Acórdão nº 90/08.8IDCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução06 de Outubro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No Processo Comum Colectivo n.º 90/08.8IDCBR, no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, recorre o Ministério Público do acórdão datado de 23/3/2010, que decidiu: o absolver o arguido A... do crime continuado de fraude fiscal, p. e p. no art. 103º R.G.I.T., por cuja prática vinha acusado nestes autos; o condenar o arguido A..., pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p.

no art. 105º/n.

os 1 e 5 R.G.I.T., na pena de 13 (treze) meses de prisão; o absolver a arguida “SN, Unipessoal, Lda.” do crime continuado de fraude fiscal, p. e p. no art. 103º R.G.I.T., por cuja prática vinha acusada nestes autos; o condenar a arguida “SN, Unipessoal, Lda.”, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. nos arts. 7º/n.º 1 e 105º/n.

os 1 e 5 R.G.I.T., na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), ou seja, na multa de € 1.250 (mil duzentos e cinquenta euros); o suspender a execução da pena de prisão cominada ao arguido A..., pelo período de 13 meses.

  1. O Ministério Público, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição): «1- Recorre-se do douto acórdão deste Tribunal de Círculo da Figueira da Foz, de 23-03-2010, constante dos autos de Processo Comum Colectivo n° 90/08.8IDCBR, do 2° Juízo, do Tribunal Judicial de Cantanhede, 2- que condenou os arguidos “SN..., Unipessoal. Lda.”, e A..., pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, do artigo 105°, n.°s 1 e 5 do R.G.I.T., nas penas, respectivamente, de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), ou seja. na multa de €1250 (mil duzentos e cinquenta euros), e de 13 (treze) meses de prisão, cuja execução, ao abrigo do disposto nos artigos 50° e 51°, ambos do Código Penal, se decidiu suspender pelo correspondente período de treze meses.

    3- Entende-se, por um lado, que face aos factos apurados, é inquestionável que praticaram os arguidos o crime de abuso de confiança fiscal, do artigo 105°, n.° 1 do R.G.I.T., na forma continuada, mas já não do n°5 daquele artigo, como foram condenados.

    4-Na verdade, ter-se-á que atender ao teor do disposto no n°7. do artigo 105°, em análise, que refere que “para efeitos dos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.

    5- Ora, preceituam os artigos 28°, n°1, alínea c) e 40°, n°1, alínea h), do Código do IVA, que a entrega das declarações deve ser efectuada até ao dia 15 do 2° mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações tributáveis.

    6- Também o artigo 26°, n°1, do Código do I.V.A. dispõe que os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19° a 25° e 71°, na Direcção de Serviços de Cobrança do 1.V.A., ou noutros locais legalmente autorizados, simultaneamente com as declarações a que se refere o artigo 40°.

    7- Entende-se, por outro lado, que deverão ser alteradas as penas aplicadas aos arguidos.

    8- Com efeito, mesmo que se considere que, face à matéria de facto fixada, apenas se verifica a prática pelos arguidos do crime do artigo 105°, n°1, do R.G.I.T., sempre discordaríamos frontalmente das penas aplicadas aos arguidos no douto acórdão de que se recorre.

    9- Considerando a moldura penal do crime de abuso de confiança fiscal em apreço (pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias): entendemos que deve aplicar-se à sociedade arguida SN..., Unipessoal, Lda., uma pena de 300 dias de multa à razão diária de € 10, ou seja uma multa de €3000 — cfr. artigos 12º e 13°, ambos do R.G.I.F.N.A-, e ao arguido A... uma pena de prisão de treze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mas condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, dos benefícios indevidamente obtidos, nos termos do artigo 14°, do R.G.I.F.N.A..

    10- Na verdade, face à repetição e banalização da prática de crimes idênticos ao dos autos, demonstrada pelos elevados índices de criminalidade fiscal, são de considerar muito prementes as exigências de prevenção geral.

    11- De resto, o conhecimento público de que alguém que lesou o Estado em mais de 56 mil euros tinha sido sancionado com penas inferiores às peticionadas no presente recurso (nomeadamente, no caso da sociedade arguida, uma pena pecuniária de apenas € 1250), afrontaria gravemente o sentimento geral da nossa sociedade que vem reclamando um maior rigor do cidadão com a administração fiscal, e poria gravemente em causa a credibilidade que ainda gozam as normas jurídicas que tutelam criminalmente as infracções fiscais.

    12- No que concerne à condição a que deverá ficar subordinada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido A..., a mesma é obrigatória, como resulta do disposto no artigo 14°, do R.G.I.T.

    13- Aliás, como têm decidido os tribunais superiores, nomeadamente o Tribunal Constitucional, o objectivo de interesse público que preside ao dever de pagamento de impostos justifica um tratamento diferenciado face a outros deveres de carácter patrimonial e. como tal, uma concepção da suspensão da execução da pena corno medida sancionatória que cuida mais da vítima que do delinquente.

    14- Deste modo, decidindo como decidiram e como se vê do que precede, violaram os M.mos Juízes recorridos, por erro de interpretação, os artigos 12°, 13°, 14° e 105°, n.°s 5 e 7. do R.G.1.T.; 40° e 71°, n°s 1 e 2 , todos do Código Penal.

    Termos em que, e nos mais de direito, deve o recurso ser provido, reformando-se o douto acórdão recorrido conforme o proposto, condenando-se os arguidos ‘SN.... Unipessoal, Lda”, e A..., pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, do artigo 105°, n°1 do R.G.I.T., respectivamente, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 10 (dez euros), ou seja, na multa de € 3000 (três mil euros) e na pena de 13 (treze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mas condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, dos benefícios indevidamente obtidos, nos termos do artigo 14°, do R.G.I.F.N.A.. com o que se fará a costumada JUSTIÇA!» 3.

    Os arguidos em conjunto vieram RESPONDER a este recurso, opinando que: (em transcrição): «(…) Quanto à sociedade arguida, argumenta o M. P. com a necessidade de prevenção geral, importando que a pena aplicada transmita à sociedade e aos agentes económicos em idêntica situação que ”o crime não compensa“.

    A seu ver, a pena de € 1.250,00 de multa, correspondente a 250 dias, à taxa de € 5,00, não é adequada e não garante as exigências de prevenção geral, pois “afrontaria gravemente o sentimento geral da nossa sociedade, que vem reclamando um maior rigor do cidadão com a administração fiscal e poria gravemente em causa a credibilidade que ainda gozam as normas jurídicas que tutelam criminalmente as infracções fiscais Porém, cremos que a pena aplicada corresponde exactamente aos parâmetros estipulados legalmente para a fixação da sua medida concreta, tomando em consideração todos os factos provados.

    Com efeito, não basta atentar-se no facto de a sociedade arguida ter um débito para com o fisco de € 56.000,00.

    Não pode deixar de considerar-se que igualmente se provou que, durante o ano de 2004, a arguida realizou despesas, a título de pagamento de IVA por diversos materiais e serviços por si adquiridos no valor global de € 22.014,81, (cfr. facto 14), o que significa que pagou essa quantia de IVA, que poderia e deveria ter compensado nas declarações trimestrais que não apresentou mas que significariam objectivamente uma redução da divida de IVA para cerca de € 34.000,00. A arguida pagou aquele IVA aos seus fornecedores que, por sua vez, o entregaram ou se presume terem - no entregue ao Fisco. Só por razões contabilísticas a dívida atinge as proporções da acusação. Na verdade, o Estado não está lesado no valor de € 56.562,55, nem foi esse o benefício patrimonial da arguida.

    Por outro lado, ficou provado que a arguida se encontra inactiva (cfr. facto 15). O mesmo é dizer que o risco de continuação de actividade criminosa é zero, ou perto de zero.

    A arguida, além do mais, não tem antecedentes criminais (cfr. facto 22). Estes factos, só por si, tornam clara a justeza da decisão recorrida. Se a arguida não tem actividade, não tem meios para pagar qualquer multa. Ainda que primária e o valor do prejuízo patrimonial do Estado rondar os € 34.000,00, não pode deixar de aceitar-se a condenação que lhe foi fixada, por ser justa. Qualquer outra, no entanto, será sempre exagerada e desproporcionada.

    No que concerne à pena aplicada ao arguido, computada em 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, parece que há consenso quanto à sua conformação com as exigências penais.

    Também o M. P. entende que é correcta a sua fixação, mas exige que fique condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, dos benefícios indevidamente obtidos, nos temos do art° 4º do RGIFNA.

    A alusão do M. P. ao RGIFNA, aliás repetida ao longo da sua, aliás douta, motivação, terá ocorrido por lapso, devendo querer reportar-se ao art° 14° do RGIT.

    Porém, o aludido art° 14° do RGIT, de que certamente o Tribunal não fez tábua rasa, não é aplicável ao caso concreto.

    Com efeito, os factos provados impedem que se conclua, sem margem para dúvidas, quais os benefícios indevidamente obtidos no caso dos autos pois se, por um lado, se ajuizou que os arguidos liquidaram e receberam o montante de € 56.562,55 a título de IVA ( cfr. facto 5), por outro igualmente se apurou que a arguida, no âmbito da sua actividade comercial e durante o ano de 2004, realizou despesas, a título de pagamento de IVA por diversos materiais e serviços por si adquiridos, no valor global de € 22.014,81 (cfr. facto 14).

    O n.

    ° 1 do art° 14° do RGIT estipula que “A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre...

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