a audição integral da prova testemunhal, que não é possível concluir pela prática de qualquer facto pelo arguido.

24) Não pode o princípio da imediação prevalecer perante esta realidade sob pena de não ser efectivamente admissível às partes recorrer, de muito pouco valendo a gravação da prova.

25) As testemunhas fundamentam o seu depoimento em suposições.

26) As mesmas suposições que estão na base da condenação.

27) E entre as testemunhas são várias as contradições que permitem pôr em causa a credibilidade dos depoimentos.

28) Mas ainda que dúvidas existissem, sempre o tribunal teria de absolver o arguido, sob pena de violação do principio "in dubio pro reo".

29) Pois todo o arguido se presume inocente por força do principio constitucionalmente consagrado ( art.º 32 da CRP).

30) Não só porque não se provou qualquer intervenção do arguido, nomeadamente na feitura das assinaturas em questão, como também porque não se provou qualquer enriquecimento ilegítimo do arguido.

31) E quanto à parte cível, a sentença padece de um outro vício, 32) É que por força do regime patrimonial do então casal à data dos factos, sempre o dinheiro do PPR era bem comum do casal e não bem próprio da demandante.

33) Violando a decisão os artigos 1722 e 1724 do Código Civil.

34) Quanto à medida da pena, é manifesto que não foi tido em consideração o caso concreto.

35) De facto, nesta parte, padece a sentença de lapsos manifestos. Senão vejamos: o arguido não vem acusado nem sequer é dado como provada a matéria constante de a fls. 19 e 20 da sentença: «… falsificação, forjando documento, através de “montagem"e decalque da assinatura, fazendo-lhe juntar o rosto de cópia do bilhete de identidade do queixoso, que detinha consigo, derivada de relações comerciais que com o mesmo tinha tido, visando conseguir € 2.000 a partir da conta do mesmo, através da ordem forjada de transferência que fabricou, e fez remeter por "fax" para a CGC conseguindo induzir aquela instituição a proceder à sua visada obtenção fraudulenta daquela quantia"; “…falsificando e construindo aquela ordem falsa de transferência, valendo-se de documentos que detinha"… construtor civil", “ … o seu não arrependimento, traduzido na sua não admissão dos factos, contra todas as evidências, designadamente de o dinheiro ter sido transferido para uma sua conta" “…não ultrapassa a culpa da arguida”, “…apropriação da quantia de € 2.000, que logrou obter através de falsificação de um documento, titulando falsa ordem de transferência de tal quantia da conta do queixoso para uma sua conta, induzindo em erro a entidade bancária depositária, o que fez sem dar conhecimento e contra a vontade do seu legitimo titular, “…o seu não arrependimento, traduzido na sua não admissão dos factos, contra todas as evidências, designadamente de o dinheiro ter sido transferido para uma sua conta".

36) Assim, manifestamente, o tribunal de modo a apurar da medida da pena não considerou a situação em discussão nos autos, 37) Sendo que este facto fere de nulidade a sentença, determinando a sua revogação.

38) Termos em que deve a sentença ser revogada por violação das disposições legais invocadas e substituída por outra que determine a absolvição do arguido por falta de prova.

39) Em todo o caso, deve determinar-se a nulidade da sentença por fazer assentar a medida da pena em factos que não são os do caso concreto.

3- Responderam o Ministério Público junto do tribunal recorrido e a demandante [quanto à indemnização arbitrada] pela improcedência do recurso.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que dum modo geral subscreve as alegações do Ministério Público junto da 1ª instância, embora admitindo a possibilidade “do reenvio parcial do processo, ou correcção do lapso, quanto à fundamentação da medida da pena”.

4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e...

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