Acórdão nº 1700/07.0PCCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Junho de 2010
Magistrado Responsável | ALICE SANTOS |
Data da Resolução | 09 de Junho de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
22 22 Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
***No processo comum singular, supra identificado após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que: - condenou o arguido JO como autor de um crime de ofensa à integridade física simples agravado pelo resultado, previsto e punido pelo artigo 143.°, n.º 1 e 147 nº 1, do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão.
- Suspendeu a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 14 meses, sob a condição de pagamento a uma instituição de solidariedade social a indicar pela família da vitima, da quantia de € 1000,00, comprovando nos autos a realização de tal pagamento.
- Condenou o arguido no pagamento à demandante civil da quantia de € 143,50 a título de indemnização pelos danos patrimoniais por esta sofridos.
Deste acórdão interpôs recurso o arguido JO, sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso: B1: O recorrente pretenda tenha lugar audiência oral, desejando sejam objecto de debate os seguintes aspectos da motivação: A1.2., A1.3., A1.3.1., A1.3.2.; A4., A4.1., A4.2., A4.3., A4.4.e A4.5 ..
B2: A M.ma Juíza considerou que os meros empurrões têm como consequência um tipo de ofensa corporal que, em regra, se esgota neles mesmos; porém, do mesmo passo - ponto 6) dos factos provados - não deixou de entender, salvo o devido respeito, em clara e manifesta contradição com o predito segmento discursivo, a despeito da anormalidade de tal evento, que quem empurra outra "pode e deve" prever a possibilidade de o ofendido sofrer lesões que o conduzam à morte. Daqui que deve concluir-se B3: que a M.ma Juíza, claramente, incorreu numa miscigenação de conceitos, pois a formulação verbal do ponto 6) não cumpre o conceito de negligência - mas sim os de dolo directo e dolo eventual - pelo que daqui resultou violado o disposto no art. 15° e, consequentemente, o do art. 147°, ambos do Código Penal, B4: o que, de resto, é confirmado pela seguinte asserção expressamente constante do texto da decisão recorrida: "Sucede contudo que, tendo empurrado a vitime, esta desequilibrou-se e veio a bater com a cabeça num carro, sofrendo lesões que conduziram à sua morte.
Uma vez que não se demonstrou que o arguido tivesse, em algum momento, previsto que do empurrão por si praticado viesse a resultar a morte da vitima, afastado fica a possibilidade deste resultado lhe ser imputado a titulo de dolo ", Por outro lado, B5: a mesma douta Julgadora reconheceu, também de forma expressa, que o evento agravante surgido na hipótese dos autos, em regra, não se verifica B6: tudo isto a despeito de, como referido no ponto A4.2.. da motivação e de novo de forma explícita a M.ma Juíza ter reconhecido que "para dar como provados os factos referentes à acusação pública, ... , devidamente conjugados,. num raciocínio lógico e fundamentado nas regras do normal acontecer, ... ". Por outro lado, B7: e na senda do que se deixou dito no ponto A4.3. da motivação é inaceitável e de actualização intelectual impossível. Por isso, B8: pode e deve dizer-se que o evento morte é imputável, sim, a um de dois factores: ou ao chamado "risco geral de vida" ou ao atraso na prestação dos socorros por banda do INEM. E ainda: B9: a M.ma Juíza hipervalorizou o depoimento da testemunha T (prestado na sessão de Julgamento que decorreu no dia 01 de Outubro de 2009 gravado através do Sistema H@bilus Media Studio, o qual teve o respectivo início às 10 horas, 53 minutos e 15 segundos e findou às 11 horas, 17 minutos e 11 segundos da primeira sessão da audiência (Ficheiro n" 20091001105314 67677 64313)), pretendo ter sido neste que escorou a afirmação segundo a qual o arguido não deu apenas um empurrão, mas diversos, na pessoa da vítima. Ora, B10: ao afirmá-lo com base em tal meio de prova, a M.ma Juíza incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, pois esta testemunha sempre disse e redisse ter presenciado apenas um empurrão B11: razão pela qual V.as Ex.as devem corrigir a sentença sempre que a mesma se refere a empurrões (no plural), como modo de actuação, em concreto, do arguido B12: e, na sequência de tudo quanto dito, revogar a douta sentença recorrida e, como tal, mentor apenas a condenação do arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º do Código Penal.
O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs visto.
Colhidos os vistos legais e em audiência, cumpre agora decidir.
O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.
Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida: Factos provados: Da acusação pública: 1) No dia 19/07/07, cerca das 19H30, na Rua … em São Martinho do Bispo, em frente ao supermercado .., e quando o ofendido J ali seguia a pé em direcção ao supermercado e o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ----15-66, gerou-se uma discussão entre ambos.
2) A dado momento, o arguido saiu do carro e, dirigindo-se ao ofendido, interpelou-o em tom de voz alto, dizendo-lhe “repete lá o que disseste”.
3) Como o ofendido continuou a caminhar, o arguido seguiu-o e, junto da entrada do supermercado, utilizando as mãos, empurrou-o por várias vezes, na última das quais fazendo com que o ofendido se tenha desequilibrado e caído de costas, batendo com a cabeça no veículo do arguido, junto à roda esquerda traseira, e seguidamente rolado para o chão, onde ficou inanimado.
4) Chamado o serviço de emergência médica, o ofendido foi transportado para o Hospital dos Covões em Coimbra onde, no dia 21/07/08, pelas 4H45, faleceu vítima de paragem cardio-respiratória devida a traumatismo cervical.
5) Em consequência da conduta do arguido, o ofendido sofreu as lesões melhor descritas e examinadas no relatório de autópsia médico-legal a fls. 83 e ss. dos autos — cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido - designadamente escoriações e equimoses na cabeça e nos membros superiores, equimose no pescoço, escoriação na região dorsal, equimose no joelho direito e ainda lesões traumáticas raqui-meningo-medulares cervicais, sendo estas últimas causa adequada da morte do ofendido.
6) O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do ofendido provocando-lhe as lesões em que em regra se esgotam os empurrões, sendo que, ao empurrar o ofendido e causar-lhe a queda podia e devia ter previsto a possibilidade do mesmo vir a sofrer lesões que lhe viessem a provocar a morte, resultado que todavia não antecipou e com o qual não se conformou.
7) Agiu o arguido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo não ser a descrita conduta permitida por lei penal.
Do pedido de indemnização civil: 8) No dia 19/7/2007 o ofendido foi assistido no Serviço de Urgência do CHC, EPE.
9) A assistência médica que lhe foi prestada foi originada pelos ferimentos apresentados pelo ofendido em virtude da agressão ocorrida nesse dia e supra descrita.
10) A assistência médica causou ao CHC encargos no valor de €:143,50 Condições pessoais do arguido: 11) O arguido está reformado e aufere €:700,00 por mês de pensão de reforma.
Vive em casa própria, com a mulher, que é doméstica.
Tem a seu cargo um...
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