Acórdão nº 140/04.7TAFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelJORGE DIAS
Data da Resolução18 de Maio de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou improcedente a acusação deduzida pelo Mº Pº contra os arguidos: 1-R , casado, gerente comercial, nascido a …./1955, filho de G e de M, natural de …, Figueira da Foz, residente .., Figueira da Foz; 2-J, divorciado, industrial, nascido a ---1957, filho de G e de M, natural… Figueira da Foz, residente … 3- “T… do Centro, Lda.”, contribuinte da Segurança Social n.º 110…., NIPC 5…, com sede …, Figueira da Foz, Sendo decidido: Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz" (sublinhado nosso).

In casu, temos que a razão assiste ao recorrente, verificando-se lacuna no apuramento de matéria de facto necessária para a decisão.

Dando-se como provado o ponto 4 dos provados, de que os arguidos procederam aos descontos das contribuições devidas à Segurança Social nas remunerações pagas aos trabalhadores, deveriam ser investigados os períodos a que essas verbas respeitavam e quais os montantes.

Ou deveria ser devidamente justificado que se diligenciou no sentido desse apuramento para que fosse afastado que os descontos se reportam a “períodos e montantes não concretamente apurados” ou entender-se que era impossível apurar.

Certamente que se não fosse por outra via, pela intervenção da demandante Segurança Social (ela indicaria prova, testemunhal e ou documental) se saberia qual o período temporal e qual o montante, pois que o indicou no ped Absolver os arguidos R , J, e a sociedade arguida “ do Centro, Lda.”, do crime que lhes era imputado.

Julgar o pedido cível improcedente por não provado e, em consequência, absolver os arguidos R, J e a sociedade arguida “T.. do Centro, Ldª do pedido de indemnização contra os mesmos deduzido.

***Inconformados interpuseram recursos, o demandante cível Instituto da Segurança Social – IP/Centro Distrital de Coimbra e o Magistrado do Mº Pº.

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso do demandante cível Instituto da Segurança Social – IP/Centro Distrital de Coimbra, e que delimitam o objecto do mesmo: 1- Sobe o presente recurso da, aliás douta sentença proferida quanto ao pedido de indemnização cível, na parte em que se absolve os arguidos R e J, e a sociedade arguida "T… do Centro, Ldª” do pedido de indemnização civil contra os mesmos deduzido, por não se ter provado o dolo.

2- Não podia a juiz a quo ter dado como não provado: -que os arguidos R e J, agiram no seu próprio interesse, de forma deliberada, livre e consciente, procurando, e conseguindo, obter um enriquecimento indevido à custa da segurança social e que agiram livre, voluntária e conscientemente, em nome e no interesse da arguida "T.., Ldª" bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

-que os arguidos prosseguiram sempre a sua conduta com base numa suposta situação de impunidade, por falta de fiscalização atempada da omissão das suas obrigações com a segurança social e no quadro de uma única solicitação externa - as suas dificuldades económicas.

-que os arguidos sabiam que com as suas condutas incorriam em responsabilidade criminal.

-que como consequência directa e necessária dos factos descritos na acusação deduzida, advieram para a Segurança social prejuízos.

3- Os arguidos actuaram dolosamente, tendo causado prejuízo à Segurança Social.

4 - De facto, os arguidos retiveram as cotizações para a Segurança Social, mas não entregaram tal dinheiro à segurança social, sua legal e legítima proprietária.

Houve, pois, apropriação consciente, voluntária, ilícita e dolosa.

5- Existe dolo necessário, pois o agente sabe que está obrigado a deduzir e reter as cotizações e a entregá-las à Segurança Social no prazo legal e não o fazendo está a praticar uma infracção penal mas, apesar disso, realiza a respectiva conduta _ Cfr. Artigo 14.°, nº2 do Código Penal 6- São elementos objectivos do tipo do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, a dedução pela entidade empregadora nas remunerações pagas aos trabalhadores do "valor das contribuições por estes legalmente devidas" e a sua não entrega tempestiva, total ou parcial, às instituições de segurança social, por quem estava obrigado a deduzi-las e entregá-las.

7- Trata-se de um crime específico próprio em que o circulo de autores é constituído, não pelo contribuinte originário mas pelo substituto, que é investido na qualidade de depositário da prestação devida à segurança social e colocado temporariamente na detenção desta, com vista à sua entrega ao Estado.

8- O tipo subjectivo basta-se com o dolo do tipo, ou seja, com o conhecimento do dever de entregar a prestação tributária e a vontade de não o fazer.

9- O crime de abuso de confiança contra a segurança social é um crime omissivo puro que, atento o preceituado no nº 2 do artigo 5.° do RGIT, se consuma com a não entrega dolosa da prestação tributária devida pelo agente.

10- O crime tem como pressuposto a existência duma cotização deduzida, que o agente está legalmente obrigado a entregar, caindo fora da esfera incriminadora as situações em que a não entrega da cotização para a Segurança Social se deve à sua não dedução, não liquidação ou não recebimento por parte do agente. (vide acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no processo 206/02.8TMCB.C1 de 26 -5.2009, em www.dgsi.pt) 11- No RGIFNA, na redacção dada pelo DL 394/93, de 24 de Novembro, exigia-se para a configuração do crime de abuso de confiança fiscal a apropriação indevida por inversão do título de posse, com animus rem sibi habendi.

12- Com a entrada em vigor do RGIT, o novo tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal deixou de conter na sua formulação literal a exigência da apropriação.

13- No sentido de que a apropriação continua a fazer parte do tipo objectivo, pronunciou-se o STJ, no acórdão de 23.04.2003, Proc. 03P620, em www.dgsi.pt.

14- Embora na lei actual se não faça referência expressa à apropriação, ela está contida no espírito do texto, pois se o agente não entrega à administração as prestações que deduziu e era obrigado a entregar, é porque se apropriou delas, dando-lhes assim um destino diferente daquele que lhe era imposto por lei.

15 - A ideia fulcral do crime de abuso de confiança, é sempre a de que se dá a valores licitamente recebidos um rumo diferente daquele a que se está obrigado.

16- Na realidade, a não entrega total ou parcial das cotizações para a Segurança Social, traduz-se num apropriar-se, num fazer sua coisa alheia. Inicialmente o agente recebe validamente a coisa, passando a possuí-la ou detê-la licitamente, a título precário ou temporário, só que posteriormente vem a alterar, arbitrariamente, o título de posse ou detenção passando a dispor da coisa ut dominium. Deixa então de possuir em nome alheio e faz entrar a coisa no seu património ou dispõe dela como se fosse sua, ou seja, com o propósito de não restituir, ou de não lhe dar o destino a que estava ligado, ou sabendo que não mais o poderia fazer.

17- Para que exista o abuso de confiança do Código Penal - artigo 205.° é necessário que o agente ilegitimamente se aproprie de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo de propriedade.

18- No caso do empresário que não entrega à Segurança social as cotizações retidas nas remunerações pagas aos seus trabalhadores, este não se apropria de nada que lhe tenha sido entregue pela Segurança Social, pois os valores em causa ficaram na disponibilidade do mesmo, desde sempre, ab initio, numa relação muito próxima da do fiel depositário - não há uma entrega, há é uma imposição legal de entrega de tais montantes à Segurança Social.

19- O que interessa verdadeiramente é a não entrega de tais valores à Segurança Social, independentemente da finalidade que se venha a dar a tal dinheiro, pois que estamos em matéria de interesse público geral, não se podendo aqui verificar a sobreposição de interesses particulares.

20- A lei apenas exige a apropriação, para que se verifique o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, independentemente da finalidade que lhe venha a ser dada.

21- Para que exista crime de abuso de confiança não é necessário que o agente retire um proveito directo das quantias retidas. A circunstância de os arguidos terem utilizado as quantias devidas à Segurança Social para manter a laboração da empresa e pagar salários dos trabalhadores não constitui causa de exclusão da ilicitude (vide os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 03.10.2001, Proc. 0140535 30.06.2004, Proc. 0413348, de 12.03.2003, Proc. 0210289, e de 26.06.2002, Proc.021 038, todos em www.dgsi.pt).

22- De realçar que as dificuldades financeiras e económicas dos agentes não justificam a conduta daqueles que não respeitam a obrigação legal de entregar as contribuições à segurança Social, uma vez que este dever é superior ao dever funcional de manter a empresa a funcionar e de pagar os salários aos trabalhadores e as dívidas aos fornecedores (vide os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.07.2006, Proc. 3372/2006-9 e de 22.09.2004, Proc.4855/2004-3, e do Tribunal da Relação do Porto de 07.05.2003, Proc. 0110911, e de 25.09.2002, Proc.0240435, todos em www.dgsi.pt, onde se defende a prevalência do interesse da segurança social, de natureza pública, sobre os interesses particulares da empresa ou dos seus trabalhadores).

23 - Isto é assim, uma vez que as contribuições para a Segurança Social são indispensáveis ao financiamento do seu sistema previdencial, actualmente previsto no artigo 50 da Lei nº 4/2007 de 16 de Janeiro (lei de bases da Segurança social, para satisfação das previstas no artigo 52 e que são: a doença; a Maternidade, paternidade e adopção; o Desemprego; os Acidentes de...

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