Acórdão nº 1615/06.9TBMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Junho de 2010

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução15 de Junho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em Agosto de 2006[1], A...

(A/Reconvindo e aqui Apelante) demandou B...

e C...

(RR./Reconvintes e Apelados[2]), formulando contra estes, num quadro argumentativo correspondente a uma “acção de reivindicação”, os seguintes pedidos: “[…] [O de] a) Ser reconhecida a propriedade do A. nos termos dos artigos 1311º e 1316º do Código Civil [CC], [O de] b) Condenar-se os RR. a abandonar o andar, restituindo-o ao A., de imediato, livre e desocupado de pessoas, nos termos do artigo 1311º do CC.

[O de] c) Condenar-se os RR. a pagar ao A. uma indemnização a título de danos patrimoniais, nunca inferior a €37.000,00.

[…]” [transcrição de fls. 9, com sublinhado acrescentado, enfatizando o único aspecto da Sentença que estará em causa no presente recurso] Alicerçou o A. tal pretensão na circunstância de, no intuito de ir transmitir essas fracções (como tal referiremos doravante o andar e o lugar de estacionamento objecto da reivindicação) aos RR., lhes ter permitido (é esta a versão do A.) a respectiva ocupação e utilização, situação que se mantém, sem que essa compra se concretize[3].

1.2.

Os RR. contestaram, impugnando alguma da factualidade aduzida e reconvindo. Invocam que o apartamento em causa (ou seja, as fracções aqui reivindicadas) foi adquirido pelo A. a pedido e “por conta” da R. e que, “[…] embora juridicamente propriedade do A.[,] é na realidade pertencente à R.” (fls. 64)[4], concluem os RR. o respectivo articulado nos termos seguintes: “[…] [D]eve: a) a presente acção ser julgada improcedente por não provada; b) serem os RR. absolvidos do pedido; c) ser o A. reconvindo condenado a reconhecer o direito de propriedade [dos RR.] sobre os imóveis descritos nos artigos 3º e 4º da p.i. ou, em alternativa.

d) ser o A. reconvindo condenado a outorgar a escritura por forma a transferir a titularidade sobre o direito dos imóveis descritos nos artigos 3º e 4º da p.i. para [a] R.

[…]” [transcrição de fls. 65] 1.2.

Findo o julgamento (a culminar este foram fixados os factos provados por referência à base instrutória[5]) foi proferida a Sentença de fls. 260/279 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, cujo pronunciamento decisório foi o seguinte: “[…] 1. Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: 1.1. Reconhece-se o direito de propriedade do A., relativamente à fracção autónoma designada pela letra «X», correspondente ao 4º andar esquerdo, destinado a habitação e a 2/15 da fracção autónoma designada pela letra «A», correspondente a cave destinada a garagem colectiva, do prédio urbano sito na ...., nº ...., freguesia e concelho da ...., sob o nº ...., afecto ao regime da propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artigo .....

1.2. Absolvo os RR. do pedido relativamente ao remanescente que era reclamado pelo A.[[6]].

  1. Julgo a reconvenção improcedente e, em consequência, absolvo o A. dos pedidos a esse título deduzidos.

    […]” [transcrição de fls. 279] Inconformado interpôs o A. o presente recurso, admitido (conjuntamente com o dos RR. posteriormente julgado deserto por falta de alegações, v. a nota 3, supra) a fls. ....

    [7], motivado a fls. 305/310, rematado pelo Apelante com as seguintes conclusões: “[…] 1 – O presente recurso deve ter efeito meramente devolutivo pois os presentes autos não respeitam à posse ou propriedade da casa de habitação dos apelados, conditio sine qua non para ser aplicável o art. 692.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil[[8]].

    2 – A sentença recorrida violou o disposto no artigo 1311º, nºs 1 e 2 do CC ao não condenar os Réus na restituição imediata das fracções de que o Apelante é proprietário.

    3 – Com efeito, este alegou e provou ser o proprietário das fracções.

    4 – Alegou e provou ainda que os RR. ocupavam as suas fracções.

    5 – Dispõe o artigo 1311º, nº 1 do CC que o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

    6 – Como pacificamente é aceite pela mais elevada jurisprudência e doutrina portuguesa, aliás, como bem estabelece o artigo 1311º, nº 2 do CC, só assim não será se havendo reconhecimento do direito de propriedade a restituição esbarrar numa das situações em que a lei admite tal recusa.

    7 – Os RR. não alegaram nem lograram provar ocupar a fracção com base nalgum modo legítimo, designadamente um qualquer direito real ou obrigacional que tornasse legítima a recusa da restituição.

    8 – «Nas acções de reivindicação (artigo 1311º do CC) incumbe ao autor demonstrar que tem o direito de propriedade sobre a coisa reivindicada e que esse direito se encontra na posse ou detenção de outrem. Provados esses requisitos, a restituição da coisa será uma consequência directa, a não ser que o seu ou seus detentores demonstrem possuir direito real ou obrigacional, que servirá de obstáculo ao exercício pleno da propriedade, direito que consubstancia uma excepção peremptória, nos termos do artigo 493º, nº 2 do Código de Processo Civil.» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/12/1986 in BMJ, 362,537).

    9 – Inexistindo [prova de] qualquer modo legítimo de ocupação, tal utilização é ilegítima e não consentida pois que, ainda que de uma mera liberalidade se tratasse, com a citação judicial há lugar a uma interpelação de entrega do bem que apenas poderia soçobrar perante um direito real, pessoal de gozo ou creditício.

    10 – Não tendo os RR. logrado provar qualquer direito que permita uma legítima recusa de entrega das fracções, deve a sentença recorrida ser parcialmente anulada e substituída por uma outra que condene os RR. à imediata restituição das fracções livres e devolutas de pessoas e bens.

    […]” [transcrição de fls. 309/310] II – Fundamentação 2.

    Apreciando o recurso, importa ter presente que as conclusões formuladas pelo Apelante (A. e Reconvindo) operaram a delimitação temática do respectivo objecto [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)]. Dessas conclusões (procedemos à respectiva transcrição no item antecedente) resulta não pretender o Apelante rediscutir nesta instância qualquer aspecto do acervo fáctico fixado pelo Tribunal a quo, no sentido em que não indica, na construção temática do respectivo recurso, factos que considere incorrectamente julgados e provas erradamente valoradas relativamente à fixação de qualquer desses factos (v. as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 690º-A e 712º, nºs 1 e 2 do CPC). Entende o Apelante, pois, que a simples consideração dos factos que o Tribunal considerou provados é suficiente para alicerçar a sua pretensão de restituição das fracções detidas pelos RR. É esta questão, aliás, que corresponde tematicamente ao recurso.

    Assim, os factos a considerar neste Acórdão, definitivamente fixados que se encontram eles por não impugnação (e por não sofrerem dos desvalores previstos no nº4 do artigo 712º do CPC), são os seguintes (indicamo-los aqui para facilitar a compreensão autónoma da situação através da simples leitura deste Acórdão): “[…] 1.

    Por escritura pública celebrada no dia 01/10/1998, no Cartório Notarial da ...., D... e esposa, E..., na qualidade de primeiros outorgantes, e A..., casado com F..., na qualidade de segundo outorgante, declararam os primeiros que pelo preço global já recebido de [10.630.000$00/€53.022,22] vendiam ao segundo, que declarou aceitar, livre de ónus ou encargos: Número um: Pelo preço de [10.000.000$00/€49.879,79], a fracção autónoma designada pela letra «X», correspondente ao ..., virado para a Estrada da ...., destinado a habitação, com o valor patrimonial correspondente à fracção de 3.257.055$00 (€ 16.246,12); Número dois: Pelo preço 630.000$00/€ 3.142,43, 2/15 da fracção autónoma designada pela letra «A», correspondente a ..., com o valor patrimonial correspondente à fracção de 623.573$00/€3.110,37; ambos do prédio urbano sito na ...., n.º ...., freguesia e concelho da ...., descrito na Conservatória do Registo Predial da ...., sob o n.º ...., afecto ao regime da propriedade horizontal, conforme inscrição F-1, com a aquisição registada a seu favor, pelas inscrições G-1 e G-12, respectivamente, prédio esse inscrito na matriz sob o artigo .... – vide documento de fls. 10 a 14; alínea A) da especificação.

  2. A aquisição das fracções descritas nos números um e dois da alínea A), encontra-se registada a favor do A. A..., mediante as inscrições G-2 e G-15, através da Apresentação n.º 39/261098 – vide documentos de fls. 15 a 23 e 24 a 37; alínea B) da especificação.

    [São estas – as descritas em 1. e registadas em 2. – as fracções prediais reivindicadas pelo Apelante] 3.

    No ano de 1995, a primeira R. negociou com a sociedade «G...», através do seu sócio gerente (H...) a aquisição de um apartamento na ...., correspondente ao primeiro andar esquerdo e respectiva garagem – alínea C) da especificação.

  3. Na sequência de tal negócio, a primeira R. pagou à referida sociedade o preço do dito apartamento, que passou a ocupar, mas a escritura de compra e venda não chegou a ser outorgada – alínea D) da especificação.

  4. Após o referido em D), a R. [mulher] foi habitar uma moradia de rés-do-chão, sita na .... – alínea E) dos factos assentes.

  5. Na moradia mencionada em E) foram efectuadas obras de reparação – alínea F) dos factos assentes.

  6. Em 1997, após o referido em E), a R. [mulher] foi trabalhar para a ...., onde passou a residir – alínea G) dos factos assentes.

  7. A R. [mulher] solicitou ao A., enquanto mediador imobiliário, para providenciar pela venda da moradia mencionada em E), pelo valor de [12.000.000$00/€59.855,75] – alínea H) dos factos assentes.

  8. A R. [mulher] solicitou ao A. que adquirisse em nome dele a fracção «X» e a quota-parte na fracção «A» [identificadas na alínea A) dos factos assentes], para posterior transmissão para [ela] a R. [mulher] – resposta ao quesito 1.º.

  9. Desde Abril de 1998, os RR. vivem nas fracções descritas na alínea A)...

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