Acórdão nº 275/07.4PJSLB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução18 de Maio de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

27 I. RELATÓRIO.

No processo Comum Singular n.º 275/07.4PJSLB.C1 o Tribunal, em face da acusação formulada pelo Ministério, decidiu: a) Absolver o arguido G da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143º, n.º 1, 146º, n.º 1 e 2 e 132º, n.º 2, alínea g), do Código Penal (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04.09) e actualmente p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143º, n.º 1, 145º, n.º 1, alínea a), e 2, 146º e 132º, n.º 2, alínea h), do Código Penal; b) Condenar o arguido G pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do CP, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 1020,00 (mil e vinte euros), a que corresponde a pena subsidiária de 112 dias de prisão; c) Condenar o arguido/demandado G a pagar ao demandante V. a quantia de € 900,00 (novecentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da presente sentença e até integral e efectivo pagamento.

  1. Absolver o arguido/demandado G do pagamento da parte remanescente do pedido de indemnização civil formulado por V d) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo (cfr. artigos 513º e 514º do CPP e artigo 74º, do CCJ), fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s (cfr. al. b), do n.º 1, do artigo 85º, do CCJ), acrescida de 1%, nos termos do artigo 13º, n.º 3 do DL n.º 423/91, de 30 de Outubro, e de procuradoria que se fixa no mínimo.

  2. Condenar o demandado e o demandante no pagamento das custas do pedido de indemnização cível, na proporção do respectivo decaimento (artigo 446º do CPC e artigo 520º, alínea a) do CPP).

O arguido G não se conformando com a decisão condenatória, veio interpor recurso para este Tribunal.

Nas suas alegações o recorrente conclui a sua motivação nos seguintes termos: «1 — A sentença proferida que condenou o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo n.° 1 do artigo 143.° do Código Penal (doravante CP), na pena de 170 dias de multa à taxa diária de 6,00 E, no total de 1020,00 E. a que corresponde a pena subsidiária de 112 dias de prisão.

2 — O Tribunal a quo fundou a sua convicção, designadamente na análise da prova dos autos, e do conjunto da prova produzida em sede de audiência e julgamento, designadamente nas declarações do arguido, nas declarações do assistente e nos depoimentos das testemunhas R e RD.

3 — Sucede que, salvo o devido e merecido respeito, a douta sentença aplica erradamente o artigo 143.° do CP, quando na verdade, os factos provados apontam para a existência de erro sobre a verificação dos pressupostos da legítima defesa prevista no artigo 32.°, do CP. Senão veja-se, 4 — A TK---, LDA. instaurou contra o arguido a acção executiva que correu termos no 2° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco sob o n.° ../03.5TBCTB-A e que foi julgada improcedente, uma vez que a responsável pela dívida em causa naquele processo era AFC — , LDA., e não o arguido, que havia sido apenas gerente daquela.

5 — Não obstante, inconformada com a decisão a TK — LDA contratou os serviços da empresa denominada O HOMEM DO FRAQUE, cuja actividade consiste em ‘ dívidas difíceis”, para proceder à cobrança da dívida da AFC —, LDA junto do arguido.

6 — É do conhecimento público que o método de cobrança dos colaboradores do HOMEM DO FRAQUE passa primeiramente pela realização de telefonemas aos alegados devedores, bem como pelo envio de avisos de cobrança, sendo que, quando tal não se revela suficiente a almejar o objectivo pretendido, os colaboradores do HOMEM DO FRAQUE “visitam” os alegados devedores nos seu próprios lares.

7 - Aos quais chegam trajando de negro e conduzindo viaturas de cor negra com o desenho do homem de fraque no capô, que deliberadamente estacionam à porta das casas dos alegados devedores, de molde a envergonhá-los no meio social e comunitário em que os mesmos se encontram inseridos para, desta forma, os convencer a pagar quantias cujo cumprimento ii importa ser ou não devido nos tern da lei.

8 — Procedendo com base no referido método, no início do ano de 2007 alguém identificando-se como colaborador do HOMEM DO FRAQUE efectuou três telefonemas para o telemóvel do arguido, exigindo-lhe o pagamento relativo à aludida dívida, dizendo-lhe “sabemos da sua vida” ‘ou paga a bem ou paga a mal”, sabemos que a sua filha anda no infantário” (cfr. ponto 5 da matéria provada).

9 — Porém, não tendo o arguido efectuado, porque a tal não era obrigado, o pagamento em causa no dia 22 de Março de 2007, por volta das 10h00, a esposa do arguido telefona-lhe e dá-lhe conta que o ofendido V e a testemunha R, colaboradores do HOMEM DO FRAQUE, entraram na sua residência, sem permissão de quem quer que fosse, e depois de baterem à porta e de serem recebidos por aquela revelaram que o propósito era cobrar a referida dívida.

10 — O arguido ficou de imediato alarmado e apavorado com a situação, associando imediatamente os colaboradores do HOMEM DO FRAQUE aos telefonemas que havia recebido, e receando pela vida da sua filha percorreu de imediato o caminho até à sua casa na esperança de chegar atempadamente a casa e garantir que nada de mal acontecesse.

1 1 — Uma vez que o processo que opunha o arguido à TK —, LDA já tinha transitado em julgado e, portanto, a cobrança daquela dívida por parte dos colaboradores do HOMEM DO FRAQUE, que disso tinham amplo conhecimento, configurava fazer justiça pelas próprias mãos.

12 - O arguido a par do sentimento de medo que sentia pela sua família e por si viu-se obrigado a reagir sobre o ofendido desferindo-lhe, com as próprias mãos um único murro na cara e empurrando-o da sua propriedade para fora.

13 — Porém, atente-se que o arguido apenas cometeu tais actos, porque mediante a sua representação dos factos e as ameaças sofridas, tinha todos os elementos necessários para concluir que os colaboradores do HOMEM DO FRAQUE estavam prestes a agredir a sua filha ou a sua esposa, para desse modo obterem o pagamento por parte do arguido uma dívida que não era sua mas da AFC — LD. (agressão iminente e ilícita).

14 - Pelo que, vendo-se em clara desvantagem numérica a par com dois colaboradores da empresa HOMEM DO FRAQUE, atenta uma imagem não pacifista de que tais colaboradores fruem na comunidade em geral, e uma vez que as autoridades tardavam a chegar, com intenção de defender a família do perigo em que para si se encontravam, desferiu um único murro, com as próprias mãos, na cara do ofendido e o empurrou-o da sua propriedade para fora (agindo assim com aninius defendendi, e utilizando o meio necessário e racional para evitar o perigo iminente, urna vez que era impossível em tempo útil recorrer ao auxílio das forças policiais).

15 — Assim, mediante os factos que se expuseram e ficaram provados em sede de audiência e julgamento, a douta sentença deveria ter concluído, e não concluiu, que a conduta do arguido, pelo menos, se enquadrava na figura do erro sobre as circunstâncias do facto, previsto no artigo 16.° do CP, designadamente sobre a verificação dos pressupostos da legítima defesa prevista no artigo 32.°, do mesmo diploma.

16 — Pois, ainda que objectivamente se entenda não se encontrarem, iii casu, presentes os elementos justificadores exigidos, porquanto não estaria em face de uma agressão por parte do ofendido e portanto a acção defensiva era desnecessária, a verdade é que o arguido — subjectivamente — supôs erroneamente que eles se verificavam — encontrando- se em erro sobre os elementos do tipo justificador.

17 - A legitima defesa putativa exclui o dolo (art. 16.°, n.° 1 e 2 do mesmo código), porém, fica ressalvada a punibilidade da negligência (n.° 3 do mesmo artigo), porém o erro em que o arguido actuou nos presentes autos não censurável.

18 — Pois, não é exigível ao arguido que, em face das circunstâncias em que se encontrava, perspectivasse que o ofendido não estava predisposto a concretizar as ameaças feitas pelo telefone, porque a atitude assumida pelo ofendido e a testemunha Rui, bem como o modo e a postura com que se apresentaram, compatibilizavam-se na integra com o conhecido método utilizado pelos colaboradores do HOMEM DO FRAQUE, que segundo se sabe é intimidativo e pouca pacífico.

19 — Assim, resulta da factualidade provada na própria sentença recorrida, concretamente dos pontos 5, 6, 7 e 9 da matéria provada, que o arguido fez a avaliação da situação que faria qualquer homem médio colocado nas mesmas circunstâncias, 20 — Segundo a qual o ofendido e a testemunha R encontravam-se ali para que no caso do arguido não pagar a referida dívida concretizarem as ameaças lhe tinham feito ao telefone, não sendo, assim, a sua atitude censurável, para efeitos de aplicação do disposto no n.° 3 do artigo 16.° do CP.

21 - Pelo que, deverá entender-se que iii casu verifica-se uma situação de legitima defesa putativa, que exclui a culpa do arguido (cfr. artigos 16°, n°sl e 2 e 31°, 1 e 2, ai. a) do CP), devendo ser este, consequentemente, absolvido do crime pelo qual foi condenado.

22 — Não tendo a sentença recorrida decidido neste sentido, violou o disposto no artigo 1 6.°, n.s° 1 e 2 e no artigo 31.0 ns.° 1 e 2, ai. a) do CP, motivo pelo qual deve a mesma ser revogada e substituída por outra que, com base na exclusão da culpa do arguido no cometimento dos factos, o absolva.

Na resposta ao recurso o Ministério Público, pronunciou-se pelo não provimento do recurso, concluindo nos seguintes termos: « 1 - Pelos factos dados como provados não vislumbramos a existência de qualquer agressão na pessoa do arguido ou iminência de agressão, para legitimar qualquer defesa, tão só, que os mesmos se encontravam sozinhos à porta da casa e que, “acto contínuo, após estacionar o seu veículo, o arguido entrou na sua propriedade, caminhou na direcção de V e desferiu-lhe um murro na face e pediu à esposa para ir buscar a...

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