Acórdão nº 293/06.0TAPMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Maio de 2010

Data18 Maio 2010
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença na qual foi decidido: - julgar improcedentes a acusação particular deduzida pelo assistente D e, em consequência, absolver os arguidos, J e A da prática, em autoria material, de um crime de ofensa à memória de pessoa falecida, previsto e punido pelo artigo 185º do C. Penal; - julgar improcedente pedido de indemnização civil formulado pelo assistente, absolvendo do mesmo os arguidos/demandados.

* Recorre o assistente da referida sentença, formulando, na motivação, as seguintes CONCLUSÕES: 1. A douta sentença recorrida contém pontos de facto incorrectamente julgados, existem pontos de facto que deveriam ter sido dados como provados, tudo isto em obediência à prova produzida em audiência de julgamento, bem como foi feita uma errónea interpretação e aplicação do direito ao caso em apreciação; 2. Os pontos 14,15, 16, 17 e 18 da matéria de facto dada como provada, não têm qualquer sustentação na prova produzida em audiência de julgamento; 3. Para dar como provado o facto plasmado no ponto 14., da douta sentença, a Ma. Juiz a quo fundou-se no depoimento do arguido que considerou sincero, credível e honesto, o que, segundo as regras da experiência, e atento o contexto, não pode atribuir-se-lhe tal característica de credibilidade; 4. Em primeiro lugar porque o arguido já comprovou em sede da acção cível (que o Assistente interpôs como resposta a uma acção contra si interposta pelo arguido para aumento de capital de uma sociedade fantasma que havia deixado de laborar já nos finais da década de 60) onde proferiu expressões injuriosas, acima transcritas, para com o pai do assistente, o falecido JP, e que tinha por objecto a dissolução da Sociedade …, Lda., que tem por hábito alegar factos falsos; 5. A titulo de por exemplo, a alegação de que a empresa tinha actividade e até arrendamentos de pedreiras com processos de licenciamento, ao que o Autor, aqui assistente, comprovou ser falso através de documentos autênticos que juntou aos autos e que ele reconhece no termo da acção; 6. Por outro lado, o depoimento do arguido é claramente contraditório - a titulo de exemplo e muitos outros há, veja-se que começa por referir que foi a esposa do falecido J P que lhe disse que este havia furtado toda a contabilidade e adiante refere que foi uma tia (ambas falecidas); veja-se que começa por referir, antes de lhe ser mostrada a fotografia dos autos, que a viatura que referiu na contestação ter sido vendida em proveito próprio pelo falecido, que a mesma estava em bom estado e após a exibição da fotografia que reconhece ser a do veículo em questão, claramente se vê que o veículo está completamente enferrujada, e com buracos no capôt e portas e a contabilidade como referiram as próprias testemunhas que o arguido arrolou, seus contabilistas, referem que ficou no escritório até ao final da actividade da sociedade; sendo o arguido quem acompanhou a laboração da sociedade até ao fim; Se são duas as versões do arguido como pode a M.ma Juiz optar por uma das versões sem a corroboração, em nenhuma delas de qualquer testemunha? Se o Falecido furtou todos os documentos, como pode a sua mandatária referir que teve acesso, por ele, a uma panóplia de documentos da sociedade? 7. A M.ma Juiz, fazendo tábua rasa de todos estes factos, e contradições assentou praticamente toda a sua convicção no depoimento do arguido o que não podia fazer legitimamente, já que o mesmo não é revelador de isenção e imparcialidade e credibilidade; 8. São dados factos como provados que nenhuma das testemunhas referiram nomeadamente a intenção de encerramento da empresa, a venda da maquinaria, o desvio da escrita por parte do falecido J P; 9. Tanto mais que o falecido manteve-se à margem da sociedade sendo que por vários funcionários que faziam turnos, nunca foi visto; 10. E também não pode dar-se como provado que o falecido tentou vender um serrote e tudo o que houvesse nas instalações, a preço de ferro, quando a própria testemunha do arguido que estranhamente aparece no processo, após o inicio da audiência, refere que o que lhe foi tentado vender já era ferro velho em perfeito estado de sucata; 11. Ao dar os pontos 14. a 18. da matéria de facto dada como provada, é subverter completamente a prova produzida, porquanto não se funda nem na prova documental, nem na prova testemunhal, que foi ouvida; 12. Ademais há factos que deveriam ter sido dados como provados como sendo que durante o período de actividade da Sociedade… Lda., sempre foi o arguido J, quem exerceu a gerência; que o falecido J P, pai do assistente, nunca exerceu qualquer função na Sociedade Lda., não frequentando tão pouco as instalações da mesma; que o falecido J P, nunca foi visto a circular com o veiculo, nem possuía os documentos do mesmo; que toda a maquinaria da sociedade ainda hoje permanece no local, em situação de completo abandono, incluindo os motores, encontra-se em estado de perfeita sucata, há já mais de 15 anos; 13. Bem como deveria ter sido dado como provado que as imputações identificadas de 6.a 8.dos factos dados como provados afectam muito negativamente o crédito, estima, bom nome e reputação do pai do assistente; trata-se de expressões usadas pelo arguido contêm em si um indesmentível desvalor, objectivamente ofensivo e grave. Tanto mais que são reiteradas e várias e são feitas no âmbito de um processo, de forma escrita que chegou ao conhecimento de várias pessoas.

  1. Apesar de o Tribunal ter considerado que as expressões são objectivamente injuriosas da honra e consideração de alguém — pág. 15 da douta sentença — entendeu, erradamente que as circunstâncias em que foram proferidas não assumiram objectividade suficiente para integrar o ilícito criminal.

  2. Andou mal o Tribunal neste entendimento, pois o arguido, não só sabia perfeitamente que tais imputações não eram verdadeiras, como ao poferi-las elas têm a susceptíveis de produzir ofensa à memória de pessoa falecida, não podendo deixar de entender-se que estas expressões assumem dignidade penal, pois atingem as aptidões e capacidade do falecido, de modo gravemente depreciativo e injurioso.

  3. Deveria, ainda, dar-se como provado que as imputações identificadas de 6. a 8. dos factos dados como provados são feitas no concelho onde sempre viveu o falecido e onde todos se conhecem; que ao proferir as expressões identificadas de 6. a 8. dos factos dados como provados, os arguidos tiveram a intenção de ofender a memória do pai do queixoso; que ao proferir as expressões identificadas de 6. a 8. dos factos dados como provados, os arguidos representaram que da sua conduta iria necessariamente resultar a ofensa a memória do pai do queixoso; que os arguidos representaram como possível que das expressões indicadas de 6. a 8. dos factos dados como provados resultaria a ofensa da memória do pai do queixoso e, não obstante, conformaram-se com tal realização.

  4. As expressões usadas e dadas como provadas nos pontos 6. a 8. da matéria de facto, procurando o arguido, no contexto em que são feitas, imputar toda a paralisação da sociedade e descapitalização da mesma, contém um alto grau de desvalor e que em si, são grave e objectivamente ofensivas da honra e consideração da pessoa visada, o falecido J P 18. Aquelas expressões, encerram em si mesmo um desvalor a memória do falecido, já que ele era uma pessoa bem conceituada e bem vista no seu meio, e a imputação feita pelo arguido de este “sonegar” bens, significa “ocultar ou subtrair fraudulentamente”, expressões que afectam a honra e consideração de qualquer pessoa.

  5. Nos termos do artigo 185º do Código Penal, “Quem, por qualquer forma, ofender gravemente a memória de pessoa falecida é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.” E nos termos do artigo 1800º n.º 2, alínea a) e b) do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 185º, n.º 2, a conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

  6. Não restam dúvidas que a expressão que imputam ao falecido JP “passou obstruir e sabotar toda a actividade da Ré” e sonegando até a própria escrita comercial da ré”, tem o significado de “sonegar fraudulentamente” ou “subtrair fraudulentamente.” 21 .As expressões usadas pretenderam ofender o falecido J P já que tais imputações são feitas com expressões em si mesmas, injuriosas e difamatórias, que a M.ma Juiz a quo pretende escudar a pretexto do exercício de um direito legitimo que nem sequer foi invocado ou alegado em sede de acção cível, pelo arguido, aquando da utilização daquelas expressões.

  7. O arguido utilizou expressões que são clara e objectivamente ofensivas da honra e consideração do falecido J P.

  8. Não é necessário que tais expressões atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano — cf. Faria e Costa e Beleza dos Santos in, ob. Cits.

  9. Ora, o nº 2 do artigo 180º do C. Penal, ao prever a não punibilidade da conduta exige por um lado expressamente que o agente prove a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento para, em boa fé, a reputar verdadeira.

  10. A boa-fé não pode significar uma pura convicção subjectiva por parte do agente na veracidade dos factos, antes tem de assentar numa imprescindível dimensão objectiva. A boa-fé está dependente das regras de cuidado e do cumprimento do dever de se acautelar antes de divulgar ou imputar factos injuriosos ou difamatórios.

  11. E o arguido não só sabia que estas imputações não eram verdadeiras, ele próprio admite que o carro apodreceu a beira da estrada, junto às instalações onde funcionou a empresa e a uma estrada onde por todos os residentes foi vista, como é o caso do arguido. O arguido mora...

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